20/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Fim da presunção de inocência?

Publicado em 02/03/2016 12:00 -

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No último dia 17 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a prisão de condenados deve ocorrer depois que a sentença for confirmada em um julgamento de segunda instância, ou seja, antes de se esgotarem todos os recursos possíveis da defesa. A decisão modifica entendimento anterior do próprio tribunal. Até então, a sentença só era definitiva após passar por até três graus de recursos: segundo grau, Superior Tribunal de Justiça e STF. Para a maioria dos ministros, a mudança no sistema penal combate a ideia de morosidade da Justiça e a sensação de impunidade, além de prestigiar o trabalho de juízes de primeira e segunda instâncias, evitando que se tornem "tribunais de passagem". Outro argumento é que isso impede uma enxurrada de recursos na Justiça na tentativa de protelar o início do cumprimento da prisão. Para o jurista e pesquisador José Carlos Moreira da Silva Filho, a medida fere um princípio fundamental da Constituição, a presunção de inocência, e se agrava quando se tem em perspectiva o contexto prisional do Brasil.

 

De que forma o sr. avalia a decisão do STF em autorizar prisões a partir de decisão em segunda instância?

Tratando especificamente da medida adotada neste caso concreto, o do Habeas Corpus – HC nº 126.292, que poderá impactar diretamente casos futuros a serem julgados pela Corte e pelas instâncias inferiores, inicio mencionando que as estatísticas de acolhimento pelos tribunais superiores dos recursos interpostos após condenação criminal em segunda instância apontam para o índice aproximado de 25%.

Isto quer dizer que cerca de 25% das pessoas que são condenadas em segunda instância conseguem reverter este resultado quando interpõem recursos junto aos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça – STJ e Supremo Tribunal Federal – STF). Caso se mantenha para casos futuros o entendimento adotado pelo STF na fatídica tarde do dia 17 de fevereiro de 2016, o que teremos será a submissão dessas pessoas (repito, 25% do universo de pessoas condenadas em segunda instância) a uma provação indevida e contrária ao Direito.

Passar um dia sequer preso, tendo a sua liberdade restringida e, no caso específico do sistema carcerário brasileiro, outros direitos básicos além da liberdade, tendo em vista a completa falência das instituições carcerárias, é algo tão grave que suscitou do Poder Constituinte uma questão de princípio, exposta de modo literal no texto constitucional, e declarada cláusula pétrea, a garantia do Habeas Corpus e a presunção da inocência.

O entendimento adotado pelo STF levará a submissão dessas pessoas (25% do universo de pessoas condenadas em segunda instância) a uma provação indevida e contrária ao Direito. A relativização da presunção de inocência realizada pelo STF, chancelando prática que vinha anteriormente combatendo, é um mal em si.

Alguém poderá arguir que na prática os Tribunais de Justiça já determinam a prisão dos réus mesmo sem o trânsito em julgado, ou seja, mesmo na continuidade do exercício do direito de defesa com a interposição de recursos.

Mas há também – o que a decisão tomada pelo STF em 2009 no HC 84.078 exemplifica (decisão que vinha sendo a tônica constante na jurisprudência do STF, agora contrariada pela decisão de 17 de fevereiro de 2016) – a possibilidade de que por via de Habeas Corpus quem foi colocado na prisão após condenação em segundo grau, mas ainda exerce o seu direito de defesa junto aos tribunais superiores, seja posto em liberdade até que o seu recurso seja decidido, o que se ocorrer favoravelmente (com 25% de chances de o ser) o coloca em liberdade permanentemente.

Um dos argumentos ventilados pelo Ministro Teori Zavascki, relator do HC 126.292, é o de que após a segunda instância não cabem mais análises de provas e da materialidade do fato, cabendo apenas a discussão de questões de direito. Ora, esta separação artificial e espartana entre questão de fato e questão de direito violenta a realidade da vida e já havia sido magistralmente denunciada por autores de fôlego da hermenêutica jurídica, dentre os quais destaco Castanheira Neves e Friedrich Muller.

