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Poder

Juíza que julgará pedido de prisão de Lula está isolada

Publicado em 11/03/2016 12:00 -

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Conhecida pela discrição, e rigor técnico, a juíza titular da 4ª Vara Criminal da capital Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira já relatou a colegas do Fórum da Barra Funda sua preocupação com a superexposição do pedido de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que julgará nos próximos dias.

Juízes e promotores dizem que a magistrada tem perfil de quem não cede a pressões e apostam que ela levará alguns dias para terminar o exame dos 36 volumes da denúncia contra Lula, já que é muito cuidadosa na análise das causas.

Formada em 1995 pela Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco), Veiga completará no fim de março 17 anos na magistratura.  Antes de chegar à etapa final da carreira de primeira instância, como juíza titular de uma vara da capital, a magistrada atuou nas cidades de Mogi das Cruzes e Embu.

A direção do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou o isolamento da área no Fórum da Barra Funda. Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal, a medida foi adotada para preservar a tranquilidade do trabalho da juíza Maria Priscilla Veiga Oliveira. Somente advogados e pessoas com compromissos de comparecimento à vara poderão acessar a área correspondente, no fórum.

Pedido de prisão

O Ministério Público de São Paulo pediu a prisão do ex-presidente em denúncia apresentada na última quarta-feira (9) sobre o tríplex em Guarujá (litoral de São Paulo), que teria sido preparado para a família do petista.

Lula é acusado de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, crimes que podem render de 3 a 10 anos de prisão e de 1 a 3 anos, respectivamente. Sua mulher, Marisa Letícia, e um dos filhos do casal, Fábio Luís Lula da Silva, também são acusados de lavagem de dinheiro. A denúncia contra Lula tem 36 volumes.

Diferentemente das prisões da Operação Lava Jato, em que as detenções foram determinadas em fase de investigação, a definição sobre o caso do ex-presidente deverá acontecer em paralelo à decisão sobre a abertura de ação criminal contra o petista. Se isso ocorrer, ele passa à condição de réu.

Sem sustentação

O pedido de prisão preventiva do ex-presidente, os procuradores defendem a tese de que Lula atentou “contra a ordem pública ao desrespeitar as instituições que compõem o Sistema de Justiça”. O ex-presidente, segundo eles, insuflou a população contra o Judiciário ao criticar publicamente a condução coercitiva que o levou a depor no âmbito da Operação Lava Jato, no último dia 4. O fato de ele ter convocado uma entrevista coletiva para falar sobre o assunto e de ter pedido apoio aos militantes do PT, inclusive nas ruas, são citados como indícios de que ele representa um perigo para a manutenção da ordem pública.

Especialistas apontam que os motivos apresentados não sustentam o pedido de prisão preventiva. “Não faz o menor sentido, a prisão preventiva em caso de perigo a ordem pública é usada quando a liberdade da pessoa gera algum tipo de risco difuso para a sociedade. Discordar das decisões judiciárias, dar coletiva de imprensa e pedir apoio da militância é liberdade de expressão, um direito constitucional. Ele não pode discordar do Ministério Público?”, indaga o advogado e professor de direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Thiago Bottino. “Por exemplo, o juiz Sergio Moro já pediu apoio da população, ele também está atentando à ordem pública quando faz isso? É claro que não. Isso não gera risco a ordem pública”, completa.

Para Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da USP, o pedido não para em pé, mas caso seja aceito, não será a primeira vez que isso acontece no Brasil. “Há uma crítica sobre a constitucionalidade dessa possibilidade de prisão por perigo à ordem pública, porque, além da vagueza do termo, em que é possível encaixar quase tudo, ela tem sido usada cotidianamente para prender a população mais pobre antes de um julgamento formal”, diz. Bottino concorda e lembra que hoje no Brasil cerca de 45% da população carcerária é formada por presos preventivos: “A regra aqui, infelizmente, é a prisão, não a liberdade. Aceitar esse pedido seria só reproduzir o que o sistema Judiciário brasileiro tem de pior.”

Não é a primeira vez que um ato relacionado a investigação sobre Lula é alvo de críticas de juristas. Na sexta-feira (4), o ex-presidente foi obrigado a depor no âmbito da Operação Lava Jato, por ordem dos procuradores de Curitiba e autorizada pelo juiz Moro. Lula foi deslocado com escolta da polícia para protegê-lo, segundo o juiz. "Irregular", "ilegal", "exagerado" e "inconstitucional" foram algumas das críticas feitas pelos especialistas na sexta.

O promotor

O promotor Cassio Roberto Conserino, 41, principal responsável pela denúncia contra Lula, tem "grandes brigas" no currículo, que incluem Palocci, pedófilos e criminosos do PCC.

Filho de promotor aposentado, o paulistano Conserino ingressou na carreira em 2000. Segundo colegas, não tem nenhuma ligação política partidária. É tido com "competente e corajoso".

Em 2003, em Porto Ferreira, denunciou uma rede de pedofilia formada por políticos e empresários. No mesmo ano, participou em Ribeirão Preto de um grupo que investigou esquema de corrupção na prefeitura, na gestão do petista Antonio Palocci Filho. Um dos esquemas envolvia o suposto pagamento de propina de R$ 50 mil mensais a Palocci, que seria repassada ao PT.

Passando dos limites

A presidente Dilma Roussef repudiou nesta sexta-feira (11), em entrevista à imprensa, o pedido do Ministério Público de São Paulo e afirmou que ele "passou de todos os limites". Segundo ela, a solicitação "ultrapassa o bom senso" e é um "ato de injustiça".

"É quase consenso entre os juristas, não existe base nenhuma para esse pedido. Ele ultrapassa ao bom senso e é um ato de injustiça. E é um absurdo que um país como o nosso assista calmamente a um ato desse contra uma liderança política responsável por grandes transformações no país e é respeitado internacionalmente", disse.

Em uma crítica indireta aos promotores paulistas responsáveis pelo pedido de prisão, a petista pediu por "menos pessoas que queiram se promover em situações" descabidas. "Esse é um momento de diálogo e de pacificação", apelou.

Ministério

Dilma afirmou ainda que teria "o maior orgulho" de tr Lula em sua equipe de governo, e fez questão de negar que a presença de seu antecessor na Esplanada dos Ministérios enfraqueceria a sua autoridade como presidente e ressaltou que, em qualquer gestão federal, ele daria uma "enorme e imensa contribuição".

"Eu teria o maior orgulho de ter o presidente Lula no meu governo, porque ele é uma pessoa com experiência, com grande capacidade gerencial e formulação de políticas", elogiou a presidente, que não quis responder se o convidou para assumir uma pasta na administração petista.

Lula, no entanto, deverá rejeitar o convite da presidente. Um de seus interlocutores resume o raciocínio de Lula afirmando que, para ele, poderia ser um "abraço de afogados".

Nas conversas, Lula disse que a crise não será resolvida apenas com sua chegada ao Ministério sem que haja uma profunda mudança na equipe econômica.

Ele avalia, segundos seus interlocutores, que sua nomeação não reverteria um processo pelo impeachment, especialmente se o encontro do PMDB apontar uma ruptura com o governo.

Lula pediu a Dilma tempo para dar sua resposta. Mas, nessas conversas, disse que sofreria desgaste caso aceitasse o convite, já que poderia ser encarado como uma tentativa de escapar de um pedido de prisão.

Além disso, disse ele aos aliados, o PT ficaria sem alternativas para 2018 caso ele fosse ainda mais associado ao atual governo.


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