23/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Os fascistas saíram da toca

Publicado em 28/10/2015 12:00 -

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Raphael Tsavkko Garcia é jornalista, doutorando em Direitos Humanos (Universidad de Deusto), graduado em Relações Internacionais (PUCSP) e mestre em Comunicação (Cásper Líbero). Membro do coletivo de direitos humanos Global Voices Online é, também, uma das muitas vozes da esquerda que ecoam o estranhamento do campo frente aos rumos que o PT traçou nos últimos 30 anos. “Enquanto o PT não for denunciado como inimigo, deixado de lado para que a esquerda possa se reorganizar e levantar suas bandeiras, teremos apenas este deserto. Não faz sentido para a esquerda seguir apoiando um governo e um partido de direita”, afirma. Confira a entrevista.
 

Episódios de agressão verbal – e até física – contra governistas e petistas têm ocorrido com mais assiduidade. A agressão contra o senador Eduardo Suplicy e o prefeito de São Paulo, Eduardo Haddad, durante um evento na livraria Cultura em São Paulo, na semana passada, foi um exemplo desta tendência. O que está ocorrendo?

Pode-se dizer que os fascistas saíram da toca. Eles sempre existiram, sempre estiveram presentes, mas de certa forma tinham seus discursos contidos ou pelo menos rebatidos à altura por uma esquerda organizada. Me lembro de ter coberto um protesto de fascistas, neonazistas e outros defensores do Bolsonaro na Avenida Paulista em 2011 em que do outro lado havia maciça presença da esquerda buscando abafar o barulho da extrema-direita. Até 2013 havia uma unidade de esquerda em algumas pautas, havia uma noção mínima de ética e de um inimigo em comum. A partir de Junho de 2013 o jogo mudou.

Milhares (ou milhões) tomaram às ruas com pautas progressistas diversas, difusas, e foram esmagados com apoio entusiasmado do partido no poder (o PT, que se diz de esquerda) e por seus apoiadores que chegavam a defender a violência da PM nas redes sociais.

Foi um momento de ruptura dentro do seio da esquerda que fez desmoronar setores inteiros da esquerda brasileira. Acabou qualquer sentido de unidade (por mais que o PT tenha tentado agregar seus movimentos cooptados com o apoio de setores acríticos do PSOL algumas vezes, mas sem qualquer relevância efetiva ou sucesso).

O ano de 2013 se mostrava um fio de esperança não só para a esquerda, mas para setores progressistas da classe média e até para setores de uma certa direita liberal com pautas sociais mais progressistas. O seu esmagamento pela força da repressão policial acabou por radicalizar à direita setores menos politizados que adotaram um discurso (fácil) de ódio ao PT e que foram abraçados por figuras já estabelecidas da extrema-direita brasileira, como Bolsonaro, Feliciano (este que foi aliado do PT), dentre outros.

Ao desmobilizar a esquerda, transformar movimentos sociais em quase exércitos pessoais, aliado ao fim do solo ético, o PT abriu espaço ou mesmo implodiu a barreira de contenção para os piores e mais perigosos discursos.

Com a mobilização de 2013 contida (e que não obteve o mesmo sucesso em termos de mobilização popular depois de 2014) restou à esquerda o papel inglório de, dividida, buscar alternativas ou de entrar de cabeça no discurso do "voto crítico". O voto crítico, aliás, me parece ter ajudado ainda mais a isolar a esquerda de setores menos politizados, do centro e de potenciais eleitores que, mesmo progressistas em muitos aspectos, não se aproximam do PT de forma alguma. A insistência da esquerda de sustentar o PT no poder, muitas vezes adotando seu discurso vitimista, acaba por empurrar muitos para o outro lado, buscando alternativas. Não podemos ainda esquecer do papel do próprio PT na criação dessa oposição raivosa.

Trata-se de uma reação da direita ou estas manifestações vão além da disputa político-ideológica?

