24/04/2024 - Edição 540

Especial

Um mundo cinza

Publicado em 02/12/2015 12:00 -

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Há 8 mil anos, o Brasil possuía 9,8% das florestas mundiais. Hoje, o país detém 28,3%. Dos 64 milhões de km2 de florestas existentes antes da expansão demográfica e tecnológica dos humanos, restam menos de 15,5 milhões, cerca de 24%. Mais de 75% das florestas primárias já desapareceram. Com exceção de parte das Américas, todos continentes desmataram, e muito, conforme mostra este estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite sobre a evolução das florestas mundiais.

A taxa de desmatamentos no mundo caiu mais de 50% nos últimos 25 anos, diz o estudo Global Forest Resources Assessment 2015 (Avaliação de Recursos Florestais Globais 2015, em tradução livre), da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Segundo o relatório, a taxa anual de perda florestal era de 0,18% no início dos anos 90 e nos últimos cinco anos essa taxa diminuiu para 0,08%.

“Ao longo dos últimos 25 anos as florestas do mundo têm mudado das mais diversas e dinâmicas formas. Países têm um maior conhecimento dos seus recursos florestais e, como resultado, temos um quadro melhor da mudança das florestas globais”, diz um trecho do estudo.

Estes números, no entanto, não atenuam as perdas florestais, que ainda ocorrem em níveis muito altos. De acordo com o relatório cerca de 129 milhões de hectares de floresta – uma área quase equivalente em tamanho à África do Sul – se perdeu desde 1990, apesar da desaceleração no desmatamento.

“Florestas têm um papel fundamental no combate à pobreza rural, garantindo segurança alimentar e proporcionando meios de subsistência. E prestam serviços ambientais vitais, como ar e água limpos, conservação da biodiversidade e combatendo as mudanças climáticas”, disse o diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva.

Para ele, é necessário um trabalho maior na preservação das florestas. “A mudança de direção é positiva, mas precisamos fazer mais. Não teremos sucesso em reduzir o impacto das mudanças climáticas e promover desenvolvimento sustentável se nós não preservarmos nossas florestas e usarmos sustentavelmente os muitos recursos que elas nos oferecem”.

O relatório mostra ainda que África e América do Sul tiveram as maiores perdas anuais de florestas entre 2010 e 2015, com uma taxa de desmatamento de 2,8%, equivalente a dois milhões de hectares. Mas o relatório também apontou que a taxa de perda tem “caído substancialmente” em relação a anos anteriores a esse período.

Sem Reposição

Um estudo da Universidade de Yale, publicado pela revista científica Nature, calcula que o número de árvores no mundo passa de três trilhões. Isso significa que há 420 árvores para cada habitante do planeta. Trata-se de um total que supera em oito vezes a medição anterior, de 400 bilhões de espécimes.

A nova contagem foi coordenada pela equipe de Thomas Crowther, usando desde análises topográficas a análises de fotos de satélite. Este cálculo mais "refinado" servirá de base para uma gama de pesquisas, estudos sobre biodiversidade a modelos de mudanças climáticas – isso porque árvores têm papel fundamental na remoção do dióxido de carbono da atmosfera.

"Não se trata de boas ou má notícias que chegamos a esse número. Estamos simplesmente descrevendo o estado do sistema global florestal em números que as pessoas entendam e que cientistas e responsáveis por políticas ambientais possam usar".

Apesar do uso de alta tecnologia, um ponto crucial do estudo de Yale foi o uso de medições locais. O time de Crowther coletou dados sobre densidade arbórea em mais de 400 mil áreas florestais ao redor do mundo. Isso ajudou a compensar as limitações das análises por satélite, cujas fotos são boas para mostrar as extensões de florestas, mas que não são muito úteis para revelar números individuais de espécimes.

Dos três trilhões de árvores do mundo, os cientistas estimam que 1,39 trilhão esteja em regiões tropicais, como a Amazônia, ou subtropicais. Cerca de 0,61 trilhão estariam em locais de clima temperado e 0,74 trilhão nas florestas boreais – os imensos grupos de coníferas que circulam o globo logo abaixo do Polo Norte.

