19/04/2024 - Edição 540

Especial

Violência tem cura?

Publicado em 16/12/2015 12:00 -

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Quarenta e três pessoas morrem por dia vítimas de violência nas capitais brasileiras, segundo o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O levantamento elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgado em setembro passado mostra que, em 2014, crimes como homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte vitimaram 15.932 pessoas nas 27 capitais. O número é ligeiramente maior (0,8%) do que os 15.804 registrados em 2013.

Fortaleza teve a maior quantidade de assassinatos em 2014, foram 1.989 casos – queda de 1% em relação a 2013, quando o número alcançou 1.993. A cidade também registra a maior taxa de mortes intencionais por 100 mil habitantes – 73,3. Salvador é a segunda capital em números absolutos, foram 1.397 mortes, o que significa uma taxa de 48,1 assassinatos por 100 mil habitantes. Em 2013, a cidade teve 1.485 crimes e taxa de 51,5 por 100 mil habitantes.

Apesar de São Paulo ter o terceiro maior valor absoluto de mortes – 1.360 – a capital paulista tem a menor taxa de crimes – 11,4 por 100 mil habitantes. O número representa uma queda de 4,3% na taxa de assassinatos em relação a 2013, quando foram registradas 1.412 mortes, 11,9 por 100 mil habitantes, o que representa 1.389 assassinatos em números absolutos. No Rio de Janeiro, a taxa ficou em 20,2 por 100 mil habitantes, com 1.305 assassinatos violentos intencionais em 2014.

A segunda maior taxa de assassinatos foi registrada em Maceió (69,5 por 100 mil). O número representa, no entanto, uma queda de 14,5% na taxa de 2013 (81,4 por 100 mil). Em números absolutos, foram registradas 699 assassinatos, em 2014, e 811 em 2013. São Luís apresentou uma taxa muito semelhante de crimes, 69,1 por 100 mil, em 2014, e 61,2 por 100 mil em 2013. Em números absolutos, foram registrados 645 assassinatos em 2014. No ano anterior, a capital maranhense teve 735 mortes intencionais.

O maior crescimento na taxa de assassinatos foi verificado em Campo Grande, ao passar de 13,8, em 2013, para 18,9 por 100 habitantes, em 2014. Em números absolutos, foram 159 casos em 2014 e 115 mortes no ano anterior. A maior redução foi em Boa Vista, onde a taxa caiu 23,3 para 17,5 por 100 mil. Em 2014, foram 55 mortes, enquanto em 2013 foram 72 casos.

No Brasil

Publicado no começo de julho, o mais recente Mapa da Violência mostra que o número de homicídios no Brasil sobe a cada ano. Em 2012, o ano com os dados mais recentes, 56.325 brasileiros foram vítimas de homicídio, o que resulta em uma média de 154 mortes por dia, ou um a cada dez minutos. Em dez anos, o Brasil matou três vezes mais que a guerra no Iraque. De 2003 a 2013, foram quase 560 mil assassinatos.

Os dados indicam que o problema é grande – e está aumentando. Entre 2002 e 2012, os índices de homicídios cresceram em quase todo o país. Em 13 Estados, o aumento foi superior a 40%.

Numa comparação global, o Brasil é o 16º que mais mata, segundo o Relatório Global de Homicídios da ONU lançado no ano passado. Contraditoriamente, é o quarto que mais prende, de acordo com o Centro Internacional de Estudos Prisionais (ICPS, em inglês), da Universidade de Londres.

Renato Sérgio de Lima, doutor em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), diz que os dados são graves. "Não adianta mais tapar o sol com a peneira". "Duvido que alguém vai achar que quase 60 mil mortes por ano seja um número bom e deva continuar como está. Este é um tema que não deve mais esperar: ou nos mobilizamos ou o Brasil vai perder o protagonismo e ver deflagrada uma guerra civil, e é isso que já acontece em algumas cidades", defende Lima.

3,5 Candelárias por dia

O Brasil registrou 10.136 assassinatos de jovens entre 11 anos e 19 anos em 2013, em média 28 mortos por dia, o que equivale a 3,5 chacinas da Candelária perpetradas diariamente, de acordo com o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, autor do estudo Mapa da Violência e coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

A chacina da Candelária ocorreu na noite de 23 de julho de 1993, deixando oito jovens de 11 a 19 anos mortos, em frente à Igreja da Candelária, no centro do Rio. Os autores foram PMs e as vítimas eram moradores de rua que frequentavam as imediações da igreja e dormiam no local.