Tanto ódio da direita é resultado de anos do PT governando para a própria direita, mas mantendo um discurso fake de esquerda, de completa aniquilação das forças de esquerda que abriram espaço pra que a extrema-direita saísse do armário.

A direita fascista sempre existiu e esteve por aí, mas penso que conseguiu sair do armário com força total por ter tido o caminho aberto pelo PT. Acabou o solo ético, acabou a média, tudo está permitido é a mensagem que a degeneração do PT passa. Temos de nos perguntar: onde estavam os fascistas que hoje protestam com ódio contra o PT chegando à beira da violência e exigindo volta da Ditadura? Ou ainda melhor, porque não estavam tão aparentes, tão "saidinhos" quanto hoje? E para responder isso é preciso olhar para o PT e o que ele causou na sociedade.

Ao desmobilizar a esquerda, transformar UNE, UBES, CUT, MST e diversos outros movimentos em quase exércitos pessoais, aliado ao fim do solo ético, abriu espaço ou mesmo implodiu a barreira de contenção para os piores e mais perigosos discursos.

O discurso de algumas lideranças ou ‘intelectuais’ petistas contra, por exemplo, a classe média, carrega tanto ódio insensato e até gratuito quanto certos discursos de elementos próximos ao Bolsonaro.

O PT era o partido da ética, era a média ou pelo menos o chão, o solo ético. A partir do momento em que o PT passou a adotar o discurso malufista do "rouba, mas faz" e do "os outros fazem também" aquela barreira ética ruiu. Não há mais um limite, um parâmetro. Isso abriu as portas para que a extrema-direita saísse da toca sem medo de ser feliz. Some a isso o ódio e o fanatismo dos petistas na rede e fora dela e aí está o caldo entorna(n)do.

Qual a diferença entre o ódio ao PT e à esquerda?

O ódio da direita sempre existiu – ao PT, à esquerda -, o antipetismo, porém, é reação ao petismo e ao que ele se transformou, uma ideologia em geral também de ódio, fanatizada, sem capacidade de dialogar e pensar, descolada da realidade. O discurso de algumas lideranças ou "intelectuais" petistas contra, por exemplo, a classe média, carrega tanto ódio insensato e até gratuito quanto certos discursos de elementos próximos ao Bolsonaro. E é lógico que há muito de ódio insensato e burro: O que esperar de quem acredita piamente que o PT é comunista? Que o Foro de São Paulo é a tentativa de impor o "marxismo ateu"? Mas para além dessas demonstrações de incapacidade mental há também um processo de reação ao PT.

O PT sempre usou técnicas similares para lidar com opositores. Recentemente, o Levante Popular, grupo ligado ao PT, realizou ações contra ex-agentes da Ditadura. Via de regra opositores no campo ideológico também são alvos de ações orquestradas, como ocorreu com a dissidente cubana Yoani Sanchez e com o filósofo Demétrio Magnolli em 2013. São episódios diferentes do que ocorreu com Suplicy e Haddad, ou há uma semente de totalitarismo em todos eles?

Acho importante separar ódio de protesto. Protestar contra Yoani, contra jornalistas aqui e ali não é necessariamente ódio. Ódio é a incapacidade total de pensar, de enxergar uma alternativa para além da crença pessoal (ou coletiva). É partir para a agressão ou se negar ao debate. Os escrachos realizados pelo Levante são importantíssimos, pois servem para denunciar que os criminosos da Ditadura não foram julgados e hoje circulam como se nunca tivessem feito nada, como se não tivessem torturado, matado e apoiado um governo criminoso. É uma denúncia contra a incapacidade (ou falta de vontade) do Estado em julgá-los e fazer justiça por suas vítimas. Claro que há contradições, como por exemplo fato do Levante ser abertamente petista. E digo que é contraditório porque Dilma diversas vezes deixou claro ser contra julgar os criminosos da Ditadura, chegando a desrespeitar decisões de tribunais internacionais.

Discurso de ódio, intolerante, que prega a eliminação do outro ou dos direitos do outro não pode ser tolerado, é criminoso.

