25/04/2024 - Edição 540

Especial

Um país desigual

Publicado em 08/12/2015 12:00 -

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A diminuição da desigualdade, uma das principais bandeiras do governo federal, pode não ter sido bem-sucedida. É o que mostra um estudo realizado por três pesquisadores da Universidade de Brasília (UNB). Eles constataram que a concentração de renda permaneceu praticamente estável entre 2006 e 2012, contrariando a queda acentuada divulgada pelo IBGE.

Os pesquisadores Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro concluíram que os coeficientes de Gini, usados para medir a desigualdade foram 0,696 (em 2006), 0,698 (em 2009) e 0,690 (em 2012).

Quanto mais próximo de 1, maior é a concentração de renda. Zero significa que todos os habitantes de uma região ganham a mesma quantia, o que não acontece em nenhum lugar do mundo.

O Brasil ocupa a 141ª colocação no ranking da igualdade feito pelo Banco Mundial, na frente de apenas 13 países. A Suécia aparece como país mais igual do mundo, enquanto África do Sul e Seychelles estão nos últimos lugares.

"Nosso estudo mostrou que a desigualdade é maior no Brasil do que se costumava acreditar. E também que a desigualdade permanece estável de 2006 em diante", diz Medeiros.

Desigualdade segundo estudo da UnB

Pesquisa baseada nos dados do Imposto de Renda mostra queda do índice de Gini, que varia de zero (perfeita igualdade) a um (desigualdade máxima)

Os resultados obtidos pelo trio são bem diferentes dos divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no estudo "A Década Inclusiva", que teve como base os dados coletados pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) de 2001 a 2011, do IBGE.

Para o Ipea, "não há na história brasileira, estatisticamente documentada desde 1960, nada similar à redução da desigualdade de renda observada desde 2001". No período, o Gini teria caído em quase todos os anos até 2011.

A diferença entre os resultados dos dois trabalhos vem da forma como eles usaram os dados referentes à renda. A pesquisa da UnB aplicou uma metodologia que vem ganhando força nos últimos anos, principalmente a partir dos conceitos do economista francês Thomas Piketty.

A renda dos mais ricos é calculada a partir das declarações do Imposto de Renda. Os professores da UnB usaram as Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) dos 10% mais ricos, nos anos de 2006, 2009 e 2012, e combinaram com os dados da Pnad para os outros 90% da população.

Os pesquisadores acreditam que, mesmo usando o imposto, a renda dos mais ricos pode estar subestimada já que os ganhos de pessoa jurídica não são tributados nas declarações do Imposto de Renda da pessoa física.

Já nas pesquisas usadas pelo Ipea, o entrevistado declara a própria renda e muitas vezes não leva em conta rendimentos além dos salários, como aplicações financeiras.

Medeiros explica que os coeficientes de Gini encontrados pelo seu estudo não devem ser comparados aos divulgados pelo IBGE. Enquanto os pesquisadores da UnB usaram renda bruta para os 10% mais ricos, os dados obtidos pela Pnad se referem a renda familiar per capita de apenas uma amostra da população. Outra diferença é que o trabalho dos três pesquisadores acrescentou a parcela da população que não tem rendimentos.

Pobreza Reduzida

Apesar de afirmar que a desigualdade não diminuiu, os pesquisadores da UnB avaliam que as condições dos mais pobres melhoraram. "Não há dúvida de que a renda dos mais pobres aumentou de 2006 a 2012, mas desigualdade e nível de vida são coisas diferentes", diz Medeiros.

Marcio Pochmann, ex-presidente do Ipea, defende que a desigualdade diminuiu porque os mais pobres tiveram um crescimento de renda acelerado no período. "Todos ganharam, uns mais que os outros. Os mais pobres cresceram mais que a média. Eles tiveram empregos melhores, o salário mínimo subiu, tiveram o Bolsa Família", afirma.

Pela pesquisa da UnB, a metade mais pobre da população ficou com apenas 11% do resultado do crescimento entre 2006 e 2012, enquanto o 1% mais rico ficou com 28%.

"Ou seja, cada pessoa da pequena elite formada pelo 1% mais rico da população apropriou-se de uma fração 127 vezes maior do crescimento da renda que as pessoas na metade mais pobre do país", afirma o trabalho.

Organizadora do livro "Trajetórias das Desigualdades", Marta Arretche diz que o estudo de Medeiros, Souza e Castro passa a impressão que não houve avanço na melhora de vida dos mais pobres nas década passada.

"O Gini pode permanecer inalterado, mas não esconde que o Bolsa Família tirou 14 milhões de domicílios da pobreza e que a faixa da população protegida pelo salário mínimo aumentou", explica.

