26/04/2024 - Edição 540

Especial

O país dos endividados

Publicado em 13/03/2014 12:00 -

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O Brasil tem cerca de 52 milhões de consumidores que deixaram de pagar pelo menos uma dívida, nos últimos cinco anos, segundo estimativa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil).

Segundo a pesquisa, o número de consumidores inadimplentes (somente na base de dados da empresa) subiu 5,54% em fevereiro deste ano, comparado com igual período de 2013.  Esses dados são referentes a contas atrasadas de água, luz, gás e dívidas com os bancos e com o comércio.

Os dados também indicam que o número de dívidas registradas na base de dados da empresa cresceu 3,02% em fevereiro, na comparação com igual mês de 2013. Essa é a terceira maior taxa registrada nos últimos 12 meses. Em relação a janeiro, o crescimento ficou em 0,80%.

No caso de dívidas vencidas com menos de 90 dias, houve expansão de 8,37%, na comparação entre fevereiro e janeiro deste ano. De acordo com a economista do SPC Brasil Luíza Rodrigues, esse crescimento indica a entrada de mais inadimplentes registrados na base de dados e com apenas uma dívida. Esse resultado levou à redução do número médio de dívidas em atraso por inadimplente, que ficou em 2,044, em fevereiro, o menor resultado registrado na série histórica, iniciada em janeiro de 2010. Em janeiro deste ano, a média estava em 2,067.

Voltando a dever

Um estudo feito pela Serasa Experian mostrou que 36,6% dos consumidores que estavam inadimplentes, mas regularizaram suas pendências no final de 2012, voltaram a ter dividas em 2013. De acordo com a pesquisa, apesar de existir, a reincidência é a menor dos últimos três anos, já que, em 2012, esse índice chegou a 38,9% e, em 2011, foi de 39,4%.

Para o presidente da Serasa Experian, Ricardo Loureiro, os dois principais aspectos que influenciam no nível de inadimplência em qualquer situação avaliada são o cenário econômico e o comportamento do indivíduo. “A questão econômica atualmente não justifica a inadimplência porque temos pleno emprego, as pessoas estão trabalhando e a renda crescendo. Claro que, fortuitamente, alguém perde o emprego, tem uma doença na família, mas a maior parcela neste momento vem do descontrole. Daquelas pessoas que, em um passado recente, deram um passo maior que a perna e não conseguiram regularizar a situação”, explicou.

Loureiro disse que o estímulo ao consumo não é um problema, mas a reação a esse incentivo, sim. Segundo ele, o estímulo é importante e tem que haver consumo para a produção existir. “Mas é preciso ser feito um uso adequado disso, com educação financeira e o cadastro positivo que, em conjunto com o comportamento, é uma ferramenta prática que dá condição para que os próximos créditos sejam concedidos para quem tem condição de pagá-los. Senão, joga-se essa pessoa na sarjeta”, acrescentou Loureiro.

36,6% dos consumidores que estavam inadimplentes, mas regularizaram suas pendências no final de 2012, voltaram a ter dividas em 2013.

Conforme os dados da pesquisa, dos 36,6% consumidores que voltaram à inadimplência, 27,1% tinham mais de cinco dívidas, contra os 29,4% do ano anterior. Aqueles com cinco a nove dívidas em 2013 eram 18,4% ante os 19,4% do ano anterior. Os que tinham de dez a 14 dívidas diferentes eram 5,4% em 2013 contra 6,1% em 2012. Quanto aos inadimplentes com apenas uma dívida, a pesquisa mostra que em 2013 essa taxa chegou a 33,6% ante os 32,7% de 2012.

O estudo também indicou que, mesmo com o aumento da inadimplência, no ano passado, 17,6 milhões de consumidores quitaram suas dívidas e regularizaram seu nome, o que representa um aumento de 2,17% na comparação com 2012, quando 17,3% limparam seu nome (1,88% a mais do que no ano anterior).

Para ajudar o consumidor a evitar a inadimplência e a reincidência, a Serasa Experian lançou um guia online e gratuito de orientação. Loureiro informou que esse guia contém planilhas simplificadas para fazer o controle orçamentário, dicas de como poupar e calculadoras que mostram o que sobra no final do mês de forma simplificada. “O guia ajuda a criar o hábito de considerar as datas importantes do mês nos quais os principais pagamentos deverão ser feitos. A ideia é fazer com que esse assunto esteja à disposição dos consumidores”, disse o presidente da Serasa.

