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Artigo da Semana

Radicalizar a democracia

Publicado em 23/12/2015 12:00 -

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O legislador constituinte, autor do design do nosso projeto jurídico-político de nação, explicitou que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente", nos termos da Constituição".

O que significa "diretamente"? Enganam-se aqueles que se satisfazem com afirmar que "diretamente" refere-se, apenas, às hipóteses de plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei. O alcance do vocábulo é bem maior.

O próprio texto constitucional menciona a participação de múltiplos atores no planejamento e execução da política agrícola e seu papel de diretriz do sistema único de saúde , além da "gestão democrática do ensino público".

Tais dispositivos mostram que o modelo representativo de democracia é insuficiente para realizar o projeto constitucional. Para atender a essa missão, é urgente engajar a sociedade civil, por meio de mecanismos de participação e controle social. Em outras palavras, é preciso radicalizar a democracia.

Essa não é uma tarefa simples. Faltam marcos regulatórios. A Política Nacional de Participação Social (PNPS), instituída pelo decreto nº 8.243/2014 com esse propósito, foi suspensa pelo Parlamento em meio à refrega política que toma conta do país. E nada foi colocado no lugar.

São incalculáveis as vantagens da democracia participativa. Com ela, elimina-se a ilusão de que o Estado é capaz de saber o que cada um precisa o tempo todo, o que não é verdade numa sociedade cada vez mais complexa e plural.

Democracia participativa não é ‘bolivarianismo’. A sociedade civil nada mais é do que a somatória de todos os segmentos e setores sociais, ou seja, todos nós.

Incluir as pessoas na busca por soluções tem também um efeito pedagógico. Quando elas se tornam parte do processo, há um ganho de maturidade. Aprende-se a negociar consensos e definir prioridades, porque o orçamento público é limitado e não existe refeição gratuita.

A instituição de conselhos nas diversas áreas da administração pública e o fortalecimento das formas já existentes de organização social, tais como as associações de pais e mestres e de bairro, são outro passo importante. São eles caixas de ressonância de vozes individuais que dificilmente seriam ouvidas sozinhas.

Democracia participativa não é "bolivarianismo", como alguns apregoaram à época da edição da PNPS. A sociedade civil nada mais é do que a somatória de todos os segmentos e setores sociais, ou seja, todos nós.

Uma democracia radical, inclusive, é o antídoto ideal para desarmar a retórica fácil de quem pede democracia, mas se esquece de sentar-se à mesa de discussão. Além disso, impõe o desafio de estar aberto, até a ser convencido, de que suas próprias posições podem estar erradas.

Desde as jornadas de junho de 2013, há em curso no Brasil uma luta por reconhecimento. Milhões de pessoas, a maioria jovens, sem os ranços de vinculação partidária, querem se sentir socialmente úteis. Têm opinião e desejos. Sabem o que querem e o que não querem.

O gestor público que for sensível a isso e engajar essa legião na formulação das políticas públicas poderá inaugurar um ciclo virtuoso de cidadania. Basta tornar a participação uma política de Estado e disseminar uma cultura de diálogo.

A juventude engajada dá uma lição de cidadania. Indispensável ouvi-la. Que tal dar um passo à frente e convidá-la para construir também o país do futuro?

José Renato Nalini – Doutor em direito pela USP, é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)
Wilson Levy – Doutorando em direito pela PUC-SP, é diretor da presidência do TJ-SP


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