“Os índices de violência nesta faixa etária [11 a 19 anos] foram crescendo drasticamente ao longo desses anos. Entre 1993 e 2013, praticamente quadruplicaram os níveis de violência. A chacina da Candelária foi a ponta de um iceberg que já existia no Brasil”, disse o sociólogo.

O índice de jovens negros, entre 16 e 17 anos, mortos no ano de 2013, é de 66,3 por 100 mil habitantes. O de jovens brancos, na mesma faixa etária, é de 24,2 por 100 mil.

Quanto à escolaridade, 82% das vítimas de assassinatos no país tinham até sete anos de estudo, o que equivale ao nível fundamental. Na faixa etária de 16 e 17 anos, 93% dos mortos são homens.

Confiabilidade dos dados

Waiselfisz entende que os números podem ser maiores. Segundo ele, a grande dificuldade de se obter dados confiáveis sobre os indicadores criminais reside no fato de não haver padronização na forma de registro. Os governos, muitas vezes, omitem informações.

“Há um problema de que cada estado entende homicídio de uma forma diferente. Para alguns, latrocínio entra. Em outros, se há sequestro com morte, não é registrado. Há muitos encontros de cadáver que aparecem como averiguação”, explica Jacobo. “Não dá para saber se é real [o número]”, pondera.

Para o estudioso, os estados do Nordeste, onde a taxa de homicídios na última década quase duplicou devido a vários fatores, como imigração, tráfico de drogas e desemprego, deveriam seguir o exemplo de São Paulo, onde a taxa de mortes por 100 mil habitantes passou de 38, em 2002, para 15,1, em 2012, segundo o Mapa da Violência. Em 2014, conforme os dados da Secretaria de Segurança Pública, a taxa ficou em 10,3.

PM matou 7 por dia em 2014

Levantamento feito com base nos dados das secretarias da Segurança Pública mostra que ao menos 2.526 pessoas morreram em 2014 somente em ações de policiais militares em serviço em 22 estados do país. Isso significa sete mortos por dia, em média.

Cinco estados concentram os maiores números: São Paulo (695 mortes), Rio de Janeiro (582), Bahia (256), Paraná (178) e Pará (159).

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 1.231 pessoas foram mortas em confronto por PMs em serviço no país em 2013, enquanto que, em 2012, foram 1.457.

Considerando a média por 100 mil habitantes, o Rio de Janeiro lidera em 2014 o ranking de mortes provocadas por PMs em relação à população do estado (3,54 mortes).

Também no ano de 2014, 139 PMs foram mortos no país durante o trabalho. Bahia e Mato Grosso lideram o ranking de policiais mortos, com 31 e 18 casos, respectivamente.

Falta de informações

O procurador Marcelo Godoy, secretário-executivo da câmara do Ministério Público Federal responsável pelo controle da atividade policial, diz que um dos obstáculos para que a sociedade possa monitorar o que acontece nas ruas é a falta de transparência.

“De um modo geral, temos dificuldade e imprecisão em relação aos dados de segurança pública. Em relação às mortes provocadas por policiais, enfrentamos resistência, em alguns casos, ao acesso do MP aos dados. É preciso maior transparência. Também há outro aspecto: pode haver corporativismo", afirma.

O ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM de São Paulo José Vicente também critica a falta de informações. "A maioria dos estados não divulga praticamente nada. Algumas situações são legítimas e necessárias para a defesa do policial. Outras merecem ser investigadas e analisadas com cuidado", diz ele.

“O uso da força letal pelo estado deveria ser apresentado permanentemente. O Brasil precisa assumir que a letalidade policial é um ponto que precisa ser trabalhado pelas polícias”, defende a coordenadora da área de Segurança Pública da ONG Sou da Paz, Carolina Ricardo.

Para tentar entender a questão, o Conselho Nacional do Ministério Público iniciou neste ano um cadastro nacional de ocorrências em que haja mortes provocadas por agentes do estado, sejam PMs, policiais civis, guardas, agentes penitenciários ou policiais federais.

O objetivo é ter detalhes sobre os casos, como os locais onde ocorrem, nomes dos envolvidos e das vítimas, além de potencializar a presença do MP na apuração dos casos.

QUAL A SAÍDA?