Há limites para a manifestação? Ela se valida, mesmo quando impede a proliferação de ideias por parte do outro? É salutar a limitação do contraditório?

Para mim os limites são claros: Discurso de ódio, discurso intolerante que prega a eliminação do outro ou dos direitos do outro não pode ser tolerado. Eu posso dizer que não gosto de algo, seja o que for, que não concordo com algo, mas quando passo a pregar que este "algo" é criminoso ou mesmo prego a exclusão, eliminação ou limitação de direitos do outro, então cometo um crime. Um pastor tem todo direito de dizer que não concorda com a homossexualidade (por mais ridículo que isto seja), mas ele não tem o direito de pregar que são doentes e muito menos lutar ou pregar pela negação de seus direitos. Em outras palavras, penso que é dever daqueles que defendem os direitos humanos ativamente lutar contra discursos de ódio, seja protestando, seja com ações legais ou com escrachos e demais medidas cabíveis. E faço um parêntese, o discurso de ódio não vem apenas da direita, de TFPs e neonazistas, ou mesmo apenas de Bolsonaros e Felicianos, mas também da dita esquerda quando adota discursos identitários radicais que visam mesmo a eliminação do outro que não se encaixa no padrão pré-determinado de "minoria". Também vejo discursos stalinistas com horror, tanto quanto o discurso neonazista. O discurso da eliminação ou anulação do outro deve sempre ser combatido. Recordo a prova do ENEM com redação sobre violência contra a mulher. É assustador ver como setores amplos da direita não veem a necessidade de defender os direitos da mulher não ser agredida. Os direitos humanos estão acima de ideologia, são a base para a convivência e a vida.

Em artigo recente você diz que "não importa o que aconteça, o PT sempre terá sites financiados com dinheiro público e militância paga prontos a defender o indefensável, a atacar de forma rasteira adversários para, no dia seguinte, mudar novamente o discurso e transformar aliados em inimigos e vice-versa, sem medo de destruir reputações e de mostrar a maior incoerência possível". Que tipo de militância o partido construiu nestes últimos 30 anos?

O PT foi a escola da maior parte da esquerda brasileira. Mesmo quem nunca militou no partido (e sempre esteve no PCdoB, PCB, PDT, etc) foi de uma forma ou de outra influenciado pelo PT. Isso explica também a imensa dificuldade de vários setores à esquerda do partido de se descolar definitivamente da órbita petista. O PT construiu boa parte da militância de esquerda hoje, mas o saldo não é de todo positivo. O que restou ao PT hoje foi um grupo, quase uma gangue, de fanáticos incapazes de qualquer crítica honesta. Muitos financiados por dinheiro público ou de estatais, acríticos, prontos a defender o PT custe o que custar, penhorando sua ideologia e consciências para manter o partido no poder.

O que restou ao PT hoje foi um grupo, quase uma gangue, de fanáticos incapazes de qualquer crítica honesta.

Como comentei antes, em Junho de 2013 petistas e simpatizantes defendiam a violência da PM contra a esquerda nas ruas apenas para defender um projeto vazio de poder que se alia com Katia Abreu, Jader Barbalho, Collor, Kassab e lideranças evangélicas obscurantistas.  O petismo hoje (e há tempos) não passa de uma ideologia de ódio, fanatizada, sem cérebro. Não à toa chamo esse fenômeno de neoPTcostalismo, porque é muito semelhante ao neopentecostalismo de Edir Macedo (um notório apoiador do governo, aliás), Malafaia (que não é exatamente neopentecostal, mas pelo método odioso de pregação costumo incluir na lista), dentre outros. Fiéis arrebanhados por pastores (lideranças políticas filiadas ou não ao partido, blogueiros "progressistas", tuiteiros famosos dentro do grupo, etc) que seguem sem questionar. Isso é o que restou da militância petista junto com "petistas não praticantes", aqueles que podem até estar no PSOL, apartidários, dispersos, mas em momentos-chave partem para o apoio ao partido contra o "mal maior" da vez.