Como separar a avaliação jurídica de um fato das normas que o condicionam? O sentido da norma depende da tessitura trazida pelos fatos concretos, não se pode simplesmente "higienizar" um caso propondo uma análise normativa independente do próprio caso. Eis mais um exemplo da patológica distinção entre teoria e prática, um dos maiores males que hoje aflige qualquer processo educativo, de pesquisa ou de construção do conhecimento. Tanto é assim que, repita-se, 25% dos recursos que chegam aos tribunais superiores ensejam a libertação do réu.

Do mesmo modo, é equivocado o argumento de querer justificar a execução provisória após condenação em segunda instância, mesmo com recurso pendente para os tribunais superiores, recorrendo a uma analogia do que determinou a lei da ficha da limpa, visto que aqui não se trata propriamente de uma consequência de caráter penal e de privação da liberdade, mas sim de uma condição de elegibilidade, uma condição eleitoral. São matérias muito distintas.

Essa medida pode agravar o contexto do sistema carcerário no que diz respeito ao uso excessivo das prisões provisórias?

Este é outro aspecto grave que deve ser examinado é o efeito imediato dessa decisão, caso ela venha a se consolidar, para casos futuros. O Brasil hoje tem cerca de 600 mil pessoas encarceradas (o terceiro país do mundo em número de pessoas presas e talvez o maior em termos de aceleração dos índices de crescimento do encarceramento), das quais cerca de 40% estão em prisão provisória, o que mais do que exemplifica o completo abuso desse instituto.

Isto é, não só temos pessoas que são presas antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, mas também pessoas que são presas sem sequer terem sido julgadas. Esta última situação deveria ser uma exceção relacionada aos casos de flagrante e real necessidade da prisão provisória, no entanto, trata-se de um procedimento banalizado e que se mantém para muito além do prazo legal máximo estabelecido, às vezes por anos.

O Brasil hoje tem cerca de 600 mil pessoas encarceradas (o terceiro país do mundo em número de pessoas presas e talvez o maior em termos de aceleração dos índices de crescimento do encarceramento), das quais cerca de 40% estão em prisão provisória.

Nosso sistema prisional já é medieval…

Qualquer pessoa minimamente informada sabe muito bem que os presídios e celas do Brasil são verdadeiras masmorras que violam diuturnamente a legislação de execução penal e a própria Constituição ao não garantirem aos apenados e internos as mínimas condições de dignidade. O sistema está completamente falido, as instalações caem aos pedaços, o crime, a violência, a ignomínia são a moeda corrente desses lugares fétidos, insalubres e degradantes. Qual é a lógica em se determinar que um sistema prisional falido, abarrotado de presos, seja ainda mais precarizado com a prisão dos milhares de réus que hoje aguardam seu recurso de terceira instância em liberdade?

Mas afora a inutilidade e o caráter brutal, violento e precário – similares ao próprio "estado de coisas" do sistema prisional brasileiro – a que ficam reduzidos direitos e garantias com esta decisão, está uma questão ainda mais grave, objeto do segundo olhar que proponho na resposta a esta pergunta: o mortal atentado à Constituição de 1988 no que ela tem de mais elevado e democrático, perpetrado exatamente pelos que têm a missão de protegê-la como principal razão de ser do seu ofício cotidiano.

Como essa nova jurisprudência se relaciona com a Constituição Federal? Que conflitos emergem?

A relativização da presunção de inocência realizada pelo STF, chancelando prática que vinha anteriormente combatendo, é um mal em si. Mas agora afirmo que dentro desse mal há ainda outro maior, e que vem se amoldando em uma cadeia de eventos que não se iniciaram em 17 de fevereiro de 2016, mas que remontam às próprias origens do texto constitucional e ao processo de redemocratização do país.

A Constituição Federal de 1988 traduz o marco simbólico e legal da passagem da ditadura para a democracia, do Estado de exceção para o Estado de Direito. Em muitos artigos da Constituição se pode reconhecer a distância valorativa, simbólica e literal que a nova ordem constitucional quer tomar do Estado ditatorial. A nova Constituição nasce pródiga em direitos e garantias, tanto de ordem individual quanto social, estabelecendo inclusive o princípio da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental e o princípio da prevalência dos direitos humanos em suas relações internacionais.