E é justamente nessas regiões em que foram encontradas as maiores densidades florestais.

Efeito “homem”

Mas o que ficou evidente durante o estudo foi a dimensão da influência humana sobre o número de árvores no planeta. A equipe de Yale estima que, enquanto 15 bilhões de árvores são removidas por ano, apenas cinco bilhões são plantadas.

“Estamos falando de 0,3% de perda global anual", explica um dos coautores do estudo, Henry Glick.

"Não é uma quantia insignificante e deveria levar a uma reflexão sobre o papel do desflorestamento nas mudanças em ecossistemas. Sem falar que essas perdas de árvores estão ligadas à exploração madeireira e à atividade agrícola. Com o crescimento da população mundial poderemos ver essas perdas aumentarem".

Glick exemplifica essa ameaça com a estimativa de que, desde a última Era do Gelo, há 11 mil anos, o homem pode ter removido mais de três trilhões de árvores. "A Europa antigamente era coberta por uma floresta gigante e agora é praticamente campos e pastos. O homem controla as densidades arbóreas", afirma Thomas Crowther.

Um Israel a cada 4 anos

Números oficiais do Governo Federal garantem que o Brasil reduziu a extração ilegal de madeira, adotou uma política ambiental severa e um sistema de alto nível para controlar esta política. No entanto, o país ainda desmata uma área similar ao território de Israel a cada quatro anos.

Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) analisou o desempenho das políticas de proteção ambiental no Brasil, apontando que, apesar de melhorias visíveis, o país ainda tem a maior perda de área florestal do mundo: 4.800 quilômetros quadrados, de acordo com dados de 2014.

Uma das principais falhas de seu vasto programa ambiental é, para a OCDE, a longa brecha entre a legislação adotada e sua implementação de fato. "O crescimento econômico e urbano, a expansão agrícola e de infraestrutura também aumentaram o consumo de energia, o uso de recursos naturais e as pressões ambientais", aponta o relatório.

"Apesar da severa legislação ambiental, ainda há muitas lacunas na sua execução e cumprimento. No atual cenário de uma economia encolhendo, uma melhor integração dos objetivos ambientais e das políticas econômicas e setoriais ajudaria o Brasil a avançar no sentido de um desenvolvimento mais verde e mais sustentável", acrescenta o texto.

Menos árvores, mais pasto e soja

O Brasil perdeu 1,8% de suas florestas entre 2010 e 2012, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2010, o país tinha 3,26 milhões de quilômetros quadrados (km²) de vegetação florestal, enquanto em 2012, essa área caiu para 3,2 milhões de km², uma perda de quase 60 mil km² em apenas dois anos.

Nesses dois anos, houve a reposição de 204 km² de florestas, mas o desmatamento foi quase 300 vezes maior: 59,4 mil km². A perda da vegetação florestal deveu-se principalmente à expansão agrícola, que respondeu por 68% da redução das florestas no país. A expansão da pastagem plantada respondeu por outros 28% e a silvicultura por apenas 4%.

Segundo a pesquisa Mudanças na Cobertura e Uso da Terra do IBGE, no entanto, a principal perda de vegetação natural ocorreu nas pastagens naturais, que são áreas de vegetação campestre natural sujeitas a atividade pastoril de baixa intensidade e que perderam 7,8% de sua superfície nesse período.

A expansão agrícola também foi responsável por 65% do recuo das pastagens naturais. Outros 35% de perda foram provocados pela expansão da pastagem plantada.

As áreas de vegetação campestre alagada, como charcos e pântanos, reduziram-se em 5,9%, enquanto as de vegetação campestre, como savanas, perderam 2,7% de sua superfície.

Ao mesmo tempo, as áreas artificiais, que incluem áreas urbanas, cresceram 2,5%, as áreas agrícolas aumentaram em 8,6% e as pastagens plantadas avançaram 11,1%. A silvicultura teve crescimento de 4,6% nesses dois anos.