O PT também apostou em uma estratégia do "nós contra eles", inclusive demonizando a classe média. Isso funcionou quando a economia ajudou. Agora, as consequências são outras. O tiro saiu pela culatra?

A classe média foi extremamente prejudicada pelo petismo, tanto na prática, quanto no imaginário. A classe média com o PT tem empobrecido, enquanto vê gente de baixo chegar perto (até o começo do segundo governo Dilma, pelo menos). Para além do que é mero preconceito da classe média com medo de ser "alcançada", de fato sempre foi atacada pelo PT, o alvo, e agora parte dessa classe média responde com ódio.

Um exemplo? Basta lembrar das várias falas da Marilena Chauí contra a classe média, chegando a declarar que odeia essa classe, pese defender com unhas e dentes um governo que diz claramente querer um país de classe média. Sejamos honestos, não dá para esperar muito raciocínio ou pensamento complexo de reaças, fascistas e proto-fascistas, mas essa ambiguidade nos discursos embaralha.

O PT é um partido em geral de classe média, formado pela classe média progressista e historicamente apoiado por ela. E há anos a ataca. Com virulência. O discurso do PT no poder sempre foi o de confrontação (e antes do poder), mas este não é o problema. O problema é a confrontação quando não se está confrontando nada, quando se está em união com a elite, mas mantendo um discurso com limites claros. A partir do momento em que o país começa a parar de crescer e as contradições ficam ainda mais aparentes, a bolha estoura.

Existe um antipetismo de direita que, como comentei, tem origem em preconceito, em falta de esperança, etc, mas há um antipetismo de esquerda, mais racional, que se ressente das traições.

A elite tem preconceito e mesmo ódio contra o PT?

Uma parte sim. Outra sempre votou no PT. Claro, é preciso definir o que é "elite" e se estamos falando de indivíduos, de empresários… Os bancos nunca lucraram tanto com o PT, setores rurais idem. Há industriais que se beneficiaram, outros que não. Sem dúvida o PT não é "da turma", seria o "novo rico", aquele que chega para tentar se enturmar, mas não é aceito porque sua origem não é boa o suficiente. Isso não impede, no entanto, que o novo rico tente. E o PT tenta, com mais afinco e dedicação inclusive que os ricos já estabelecidos.

O PT tem sido mais que qualquer outro partido uma mãe para os ricos. A elite não tem do que reclamar, pelo contrário – mas reclama. É claro que reclama, assim consegue ainda mais lucro e poder enquanto se aproveita das benesses únicas do PT no poder – os bancos e empreiteiras que o digam. Apesar de ser mãe e mesmo pai dos ricos, o PT mantém uma capa de esquerda. E é esta capa, além do fato de não ser originalmente da turma, de ter a origem "errada", que causa o maior desconforto e as maiores reações.

O filósofo Moysés Pinto Neto disse nesta semana, em um debate no Facebook, que "o tipo de antipetismo que o governismo disparou não foi o de direita, mas o de esquerda". Qual sua leitura desta afirmação?

Concordo com o Moysés e cheguei mesmo a comentar em sua postagem: Para mim é um processo semelhante ao do plebiscito diário, se (me) controlar para não chegar ao ponto de ter ódio do PT e dos petistas. O ressentimento pelos anos de militância, pelas ofensas, por ter sido ameaçado, atacado, vítima de violência sob aplausos dessa corja e etc cobra um preço, que é o de odiá-los. Pra ser honesto, não posso dizer que não tenha algum ódio, mas espero estar conseguindo manter dentro de níveis racionais. Depois de 2013, de apanhar enquanto petistas gritavam VAI PM ficou MUITO difícil qualquer tipo de contemporização. Eu pessoalmente considero o PT muito mais meu inimigo (e do país) que o PSDB.