Falta de Controle

Oito em cada dez brasileiros não sabem controlar suas despesas, segundo outro levantamento realizado pelo SPC Brasil e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).

Ao todo, foram consultados 656 consumidores de todas as capitais brasileiras. Desse total, 81% disseram que têm pouco ou nenhum conhecimento sobre como fazer o controle das finanças pessoais.

Quando perguntados sobre o conhecimento exato de seus gastos, considerando receitas (como salário, aluguel etc.) e despesas (como contas, impostos etc.), apenas 18% dos consumidores disseram ter noção exata dos valores.

Já uma parcela de 71% afirmou que tem conhecimento parcial das cifras, enquanto 10% não sabem ou têm baixa noção sobre as entradas e saídas de seu orçamento pessoal. O 1% restante se refere às pessoas que não quiseram responder.

Oito em cada dez brasileiros não sabem controlar suas despesas, segundo levantamento DO SPC Brasil e da CNDL.

"É uma questão de hábito. Mais dinheiro no bolso nem sempre significa melhor comportamento financeiro, incluindo pagamento de contas, uso do crédito e hábito de compras", diz Luiza Rodrigues.

Entre os consumidores com renda familiar de até R$ 1.330 mensais, 16% disseram ter pleno conhecimento de seus gastos e rendimentos. O percentual entre aqueles com renda familiar entre R$ 1.331 e R$ 3.140 mensais foi de 15%.

Já 23% dos consumidores com ganho familiar acima de R$ 3.141 mensais sabem exatamente como estão suas finanças, segundo o estudo.

Hábitos Ruins

Alguns hábitos ruins dos brasileiros colaboram, segundo Luiza, para o resultado da pesquisa. Uma fatia de 28% dos entrevistados afirmou que controla seu orçamento com contas feitas "de cabeça", sem colocar nos números no papel ou planilha eletrônica.

"Não importa a ferramenta, mas, sim, que o método seja organizado", diz a economista. "Algumas pessoas têm facilidade com planilhas ou aplicativos, outras não. O fundamental é sempre registrar tudo o que se ganha e o que se gasta. E jamais confiar na memória, pois ela falha", acrescenta.

Cerca de 36% dos consultados admitiram não saber o valor exato das contas que terá que pagar no mês seguinte, o que dificulta o controle financeiro.

Cerca de 36% dos consultados admitiram não saber o valor exato das contas que terá que pagar no mês seguinte, o que dificulta o controle financeiro. O estudo mostrou ainda que 36% dos consumidores deixaram de pagar ou pagaram com atraso alguma conta nos últimos 12 meses.

O cheque especial continua sendo um dos vilões para as finanças pessoais dos brasileiros. 38% dos consultados disseram que usaram este recurso nos últimos 12 meses, sendo que 30%, mais de duas vezes.

"Cheque especial e cartão de crédito são as modalidades que cobram os juros mais altos do mercado. O atraso no pagamento dessas contas tem consequências perigosas para o consumidor", completa Luiza.

Ansiedade e dinheiro

Uma pesquisa feita por entidades de defesa do consumidor em cinco países aponta que os brasileiros apresentam mais sintomas de doenças decorrentes de problemas financeiros do que os europeus que enfrentam aguda crise econômica. Além disso, segundo o estudo, um em cada três brasileiros endividados têm problemas de ansiedade, além de falta de sono e dores de cabeça.

O levantamento mostra que em situação financeira desfavorável no Brasil são consumidos mais ansiolíticos e antidepressivos.

No Brasil, a saúde das pessoas é mais afetada do que a dos belgas, italianos, portugueses e espanhóis que têm dificuldades financeiras. Entre os brasileiros que estão endividados, 32% têm ansiedade; 24% problemas para dormir; 24% sentem irritabilidade e 17% dor de cabeça.

O levantamento mostra que em situação financeira desfavorável no Brasil são consumidos mais ansiolíticos e antidepressivos (30%) do que nos países europeus pesquisados – o percentual só é maior em Portugal (33%). A incidência do uso desses medicamentos ficou em 29% na Espanha, 18% na Itália e 17% na Bélgica.

O estudo também aponta que a confiança nas entidades de defesa do consumidor se mantém elevada nas situações de crise financeira e endividamento. O Brasil lidera esse quesito, com 69,7%, seguido de Portugal com 67,8%.