A nova Constituição inicia pelo que há de mais essencial nesse novo esforço de fundar juridicamente uma sociedade democrática e mais igualitária: os princípios, direitos e garantias fundamentais. Ocupam lugar de honra no Art.5º da Constituição (dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) os dispositivos que trazem garantias aos indivíduos diante do poder punitivo do Estado. Tais garantias são demarcadas em diversas outras legislações pelo mundo e em tratados internacionais de Direitos Humanos, mas no caso brasileiro elas apontam diretamente para a experiência de arbítrio e não contenção do poder punitivo que o país experimentou ao longo das mais de duas décadas de regime ditatorial.

Que questões embasam essa mudança na legislação e que objetivos elas pretendem cumprir?

Não houve uma mudança na legislação, mas apenas uma interpretação do STF que desborda, a meu ver, dos seus limites razoáveis. Na verdade, houve uma tentativa anterior de alterar a Constituição pela via legislativa, buscando estabelecer que o trânsito em julgado se desse após a decisão tomada pela segunda instância, proposta defendida inclusive por um Ex-Presidente da casa, o então Ministro Cezar Peluso.

Caso tal proposta vingasse, penso que não haveria ofensa frontal à Constituição. Importa entender que o trânsito em julgado acontece quando não mais é possível qualquer outro recurso. Se o legislador assim entendesse, ele poderia diminuir ou alterar a quantidade de recursos hoje existentes no âmbito do processo penal, vedando, por exemplo, a via do Recurso Especial (STJ) e do Recurso Extraordinário (STF), e alterando o momento processual no qual ocorreria o trânsito em julgado, que neste caso seria a decisão da segunda instância.

Qualquer pessoa minimamente informada sabe muito bem que os presídios e celas do Brasil são verdadeiras masmorras que violam diuturnamente a legislação de execução penal e a própria Constituição.

Contudo, tal proposta foi rejeitada pelo Poder Legislativo, que optou pela manutenção da amplitude recursal para os que buscam se defender diante do poder punitivo do Estado. Caso prevaleça a decisão que o STF tomou no dia 17 de fevereiro de 2016, ficará mais do que comprovado o exercício do ativismo judicial, como se legislador ele fosse, e, o que é pior, pelo caminho escolhido nesta decisão, nem mesmo o legislador poderia assim determinar, visto que se trata de cláusula pétrea.

Explicando melhor, é possível alterar pela via legislativa o momento processual em que ocorrerá o trânsito em julgado, mas não é possível determinar que a presunção de inocência acabe antes que se dê o trânsito em julgado. Hoje o trânsito em julgado só se consolida com a decisão dos recursos eventualmente interpostos junto aos tribunais superiores, daí porque fere o Art.5º, LVII ("ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória") a execução provisória da pena antes que os recursos sejam julgados e decididos.

Que fins justificam a medida?

Quanto aos objetivos que medidas como essa buscam cumprir, estamos assistindo a uma guinada do sistema de justiça brasileiro de julgador para condenador, de equidistante e imparcial, para um Poder que se articula com a mídia e com espectros políticos bem definidos e parciais. Assistimos a uma promiscuidade talvez nunca antes presenciada no país entre a ação da imprensa brasileira, que vem se pautando por muitos factoides que ela mesma fábrica, e o sistema de justiça no país, incluindo aí o Ministério Púbico.

São vazamentos seletivos, declarações de efeito, constantes aparições na mídia e em grandes eventos, espetacularizações, violações de sigilos e de devidos processos que favorecem apenas um espectro político e desfavorece o outro. O problema não é haver ou não uma investigação, mas sim um esforço hercúleo para condenar apenas alguns que representam o espectro político adversário, a utilização da delação premiada de modo opressivo, com prisões indefinidas decretadas até que o preso fale algo que se encaixe na narrativa ou na expectativa do juiz, o que enquanto não ocorrer impede a sua libertação em grande parte dos casos.