Existe um antipetismo de direita que, como comentei, tem origem em preconceito, em falta de esperança, etc, mas há um antipetismo de esquerda, mais racional, que se ressente das traições e, mais além, do processo que vem destruindo a esquerda desde dentro e inviabilizando alternativas. E que fique claro, vejo o PSDB com imensas suspeitas, FHC foi terrível para o país com sua privataria, mas hoje vejo o PT pior porque não há oposição, não há alternativa. O PT age livre e impunemente, ao passo que com o PSDB no poder havia o próprio PT para barrar o que havia de pior. Como comentei, o PT era o solo ético, era o que segurava as piores manobras da direita. Não temos mais isso.

O PT é um partido em geral de classe média, formado pela classe média progressista e historicamente apoiado por ela. E há anos a ataca. Com virulência.

Geram um certo estranhamento algumas palavras de ordem atiradas contra petistas e governistas. O "fora comunistas" é muito comum. Podemos considerar o PT (partido) e o PT (governo) como representantes da esquerda?

Em primeiro lugar, a tentativa de separar PT de governo é torpe. Claro que no governo há mais que o PT, mas não são coisas totalmente diferentes. Dilma é filiada ao PT, foi eleita com o povo votando 13. A tentativa de certas lideranças em separar as coisas serve apenas para arrebanhar os "petistas não praticantes", que podem discordar do governo, mas podem ainda votar no PT. Não funciona. Verifique o voto da bancada do PT, quantas vezes votaram em peso contra o governo. Ou mesmo os discursos e práticas de Rui Falcão, presidente do PT, em relação a genocídio indígena, direito das mulheres, direitos LGBT e etc. Há um claro alinhamento, como não poderia deixar de ser, entre governo (do PT) e o PT.

Dito isto, nem PT e nem governo do PT são de esquerda. Suas ações não são de esquerda, suas políticas não são de esquerda e mesmo as discordâncias entre um e outro não passam de teatrinho ensaiado. Nem contra Cunha o PT foi capaz de mostrar qualquer independência frente ao governo e até organizações cooptadas, como a UNE, se recusaram a abraçar o "Fora Cunha".

Quanto ao discurso de "fora comunistas", eu só posso recomendar ajuda psiquiátrica ao paciente capaz de gritar algo assim e, ainda, pedir para que volte à escola. Não é possível dialogar com alguém que viva num mundo tão de fantasia. Não apenas na prática o PT sequer é de esquerda, como não se reivindica comunista e jamais se reivindicou como tal. Social-demcorata seria a melhor aposta, mas mesmo aí está difícil de encaixar.

É possível que o governo às vezes vá além do PT?

Sim, acontece, mas o PT logo se realinha. Em muitos aspectos o partido está a reboque do governo, este que caminha a passos largos para a direita e é acompanhado de forma entusiasmada pelo partido.

Nem PT e nem governo do PT são de esquerda. Suas ações não são de esquerda, suas políticas não são de esquerda e mesmo as discordâncias entre um e outro não passam de teatrinho ensaiado.

Há no PT um segmento importante, de esquerda, que optou por apoiar um governo de direita com a desculpa de combater a direita. Como esta estratégia vai influenciar o futuro do partido e da militância petista? 

Este setor que tendo a chamar de "petista não praticante" é o que sustenta o PT em muitos momentos. É o que vai às ruas contra o "golpe" – uma fantasia criada pelo vitimismo petista – e que critica, mas garante seu voto e apoio em momentos-chave. O voto crítico dessa turma é importante para o PT menos em termos de peso eleitoral, mas mais como propaganda, como alivio moral. Esta estratégia tem sustentado o PT tanto na prática quanto no discurso, mas mais importante é entender o dano que causa à esquerda – e não ao PT.

Como cheguei a escrever certa vez, "Não dá pra dizer que voto crítico não é voto. É, sim, voto. E todo voto traz responsabilidades. Sim, eu me considero também responsável por muitos dos absurdos feitos por Dilma, a quem ajudei a eleger, mas ao invés de ficar atacando quem votou nulo ou tentando de forma tosca me justificar, eu fiz oposição ferrenha.