Desmatamento aumentou 16% na Amazônia

Entre 1976 e 2010, cerca de 15% da Floresta Amazônica brasileira foi desmatada. Isso representa 750 mil km2, o equivalente aos territórios de Portugal, Itália e Alemanha somados. Mas, entre 2001 e 2012, a taxa anual de desmatamento caiu 40% (de 37,8 mil km2 para 22,9 mil km2) no Brasil como um todo. A redução foi ainda maior, de 70%, na Amazônia brasileira.

Agora, o desmatamento anual por corte raso na Amazônia brasileira voltou a crescer. Contando os 5.813 km2 de floresta derrubada entre 2014 e 2015, que correspondem a um aumento de 16% em relação ao período 2013 a 2014, a área total da vegetação nativa já completamente eliminada chegou a 770.038 km2, pouco maior que a da Bahia e quase a metade da do Amazonas.

Na verdade, a devastação é ainda maior, pois os dados anunciados se referem somente às áreas de corte raso, ou seja, que foram totalmente desmatadas. Esses números não incluem áreas muito degradadas pela extração seletiva de madeira e também por incêndios ocorridos anteriormente.

Produzidos pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os dados relativos ao período de agosto de 2014 a julho de 2015 foram divulgados no último dia 27 pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).

A divulgação pelo governo federal tentou de forma equivocada minimizar o aumento da devastação, enfatizando um aspecto positivo, que na verdade é imaginário. Logo em seu início, a nota “Desmatamento registra terceira menor taxa”, divulgada pelo MMA afirmou: “Apesar do acréscimo de 16% registrado de julho de 2014 a agosto de 2015, as taxas de desmatamento da Amazônia se mantiveram dentro da barreira dos 5 mil km2.”

Além de essa afirmação ser enganosa porque a barreira dos 5 mil km2 já foi ultrapassada desde o período anterior — na verdade, a atual está muito próxima dos 6 mil km2—, ela está errada também por confundir os meses que definem os períodos anuais de referência, que começam em agosto e terminam em julho do ano seguinte.

Más notícias

Mantendo a liderança dos anos anteriores, os Estados campeões do desmatamento em 2014-2015 foram Pará (1.881 km2) e Mato Grosso (1.508 km2). Mas a surpresa negativa ficou para o placar da modalidade da variação em relação às taxas anuais anteriores, na qual o vencedor foi o Amazonas, com aumento de 54%. A “medalha de prata” desse avanço na devastação foi Rondônia (41%) e a de bronze, para Mato Grosso (40%).

Ao comentar esses números, a ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, afirmou: “É incompreensível, pois esses Estados receberam R$ 220 milhões do governo federal para modernizar seus sistemas de licenciamento e fiscalização e agora apresentam esse resultado. (…) Temos que ver o aconteceu. (…) Está ocorrendo uma mudança no perfil das áreas desmatadas: Antes havia um desmatamento pulverizado. Mas agora estão desmatando em grandes áreas.”

De acordo com a nota do MMA, o mapa do desmatamento nesses Estados mostra também um aumento da devastação no entorno de áreas protegidas, principalmente terras indígenas. “É indício de esquentamento de madeira”, avaliou a ministra referindo-se ao procedimento ilegal de desmatar além do que foi autorizado ilegal, que é comum em propriedades no entorno de unidades de conservação e áreas indígenas.

Alerta

O fato de terem ocorrido esses aumentos das taxas anuais de corte raso nesses três Estados, e justamente em grandes áreas contínuas pode indicar um problema ainda maior, que é o de o CAR (Cadastro Ambiental Rural) não estar produzindo os efeitos previstos desde sua instituição por meio da lei que alterou e esquartejou o Código Florestal em 2012.

Por falar nisso, que tal acabarmos com essa história de chamar de “código florestal” essa lei completamente desprovida de referenciais científicos e legais de proteção ambiental? Chega, não?

Árvores ameaçadas

Cerca de metade das 15.000 espécies de árvores na Amazônia está ameaçada pelo desmatamento, de acordo com um estudo internacional publicada pela “Science Advances".

"Pelo menos 36% e até 57% de todas as espécies de árvores na Amazônia podem ser classificadas como ameaçadas", relata o estudo. Se o cenário continuar no ritmo atual, cerca de 40% da selva original amazônica estará destruída até 2050, advertem os especialistas. Eles acrescentam, porém, que, se forem tomadas estritas medidas de conservação, esse número pode cair pela metade.