Tal seletividade indica a exceção e não o Estado Democrático de Direito, pois neste deve prevalecer a igualdade de todos perante a lei. O magistrado não deve se comportar como um justiceiro, mas como alguém que deve julgar de modo imparcial, mantendo reserva e distanciamento dos holofotes. A impressão que hoje se tem da atuação jurisdicional é de um certo gosto pela tribuna televisionada, pela entrevista no jornal, pela reportagem do noticiário. E aí todos querem sair bem na foto.

O senhor faz críticas contundentes ao Judiciário…

Ora, um poder judiciário garantista e democrático é justamente aquele que não pode transigir diante da ofensa de direitos fundamentais e da integridade constitucional, ainda que uma massa ignara e desconexa representada e insuflada por orquestrações midiáticas assim o exija. Um poder judiciário forte deve estar preparado para tomar decisões consideradas impopulares, que não agradem os reclamos moralistas e punitivistas da sociedade. Caso perca tal condição, não mais poderá exercer a sua função contramajoritária.

A partir dessa decisão do STF, como passa a se situar na legislação o princípio da presunção de inocência? Não há um choque entre essas duas medidas?

Na decisão tomada pelo STF no HC 126.292 não houve a declaração de inconstitucionalidade do Artigo 283 do Código de Processo Penal. O artigo diz o seguinte: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Assim, se tal dispositivo do Código de Processo Penal não foi declarado inconstitucional, ele vale. A legislação, portanto, só prevê duas hipóteses na qual está facultada a prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória: prisão temporária ou prisão preventiva. Tal circunstância torna ainda mais anômala e incompreensível a decisão tomada pelo STF no dia 17 de fevereiro de 2016.

Estamos assistindo a uma guinada do sistema de justiça brasileiro de julgador para condenador, de equidistante e imparcial, para um Poder que se articula com a mídia e com espectros políticos bem definidos e parciais.

Em que medida essa decisão pode resolver o problema da impunidade, conforme alega a maioria dos juristas que votaram a favor desta medida?

Penso que de nenhum modo. Em primeiro lugar, penso que o problema da impunidade no Brasil é mal dimensionado por declarações como esta e frequentemente pelas coberturas midiáticas e policialescas do tema. Temos um sistema penal que é seletivo, que no seu funcionamento, por diversas razões, desde a formação policial até a atuação judicial e a cumplicidade dos demais poderes instituídos, privilegia o perfil do jovem negro, pobre e periférico (basta visitar os presídios).

O sistema tem optado em seu funcionamento pelo encarceramento em massa desse perfil. Já somos hoje o terceiro país do mundo em número de encarcerados, sendo que, como já assinalado, cerca de 40% desse universo são prisões provisórias. Diante desse quadro, quando se diz que no Brasil campeia a impunidade é preciso no mínimo explicar melhor o que se quer dizer. Analisando os tipos de crimes dos que estão presos hoje no Brasil, nota-se, segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen divulgados no ano passado pelo Ministério da Justiça, que apenas 14% dos encarcerados ali estão pela prática de homicídio, sendo que a maior porcentagem dos crimes é o de tráfico de drogas (27%), seguido pelo de roubo (21%).

Quem vai para a cadeia no Brasil?

Há uma clara opção política pela punição e combate ao crime de tráfico de drogas e a crimes contra o patrimônio, opção que apenas timidamente vem sendo questionada, deixando-se em segundo plano os crimes de homicídio. De outro lado, percebemos que os chamados crimes de colarinho branco não chegam a 1% do universo de presos (e quando assumem alguma proeminência midiática, como se notou no caso da Ação Penal – AP 470 e vem se notando na Operação Lava-Jato, o sistema continua a ser seletivo, fechando os olhos para os espectros políticos protegidos e muitas vezes forçando condenações e prisões de indivíduos vinculados aos espectros políticos demonizados).

Também é importante frisar que os agentes públicos que praticaram crimes contra a humanidade durante a ditadura simplesmente nunca foram sequer investigados. Nota-se nisto uma proximidade macabra com o atual baixíssimo índice de policiais condenados pela prática de tortura ou homicídio, ainda que tal prática seja apontada como elevada em diversos relatórios de Direitos Humanos.