Quem votou em Dilma NOVAMENTE, já conhecendo quem ela era, tem também responsabilidade. E tem que assumir essa responsabilidade se enfiando na trincheira e fazendo oposição ferrenha a este governo e não fazendo #mimimi de ofendido quando criticado. O que esperavam? Que fossem aplaudidos pela "coragem" de votar na Dilma? Que fossem louvados como aqueles que se sacrificaram na luta contra o "mal maior" (sic)? Sinto muito, não vai acontecer. Quem votou na Dilma assuma sua parcela de responsabilidade, assim como quem não votou na Dilma, como eu, assumo o que tiver de assumir. Venham logo pra oposição (ou voltem) e por favor parem de frescura.

E apenas lembrando, enquanto vocês continuarem a votar "criticamente" no PT, ele continuará no poder indo mais e mais pra direita.".

Enquanto o PT não for denunciado como inimigo, deixado de lado para que a esquerda possa se reorganizar e levantar suas bandeiras, teremos apenas este deserto. Não faz sentido para a esquerda seguir apoiando um governo e um partido de direita.

E mantenho o que disse. O voto crítico ajuda, mesmo que moralmente, o PT a se manter no poder e ir para a direita. O PT sabe que terá estes votos, que terá apoios cruciais na hora da eleição para ajudar a puxar mais votos, logo, não se sente na obrigação de cumprir com sua palavra, programa e promessas com estes setores, porque terá seu apoio invariavelmente. A esquerda apenas perde.

Há futuro para a esquerda no Brasil atrelada ao legado do PT?

Não. Enquanto o PT não for denunciado como inimigo, deixado de lado para que a esquerda possa se reorganizar e levantar suas bandeiras, teremos apenas este deserto. Não faz sentido para a esquerda seguir apoiando um governo e um partido de direita. Apoiar o PT significa dar apoio a genocídio indígena, aliança carnal com ruralistas, com evangélicos fundamentalistas (Dilma chegou a revogar decreto regulando o aborto apenas por exigência dos fundamentalistas aliados, sem falar nos programas do Ministério da Saúde que Padilha cancelou pela mesma razão, cooptação de movimentos sociais, brutalidade nas ruas e, é sempre bom lembrar, com uma militância (sic) fanatizada nas redes. Que esquerda é essa? Em 2013 o recado foi claro: a esquerda nas ruas receberá bombas, será chamada de terrorista (com projeto de lei fascista já para ser votado) e tratada como terrorista. E ainda assim há setores da esquerda incapazes de renunciar ao PT. O preço é pago nas ruas e nas urnas.

Estamos subestimando a existência do fascismo no Brasil devido ao diagnóstico oportunista e equivocado do governismo de que todo opositor é fascista?

Sem dúvida. Para o petista médio qualquer opositor é "coxinha", é "fascista". Tem algum tempo um dos "pastores" do PT, o ator José de Abreu, atacou todos os paulistas e os acusou de não saber votar por não votarem no PT. Concordo que acho intolerável voltar no Alckmin, mas daí atacar diretamente me colocando num pedestal ético e moral? A militância petista é que por vezes se assemelha ao fascismo, mas impõe à qualquer oposição esta pecha.

Enquanto isso os reais fascistas e fundamentalistas chegam mesmo a ser apoiados pelo PT (lembrem-se que Feliciano virou presidente da Comissão de Direitos Humanos por obra do PT). A Base Aliada é de chorar, por lá encontram-se defensores da Ditadura, fanáticos religiosos, homofóbicos e criminosos com longa ficha corrida.

Mas fascistas são os outros, é o PSOL, é o PCB, é o PSTU, é o anarquista, até mesmo o MTST foi chamado de movimento "vira-lata" por Emir Sader, um dos mais lamentáveis "intelectuais" do PT.

Enquanto isso o fascismo cresce, com ódio contra mulheres (vide exame do ENEM), defesa de pedofilia (como em relação à uma participante de 12 anos do programa Master Chef), homofobia (com violência, mortes, retirada de direitos e mesmo Dilma declarando que não faria "propaganda de opção sexual" para agradar a fascistas religiosos), com indígenas massacrados, etc.