Segundo Arretche, o trabalho da UnB evidenciou as limitações das pesquisas censitárias. "Quando você tem o quadro total e não apenas o dos ricos, você conclui que houve mudanças importantes no Brasil. Ela pode não ser no nível que os cálculos com apenas os dados censitários indicavam, mas houve mudanças", avalia.

Por se tratar de um estudo com uma metodologia nova, ao combinar os dados do Imposto de Renda de parte da população com declarações de renda familiar de uma pesquisa amostral, agora os três pesquisadores da UnB tentam confirmar os achados.

"Estamos confirmando com uma série de outras metodologias os resultados. Até agora tudo indica que estamos certos", diz Medeiros.

Classe Alta na Favela

No Brasil, 7% dos moradores das favelas em 2014 pertencem à classe alta. É o que encontrou uma pesquisa de março do Data Favela, o primeiro instituto especializado nas favelas brasileiras.

Os resultados retratam um país em que, segundo a Pnad de 2013, 52% da população em idade ativa recebia no máximo dois salários mínimos (R$ 1.576). Outros 22% não tinham rendimentos. Apenas cerca de 2% da população ganhava mais que dez salários mínimos (R$ 7.880).

Para fazer parte da classe alta, que engloba as classes A e B, era necessário que a renda familiar per capita estivesse acima de R$ 1.184 em maio de 2014. O levantamento, feito com apoio do Instituto Data Popular e da Central Única das Favelas (Cufa), pesquisou 63 comunidades em nove Estados e no Distrito Federal.

Condição de vida melhora, mas brasileiro dificilmente sobe de classe

Apesar da modernização da economia brasileira nas últimas décadas, a ascensão social no país ainda é rara. A melhora no nível de renda e na escolaridade não é suficiente para promover a pessoa para um estrato mais alto que a da geração anterior. "O filho de um agricultor trabalha numa loja. Ele ganha melhor, mas a posição dele na pirâmide social tende a ser muito parecida com a do pai. A probabilidade de a pessoa vir dos níveis baixos para os mais altos é muito pequena", diz o economista Francisco Ferreira, do Banco Mundial.

A renda, a escolaridade e a ocupação de muitos brasileiros são melhores em relação à geração anterior. As posições relativas na distribuição de renda, entretanto, não são muito distantes entre as gerações.

Em pesquisa do Banco Mundial de 2013, o Brasil aparece como um dos países onde há menos oportunidades econômicas, isto é, menos chance de modificar sua posição social em relação ao resto da população. No Brasil, a desigualdade de oportunidades é 16 vezes maior do que na Noruega.

Os dois fatores mais determinantes na possibilidade de ascensão social são a condição socioeconômica da família de origem e a escolaridade. O sociólogo Carlos Ribeiro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ressalta que a qualidade das escolas é muito heterogênea. "Geralmente as famílias com mais recursos colocam os filhos em escolas de mais qualidade", diz.

Viver em ambiente urbano também ajuda a ascender. A cor da pele influencia, mas nos degraus mais altos da pirâmide social. "Não há diferenças consideráveis entre as probabilidades de um branco e um negro saírem da pobreza, mas os negros levam desvantagem para se inserir nos estratos mais altos", diz Ribeiro.

De volta à pobreza

O economista Francisco Ferreira alerta para o risco de que as pessoas que saíram da pobreza no Brasil nos últimos anos voltem à condição anterior devido à crise econômica. Ele atribui a situação de vulnerabilidade de um grande número de brasileiros à maneira como se deu o crescimento no país, sobretudo a partir dos anos 2000.

Segundo um estudo do Banco Mundial de 2013, houve aumento do consumo, mas as pessoas não atingiram uma situação estável, já que em geral não adquiriram propriedades, como imóveis. Márcio Pochmann, professor de economia da Unicamp e presidente da Fundação Perseu Abramo -ligada ao PT-, tem opinião semelhante e afirma que é um equívoco descrever como "nova classe média" (ou "nova classe C") o contingente de trabalhadores que experimentou melhoria nas condições de vida nos anos recentes.

Em seu livro "Nova Classe Média?", Pochmann afirma que "o grosso da população emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam ser claramente identificados como classe média". Segundo ele, trata-se, na realidade, de uma classe trabalhadora com melhor padrão de vida, mas ainda em situação precária por não conseguir poupar.

De acordo com Francisco Ferreira, para que as políticas de crescimento econômico no Brasil sejam mais eficazes, elas devem promover maior mobilidade social: "é necessário ser uma economia mais inclusiva, que ofereça mais oportunidades para que as pessoas participem e contribuam para esse desenvolvimento".


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