Concluo dizendo que existe impunidade, sim, no Brasil, mas voltada para aqueles que são selecionados pelo sistema para não serem por ele atingidos, e que incluem aí os piores crimes, como os crimes contra a humanidade. E, como o impressionante aumento das taxas de encarceramento conjugado com o estado deplorável das cadeias brasileiras vem nos aconselhando, precisamos urgentemente investir em políticas desencarcerizantes. Temos que conquistar a consciência de que o sistema penal não é solução para os problemas sociais, de que a principal e mais eficiente forma de combate à violência não deve ser o emprego de mais violência, e de punições que nem sequer estão de acordo com o Direito, como ocorre no confinamento em celas insalubres abarrotadas de pessoas que por vezes não têm nem mesmo um lugar no chão para dormirem deitadas.

A saída é a prevenção, a conquista da igualdade material, a educação e a construção de uma sociedade mais solidária, participativa e inclusiva, restando o sistema penal para os casos mais extremos e excepcionais, se é que não podem ser tratados de outro modo.

Temos um sistema penal que é seletivo, que no seu funcionamento, por diversas razões, desde a formação policial até a atuação judicial e a cumplicidade dos demais poderes instituídos, privilegia o perfil do jovem negro, pobre e periférico (basta visitar os presídios).

Como essa decisão impacta os diversos setores e estratos sociais? Quais devem ser os mais atingidos pela mudança?

Importante relembrar que a decisão tomada pelo STF no HC 126.292 só vale para aquele caso concreto, mas indica uma possibilidade preocupante para o futuro. Caso venha a prevalecer este entendimento para casos futuros, os mais impactados serão aqueles que desde sempre são selecionados pelo sistema punitivo, sejam aqueles que serão encarcerados antes do tempo, sejam os demais que já se encontram encarcerados em difícil situação de integridade das suas necessidades fundamentais, que já disputam pouco espaço e estruturas que passarão a ser ainda mais "concorridas". E de modo mais amplo, tal decisão favorece o ativismo judicial, desfavorece a integridade constitucional e fomenta esse novo/velho perfil moralizante, midiático e justiceiro que o Poder Judiciário vem assumindo.

Alguns pesquisadores entendem que a decisão do STF não fere a democracia e alegam que o Brasil estaria seguindo um padrão internacional a partir dessa medida. De que maneira o senhor avalia esse posicionamento?

Respeito muito o importante trabalho que o jurista que emitiu tal opinião, Oscar Vilhena, vem realizando junto à organização não governamental Conectas, mas considero lamentável essa declaração. Quando o tema do qual estamos tratando são os direitos fundamentais, o país deve estar afinado com as suas garantias e direitos constitucionais na matéria e com as orientações presentes em tratados internacionais de direitos humanos, especialmente aqueles que ratificou e aprovou internamente.

O fato de um outro país, como os Estados Unidos, adotar um parâmetro diverso para o princípio da presunção da inocência guarda importância infinitamente menor para nós do que aquilo que a nossa Constituição estabelece como cláusula pétrea e que é reforçada por diferentes tratados internacionais, dentre os quais se destaca o próprio Pacto de San José da Costa Rica, ao qual o país aderiu. Oscar Vilhena, em sua entrevista, indica a possibilidade de que o decidido pelo STF pudesse ser obtido pela via preferível de uma Emenda Constitucional (hipótese que não creio ser possível diante da existência de cláusulas pétreas), mas que mesmo não ocorrendo não chegaria a ferir a democracia.

Neste ponto discordo veementemente sem possibilidade de contemporização. Para mim, não se trata de avaliar a adequação ou oportunidade da medida em si (que acho bem questionável como esclareci antes), mas, acima disso, de zelar pela integridade constitucional, o que implica no respeito incondicional aos direitos e garantias fundamentais da Constituição, blindados por cláusula pétrea. Acho triste e preocupante, pré-democrático, que juristas conhecidos pela defesa dos direitos humanos e juízes que deveriam proteger a Constituição façam pouco caso dos limites inquestionáveis da reforma constitucional. E isto, sim, fere a democracia!


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