18/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Toma que o filho é teu

Publicado em 12/02/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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Este foi um carnaval muito família. Deixamos de lado as polêmicas das mulheres nuas, siliconadas e bombadas brigando por espaço na mídia e focamos nossa atenção nas crianças. Ou melhor, nas fantasias das crianças. Ou melhor ainda, no direito dos pais de fantasiar os próprios filhos da maneira que bem entenderem. Eu já falei aqui sobre o que penso dessa noção de propriedade que norteia as relações entre pais e filhos. Em nome da brevidade e do desfile das campeãs, vamos partir do pressuposto que é normal que um pai possa fazer virtualmente o que quiser com seu filho, desde que não deixe marcas físicas permanentes. Isto posto, vamos falar de fantasias.

Você pode, sim, fantasiar seu filho de PM. E existem muitas razões (algumas até legitimamente nobres) para fazer isso. Pode ser que os pais desejem que o filho aprenda desde cedo que é preciso respeitar e admirar as instituições que garantem a lei e a ordem em nosso país. E, se uma parcela da corporação não respeita a farda que usa, não é problema seu. Pode ser, ainda, que o papai, ou o vovô, tenha carreira em algum braço das forças armadas. Aparentemente, passar pela caserna cria laços muito estreitos com a instituição. Tanto que o indivíduo, muitas vezes, se torna incapaz de diferenciar entre sua visão idealizada da corporação e a realidade praticada pela mesma (acho que os especialistas chamam o fenômeno de Síndrome de Estocolmo). Em todos esses casos, você pode fantasiar seu filho do que quiser e ninguém tem nada com isso. O filho é seu.

O racismo está nos olhos de quem vê, dizem. O que levanta uma questão meio filosófica: Se ninguém ver ou falar, será que o racismo ainda existe? Ou é problema resolvido (Vou dar um Google em "Mandela" depois do enterro dos ossos).

Você pode, sim, fantasiar seu filho de macaco. É muito legal curtir os blocos em família. E é difícil pensar em trios de personagens diferentes para cada dia da folia. Se o pai está de Aladim e a mãe de Jasmine, o que você espera que a criança seja? (Eu, pessoalmente, colocaria o moleque de Gênio da Lâmpada. Ou de papagaio Iago. Claro, há sempre o risco de o confundirem com o Louro José. Mas ainda é melhor do que ser chamado de racista.) Você coloca o menino de macaco, claro. Porque está escrito em algum lugar que adotar uma criança negra funciona como uma espécie de salvo conduto, que isenta o pai de qualquer gafe cultural futura. "O racismo está nos olhos de quem vê", dizem. O que levanta uma questão meio filosófica: Se ninguém ver ou falar, será que o racismo ainda existe? Ou é problema resolvido (Vou dar um Google em "Mandela" depois do enterro dos ossos)?  Em todos esses casos, você pode fantasiar seu filho do que quiser e ninguém tem nada com isso. O filho é seu.

Fantasiar os filhos é uma tradição tão antiga quando sacrificá-los aos deuses em troca de uma colheita farta. Membros do Ku Klux Klan fantasiam seus rebentos. Oficiais da Gestapo faziam alfaiates judeus confeccionarem mini fardas para seus herdeiros, com direito a caveirinha no quepe e tudo. Hippies colocam coletinhos de franja nos seus filhos "Sol" e "Kikyô". É uma tradição que manifesta o desejo primitivo de perpetuar a própria existência através da prole.

O carnaval é a época do ano em que os adultos se permitem viver a fantasia do "ser outro". Outra profissão, outro sexo, outra identidade. E, vestidos de outro, nos dedicamos a fantasiar nossos filhos de nós mesmos.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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