26/04/2024 - Edição 540

True Colors

Frutos da transformação

Publicado em 09/10/2015 12:00 - Guilherme Cavalcante

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Café e arejar a cabeça, em qualquer lugar, de preferência ao ar livre. Lá fui eu, observar o movimento das ruas e libertar pensamentos. Meu local desta semana foi a Praça Ari Coelho, bem no centrão da cidade, um dos lugares mais movimentados de Campo Grande. Carros, trânsito, barulho. Encontrei paz entre centenas de pessoas apressadas, sei lá porque.

Em poucos minutos vi três jovens de seus 13, 15 anos, cruzando a praça. Estavam abraçados, falavam alto, brincavam, empurravam-se simultaneamente. Era um festival de pinta. Muita pinta. Eram três rapazes visivelmente gays. Absurdamente gays. Empoderadamente gays.

Não resisti e chamei por eles, que desconfiados pararam no meio da praça. Olhavam-me "torto", talvez receosos. Depois de me apresentar como jornalista, achei que eles relaxaram um pouco, mas mantiveram o tom sério. E minha pergunta foi apenas uma: os pais de vocês sabem que vocês são gays?

Um deles, chamado Breno, disse que sim, que o pai não aceitava bem, mas que a mãe dele deu um jeito. O outro, Artur, disse que nunca precisou falar. "Eu nunca falei, mas precisa? Ta na cara, néan", disse. O terceiro, Tiago, disse que os pais sabiam e aceitavam.

Ali estava eu, curioso, diante de três jovens adolescentes gays que jamais estiveram no armário. O próprio Tiago disse que desde pequeno os pais sabiam dele e que por mais difícil que tenha sido aprenderam a lidar com a situação. "É diferente, né? Acho que ninguém espera, mas a gente é o que é", falou o rapaz. Sorri. Despedimo-nos, e eles continuaram sérios até que em poucos metros voltaram à afetação normal. Amém!

Enquanto eles se afastavam de mim, eu seguia um tanto quanto impressionado, buscando o chão que sumira sob mim. Na breve conversa, os três rapazes se mantiveram firmes na forma de expressão da própria sexualidade enquanto falavam comigo: não mudaram o tom de voz, os trejeitos ou a postura. Estavam decididos de que nada de errado havia na forma como são. Não havia razão para se conterem, por mais que um estranho que eles jamais viram na vida estivesse fazendo perguntas íntimas, digamos assim.

Sentei em um banco da praça, digerindo a estranha realidade que me confrontou – e que, a propósito, sempre esteve ali. Tem um bom tempo que os gays já vêm assumidos "de fábrica". Eu que não tinha reparado o suficiente.

Fiquei pensando sobre o quão maravilhoso está sendo o resultado da militância que há décadas vem sistematicamente interferindo na sociedade, de forma a fortalecer os grupos subalternos. Tem sido assim com feministas, negros, deficientes e, claro, LGBTs. Eles estão fora do armário, agora querem sair de baixo do tapete. Querem o sol. E acordaram para isso bem antes de mim.

O trabalho de militar e de empoderar identidades, de fortalecer políticas e de desconstruir padrões normativos está dando resultado. Devagar, mas está: ali, na minha frente, três jovens que caminhavam brincando, felizes, seguros de si, inabaláveis. Apenas três entre centenas, que certamente se destacavam pela pinta, mas que paradoxalmente soavam diáfanos pela multidão. Eles são o fruto da luta que se sistematizou em 1969, são a tendência e o sintoma de que, sim, o mundo vai melhorar. Porque muito antes de sermos aceitos, o mais importante é aceitarmo-nos.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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