Os inimigos são claros, mas a nuvem tóxica de chorume lançada pelo PT no horizonte da esquerda é difícil de ultrapassar.

Não há alternativa de/para a esquerda ou para o país em/dentro de qualquer tipo de aliança, frente ou apoio em conjunto com o PT e seus satélites.

Para além de todo o ódio que tem envolvido a política brasileira e seus responsáveis, é preciso ainda pensar em um ponto: o que fazer?

Não finjo ter respostas (fáceis), mas tenho a convicção de que não haverá reconstrução da esquerda após o naufrágio do petismo enquanto setores críticos não abandonarem de vez o PT. Frente Brasil isso ou aquilo, Povo isso ou aquilo que em geral não passam de fachada para unificar movimentos cooptados pelo PT e pelo seu apêndice PCdoB (UNE, CUT, CTB, CUT, MST e em algum grau o MTST) e, pior, acabam por agregar também setores do PSOL. Recentemente o partido reafirmou sua participação na risível "Frente Povo Sem Medo", no que poderia ser interpretado como um grito de "seremos escada do petismo SIM". Movimentos criados pela cúpula do PT ou sob a supervisão desta cúpula servem apenas para manter a esquerda umbilicalemtne ligada ao petismo. Fingem combater "a direita", tevem críticas pontuais ao governo, mas são incapazes de ir além, até porque em linhas gerais a intenção é apenas permitir um espaço pseudo-livre de debates e segurar a onda dos menos cordiais e contentes com a situação.

O esmagamento da esquerda pós-2013 foi grave.

Sim. Tão grande que amplos setores se encontram incapazes de resistir à órbita do Partido dos Trabalhadores. Passam por cima da repressão sofrida e de quem a ordenou, passam por cima da obviedade de que passados 13 anos não haverá nenhuma "guinada à esquerda", nem mesmo Reforma Agrária, respeito aos direitos humanos ou sequer medidas que ao menos mitiguem os desastres contra mulheres, indígenas e outros grupos votados e aprovados por parlamentares (em grande quantidade da Base Aliada irrigada por corrupção e mensalão).

É um futuro sombrio para a esquerda. Não há saída?

Como comentei, não tenho respostas, mas posso ao menos apontar em alguma direção. À esquerda cabe se afastar do PT, denunciar o PT como inimigo e traidor de classe, como estelionatário e degenerado. Cabe não se enganar com falsas dicotomias PT versus PSDB, mas tê-los como uma continuidade do pior tipo de capitalismo tupiniquim que, junto com seus aliados que vão de banqueiros a pastores caem de cabeça no fascismo.

E os movimentos sociais?

Onde estão os movimentos sociais diante dos retrocessos no congresso? Diante da retirada de direitos, do machismo, do genocídio indígena? Estão nas ruas gritando contra um "golpe" imaginário ou dando parabéns ao Lula pelos seus 70 anos. O que dizer de Guilherme Boulos, do MTST, enviando mensagem carinhosa ao ex-presidente Lula, um dos maiores artífices dos retrocessos atuais? Como escreveu a ativista Lu Ornellas, "Fala sério que depois de todo estrago que o PT fez no país e no imaginário dos trabalhadores, gerando uma série de retrocessos políticos, econômicos, sociais, para mulheres, jovens e a sociedade como um todo, ainda temos que assistir tamanho afeto da figura pública do MTST ao Lula. Quem não passará será essa frente popular que cada dia se afunda mais. Pena que junto com ela vovês levam o país."

É necessária uma nova gênese à esquerda brasileira?

Não há alternativa de/para a esquerda ou para o país em/dentro de qualquer tipo de aliança, frente ou apoio em conjunto com o PT e seus satélites. Ou recomeçamos do zero, buscando aprender com os erros do passado, ou qualquer tentativa de reconstrução nascerá condenada ao fracasso. E estamos apenas colhendo fracasso.


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