A boa notícia é que importantes populações de árvores em perigo estão nas zonas protegidas da região amazônica. De acordo com os pesquisadores, é chave manter uma vigilância constante de espécies valiosas, como a castanha-do-pará – 63% dos quais podem se perder até 2050 –, caso se queira preservar a capacidade de absorção de dióxido de carbono dessa região.

Se este panorama não mudar, o cacau pode recuar em 50% em 35 anos, e a palma de açaí, em 75%, completou o estudo, que contou com pesquisadores de 21 países.

"Ou defendemos e protegemos esses importantes parques e reservas indígenas, ou o desmatamento vai evoluir até que vejamos extinções em larga escala", disse o principal autor do estudo, Hans ter Steege, do Centro de Biodiversidade Natural da Holanda.

O que estamos fazendo?

Poucos dias antes do início da 21ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontece em Paris até o dia 11, o governo brasileiro instituiu uma comissão nacional para tratar da redução de gases de efeito estufa relacionada ao desmatamento.

Para o Governo, isso é possível por meio de incentivos do mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, que inclui também a conservação (REDD+), regulamentado pela ONU para compensar países que mantém suas florestas.

Na prática, o instrumento permite compensar financeiramente países em desenvolvimento pelas emissões evitadas com o combate ao desmatamento e à degradação e pela ampliação de suas florestas.

A comissão será a responsável por coordenar, acompanhar e monitorar a implementação da Estratégia Nacional para REDD+, que será estabelecida por ato da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.

O documento norteará as medidas brasileiras para o assunto. O grupo vai definir as regras e critérios para o acesso a pagamentos por resultados de políticas e ações de REDD+ no Brasil, com instruções sobre quem poderá receber e como os recursos do mecanismo poderão ser aplicados.

Em Paris

A principal estratégia do Brasil para diminuir sua emissão de gases de efeito estufa é a redução do desmatamento. O plano que o Brasil apresentou na Conferência, em Paris, inclui as metas de cortar emissões de gás causadores do efeito estufa em 43% até 2030 – na comparação com 2005 – e zerar o desmatamento na Amazônia até 2030.

A entidade de defesa do meio ambiente Greenpeace vê as notícias do aumento do desmatamento no país como um fator que pode por em dúvida as propostas que o governo brasileiro leva para a reunião.

"O aumento do desmatamento impacta a imagem do país, porque toda nossa estratégia de redução de emissões e propostas para as metas de 2030 estão baseadas na diminuição da derrubada de florestas. O Brasil vem dizendo que isso está sob controle e que tem cada vez mais mecanismos para gerenciar e diminuir o desmatamento. Então, este aumento atinge em cheio o coração da proposta brasileira", afirma Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace no Brasil.

O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse, no entanto, que os novos dados sobre desmatamento não afetam o discurso do país na Cop. "Os dados globais são muito favoráveis para o Brasil. Isso não afeta", afirmou.

Carlos Eduardo Young, pesquisador sobre biodiversidade e recursos naturais e culturais do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT), também não vê ameaça à posição do Brasil da conferência pelos avanços do país no desmatamento no médio prazo.

"Não acho que o aumento no último do desmatamento fragiliza o Brasil na COP21, porque, se olharmos a curva ao longo do tempo, tivemos uma forte tendência de queda entre 2005 e 2010 e, agora, está estabilizada e não retornou ao patamares anteriores, o que significa que ao menos estancamos o problema”.

Para Astrini, o aumento do desmatamento – assim como outros desastres ambientais recentes, como a queimada na Chapada Diamantina e o rompimento de barragens em Mariana (MG) – mancham a imagem do país, apesar de não comprometê-la.

"É inegável o avanço que o país teve nos últimos 20 anos ao criar um sistema de monitoramento da Amazônia legal, que permitiu atingirmos o patamar de hoje. O que precisamos fazer é expandir isso para outros biomas, como o cerrado, onde hoje o desmatamento é mais intenso que na Amazônia."


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