28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O Dia das Bruxas involuntário

Publicado em 30/10/2015 12:00 - Rodrigo Amém

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A gente evoluiu procurando sentido e compreensão dos fenômenos da vida. A morte era uma certeza quando todo resto era dúvida. Não dá para saber o que há dentro da caverna escura? Pode ser um urso. Melhor não entrar. Assim, a imaginação dos nossos antepassados forjou o medo do desconhecido.

Há quem diga que a religião em si é outro subproduto da nossa luta contra o pavor do desconhecido. Com algumas honrosas exceções, toda cultura desenvolveu pelo menos uma data de celebração ao medo. É o dia em que nos lembramos da importância deste mecanismo ancestral de proteção. Os contos do vovô que explicavam o inexplicável. Os livros, os filmes, as lendas.

Essas celebrações geralmente exploram uma dicotomia. O dia dos mortos vem antes do dia dos santos. Morte e ressurreição. Viva a volta à vida. Mas primeiro, prestamos respeito ao poder e necessidade da morte e do desconhecido. Páscoa, claro. Mas primeiro, crucificação, sangue, violência e morte.

O dia das bruxas é isso. Um momento de lembrar, viver e purgar medos, inseguranças e incertezas. Esse é o significado da bruxa. O ser mágico que exerce controle sobre o que nos é desconhecido. Não, não é uma invenção americana, mas reconheço a predominância da linguagem. Assim como do natal nevado sobre os presentes trazidos pelo "velho do rio", ou seja lá qual for a versão brasileira de Papai Noel.

Minha cultura global não é melhor que a de ninguém, mas é a minha. E é só isso que ela precisa ser.

Eu me divirto com o Halloween, sem culpas. Não acho que, necessariamente, o CEP da maternidade onde eu nasci deva exercer algum papel determinante na minha identidade cultural. Eu experimento, avalio e incorporo – ou não – os elementos culturais por suas qualidades em si, não por sua proveniência. Essa liberdade, que é constitucional, me proporciona uma playlist onde pipocam faixas de Almir Sater, Jevin Johansen e Kraftwerk. E o uso da palavra "playlist". Minha cultura global não é melhor que a de ninguém, mas é a minha. E é só isso que ela precisa ser.

Mas os defensores radicais do patriotismo continuam gritando: "Dia do saci! Pare de pagar pau para os gringos! Viva o folclore brasileiro" sem saber que a palavra "gringo" é uma gíria de origem mexicana, ou que folclore vem do inglês Folk (povo) e Lore (conhecimento). Ou que a ideia de uma cultura estanque, sem influências exteriores, é a definição de uma cultura morta.

 Os patriotas celebram seu xenofobismo cultural. Sua aversão ao que vem de fora. Porque é isso que eles temem. Numa reviravolta digna dos maiores clichês do cinema hollywoodiano, os patriotas não protestam contra o Halloween. Eles celebram um halloween involuntário, onde os fantasmas e monstros vêm das terras frias do norte para bater em sua muralha de intolerância. Uma batalha sem sentido, mas com trégua marcada a cada nova temporada de The Walking Dead e Game of Thrones.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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