Jovens

Outro estudo, feito pela Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, constatou que o fato de ter dívidas está relacionado com o aumento da pressão arterial, especialmente entre jovens.

Jovens devedores também relatam ter uma percepção pior sobre seu próprio estado geral de saúde, além de apresentarem maior risco de estresse e depressão. Os resultados, publicados na revista “Social Science & Medicine”, demonstram que as dívidas podem ser um fator socioeconômico determinante para a saúde.

Foram avaliados dados referentes a 8.400 jovens adultos com idades entre 24 e 32 anos que participaram do Estudo Nacional Longitudinal de Saúde Adolescente. Os autores afirmam que pesquisas anteriores já haviam constatado o impacto psicológico das dívidas, mas nenhuma avaliara o impacto na saúde física do endividado.

Jovens devedores também relatam ter uma percepção pior sobre seu próprio estado geral de saúde, além de apresentarem maior risco de estresse e depressão.

“Vivemos em uma economia alimentada pela dívida”, diz a pesquisadora Elizabeth Sweet, principal autora do estudo. “Desde os anos 1980, as dívidas das famílias americanas triplicaram. É importante entender as consequências para a saúde associadas com a dívida.”

A pesquisa concluiu que aqueles que relatavam ter dívidas maiores tinham um aumento médio significativo da pressão arterial diastólica. Os mais endividados também apresentaram um nível de estresse 11,7% maior do que a média. Sintomas depressivos apareceram com uma frequência 13,2% maior nesse grupo.

“Não necessariamente se esperaria ver associações entre dívida e saúde física em pessoas que são tão jovens”, diz Elizabeth. “Precisamos estar atentos a essa associação e entendê-la melhor. Nosso estudo é apenas uma primeira pista de como a dívida pode impactar a saúde.”

Saída é a disciplina

O grau de disciplina e comprometimento com atividades simples do dia a dia pode dizer muito sobre a relação das pessoas com o próprio dinheiro. De acordo com a pesquisa sobre Educação Financeira no Brasil, também do (SPC Brasil), pessoas indisciplinadas, com hábitos “como o de estudar na véspera de provas, chegar atrasado em compromissos ou ser relapso no trabalho”, têm menos controle financeiro.

A pesquisa estabeleceu três perfis distintos de consumidores. Cerca de 24% dos entrevistados  foram considerados organizados. São as pessoas que estudam ou estudavam diariamente, planejam todas as tarefas diárias, sempre chegam no horário estabelecido e seguem suas metas. No segundo perfil (62%) estão as que tentam ser organizadas, ou seja, estudam ou estudavam ocasionalmente, procuram se planejar, às vezes se atrasam e estabelecem metas, mas perdem a motivação com o passar do tempo.

Por último, estão os desorganizados (14%), que estudam ou estudavam somente na véspera da prova ou não estudam ou estudavam hora alguma, se atrasam muitas vezes, às vezes estabelecem metas, mas raramente conseguem atingi-las e, ainda, não costumam se planejar nunca.

As causas do descontrole financeiro não estão relacionadas à classe social ou ao grau de escolaridade do consumidor, mas ao comportamento de cada um.

De acordo com a pesquisa, o percentual de entrevistados desorganizados que já entrou alguma vez no cheque especial é mais do que o dobro em relação à parcela de consumidores organizados. Para o SPC, isso mostra que, ao contrário do que diz o senso comum, as causas do descontrole financeiro não estão relacionadas à classe social ou ao grau de escolaridade do consumidor, mas ao comportamento de cada um.

O estudo indica ainda que foram detectadas diferenças comportamentais nos três perfis quanto à gestão das despesas de casa. Cerca de 64% dos organizados dizem que pagam todas as contas ao final do mês e que ainda conseguem poupar parte do salário. Entre os que tentam ser organizados, 45% dizem que conseguem quitar as dívidas. Entre os desorganizados, o percentual chega a 39%, segundo o SPC.

As situações de emergência, como perda de emprego ou problema de saúde, são enfrentadas de melhor forma entre os que se mostraram organizados. Metade dos entrevistados desse perfil teriam como recorrer à poupança ou a outro tipo de aplicação para sair do sufoco. O percentual entre os que tentam ser organizados e recorrem a esse tipo de reserva é de 41% e cai para 36% entre os desorganizados.


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