Embora não haja um consenso sobre o que se deve fazer para contornar o aumento da violência no país, especialistas concordam em alguns temas, como polícia, recursos e sistema carcerário. Confira os principais problemas e soluções para a questão da violência brasileira.

1. Não basta aumentar a verba para segurança pública, é preciso aplicá-la de maneira estratégica.

Os recursos para a área consomem em média 8,3% do orçamento dos Estados, o que não é pouco, mas ainda não é suficiente.

2. As polícias precisam trabalhar de maneira integrada.

Polícia Civil e Militar precisam dividir informações e operar em conjunto. Alguns especialistas defendem ainda a desmilitarização e a criação de uma polícia unificada. De acordo com André Zanetic, pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da USP, as corporações não dialogam e por vezes desconfiam do trabalho uma da outra.

“O país precisa de uma polícia de ciclo completo, que faça da prevenção à investigação”, afirma. Três propostas de emenda à Constituição (PECs) em tramitação na Câmara e no Senado estabelecem a criação de polícias estaduais únicas.

3. Desenvolvimento econômico sem redução significativa das desigualdades sociais não é suficiente para conter a violência.

A região Nordeste, que registrou aumento do PIB acima da média do Brasil, teve crescimento de 91,5% nos índices de homicídio em dez anos.

De acordo com o sociólogo Luiz Lourenço, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), o dinamismo econômico, se não for aliado à diminuição da desigualdade social, cria mais alvos em potencial. Isso pode aumentar os crimes contra o patrimônio (roubos e furtos) e proporcionar um consumo maior de drogas, atraindo o tráfico. “No Nordeste, existem áreas tão degradadas que, por mais que tenham melhorado, continuam muito ruins”, diz.

4. É preciso melhorar a qualidade dos dados.

Em dezembro do ano passado, foi criado o Sinesp, uma plataforma que reúne informações de todas as unidades federativas e tem como objetivo dar suporte ao planejamento, diagnóstico e avaliação de políticas de segurança.

Apesar de ser um grande avanço, ainda não há padrões nacionais para o modo como os dados são contabilizados. “Não é cada polícia que vai decidir como contar os dados de letalidade policial, por exemplo. É preciso ter estatísticas padronizadas e fazer com que os Estados entendam que elas são ferramentas de planejamento e prestação de contas”, diz Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

5. O sistema penitenciário precisa ser reformado urgentemente.

Em junho de 2013, havia 574 mil presos no país, cerca de 256 mil a mais do que o sistema é capaz de suportar. Do total de presos, 43,8% são provisórios (ainda não foram julgados).

As condições do sistema prisional são degradantes e há poucos programas de ressocialização dos presos. Quase metade da população carcerária (47%) é reincidente, segundo estudo do PNUD.

6. É preciso unificar a política de combate à violência em um plano nacional de combate aos homicídios.

“O ponto zero, prioridade alta, é que exista um plano nacional de combate aos homicídios. Uma sociedade que acha que tudo bem morrerem tantas pessoas em um ano é uma sociedade violenta. Precisamos mudar essa mentalidade”, afirma Ivan Marques, da ONG Sou da Paz.

Em dezembro do ano passado, foi criado o Sinesp, uma plataforma que reúne informações de todas as unidades federativas e tem como objetivo dar suporte ao planejamento, diagnóstico e avaliação de políticas de segurança.

Apesar de ser um grande avanço, ainda não há padrões nacionais para o modo como os dados são contabilizados. “Não é cada polícia que vai decidir como contar os dados de letalidade policial, por exemplo. É preciso ter estatísticas padronizadas e fazer com que os Estados entendam que elas são ferramentas de planejamento e prestação de contas”, diz Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

5. O sistema penitenciário precisa ser reformado urgentemente.

Em junho de 2013, havia 574 mil presos no país, cerca de 256 mil a mais do que o sistema é capaz de suportar. Do total de presos, 43,8% são provisórios (ainda não foram julgados).

As condições do sistema prisional são degradantes e há poucos programas de ressocialização dos presos. Quase metade da população carcerária (47%) é reincidente, segundo estudo do PNUD.

6. É preciso unificar a política de combate à violência em um plano nacional de combate aos homicídios.

“O ponto zero, prioridade alta, é que exista um plano nacional de combate aos homicídios. Uma sociedade que acha que tudo bem morrerem tantas pessoas em um ano é uma sociedade violenta. Precisamos mudar essa mentalidade”, afirma Ivan Marques, da ONG Sou da Paz.


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