23/04/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

Quem denuncia a corrupção do Judiciário?

Publicado em 10/09/2015 12:00 -

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A notícia que relata que o Tribunal de Justiça concedeu a seu presidente, funcionário assalariado com R$ 96 mil líquidos, um benefício processual reservado a cidadãos de baixa condição financeira espanta não só por seu conteúdo imediato.

Três aspectos de seu contexto mais amplo, que adiante serão abordados, são determinantes para responder esta questão que se propõe: por que a tão grave corrupção moral do Judiciário não é objeto intenso de indignação da opinião pública?

Constatar que existe no Judiciário um sistema ético corrompido não responde à indagação, mas é dela premissa relevante: um salário público, naquele valor, desafia qualquer senso de razoabilidade, se ladeado à renda média da população.

Moralmente condenável, sequer se pode dizer que a lei ampare esse ganho, já que o próprio presidente do TJSP, em entrevista na televisão, declarou que parte desses auxílios são declaradamente desvio de finalidade da verba pública.

Foi assim que pediu que os cidadãos compreendessem que o auxílio-moradia dos juízes – que isolado já supera de longe o ganho médio do brasileiro – deveria ser usado para comprar ternos bons, sapatos bonitos e camisas de qualidade. A moradia era só um pretexto para alcançar a finalidade maior: a vaidosa aparência da justiça.

Superada a premissa, o primeiro aspecto: os juízes e desembargadores entrevistados pelo jornalista da Folha rejeitaram que seus nomes fossem publicados no periódico.

Tal qual moradores de um bairro dominado pelo narcotráfico, os próprios membros do Judiciário temem as represálias de seus colegas, em especial sob relação hierárquica: na presidência do Tribunal de Justiça alocam-se as decisões sobre promoções na carreira ou cortes de verbas.

Em outras palavras, a independência funcional, garantida pela Constituição a todo magistrado, somente tem efeito externo, pois dentro do palácio as leis não escritas de silêncio e corporativismo vigem ao arrepio da Carta.

Calados magistrados, advogados e imprensa, neste círculo que tracejamos, os desmandos do Judiciário não alcançam a opinião pública.

E o anonimato requerido pelos advogados que colaboraram com a mesma matéria é qualitativamente diverso do silêncio dos juízes. A opção dos defensores por calar-se denota que há de fato represálias no exercício profissional daqueles que lidam na outra ponta da prestação jurisdicional, o que tampouco é novidade.

Se assim não fosse, as vozes retumbantes da liberdade, que os advogados sempre representaram, fariam denúncias reiteradas à opinião pública de casos graves de venalidade que, hoje, esvaem-se nos salões dos escritórios. Lembrar, talvez, daquela agente de trânsito que foi condenada no Rio por ousar aplicar multa de tráfego a um magistrado funciona como alerta sonante do descaro dessa ameaça.

Terceiro ponto, supratextual, é o próprio jornal que o publica. Se advogados e juízes temem ser alvo de represálias pela livre expressão, qualquer periódico deve sentir o mesmo.

A fala norte americana de que, em uma democracia, ao jornal é mais fácil ofender o governador que publicar a fotografia da mosca presa na garrafa de coca-cola aqui deve ser adaptada: com orçamento restrito e sempre pendentes de ações judiciais provenientes da liberdade de expressão, é o Judiciário o monstro que os órgãos de imprensa não devem cutucar.

O desafio da liberdade fica a cargo dos jornais de maior estrutura, ainda assim sob sérios riscos.

Calados magistrados, advogados e imprensa, neste círculo que tracejamos, os desmandos do Judiciário não alcançam a opinião pública.

Porém atingem a todos os cidadãos de modo difuso, seja pelos grandes salários que desequilibram o orçamento em tempos de crise aguda, seja pelas consequências de, longe das críticas, viverem os mais altos julgadores em sua torre de marfim, de onde não se enxergam seus próprios desvios éticos.

Ver o sistema carcerário lotado porque a Suprema Corte orienta juízes a condenar o cidadão que furtou quinze bombons é um dos tantos exemplos nesse sentido.

Víctor Gabriel Rodríguez – professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo – FDRP e Membro da União Brasileira de Escritores


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