29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Pela vacina, contra o mosquito

Publicado em 14/08/2015 12:00 -

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O protocolo de combate à leishmaniose no Brasil é uma das medidas mais criticadas por especialistas de doenças endêmicas. Os resultados obtidos pelo Governo Federal são desestimulantes e há muito tempo indicam que há caminhos diferentes a serem percorridos. No entanto, a eutanásia de cães infectados continua a ser encarada como medida preventiva da infecção de humanos pelo protozoário da leishmaniose. Para reverter este quadro, pesquisadores do mundo inteiro estudam e propõem novas alternativas de controle da doença, sendo o tratamento de cães uma das apostas para reduzir os índices de contaminação. Mas para o pesquisador e médico veterinário Francisco Anilton Alves Araújo, a prevenção por meio da imunização pode ser uma das saídas mais simples.

Residente em Brasília, Araújo trabalhou durante 25 anos no Ministério da Saúde, na área de Zoonoses, e usa dessa experiência para intermediar as relações entre veterinários clínicos, os setores de saúde e a população. Atualmente, ele leciona para o curso de medicina veterinária das Faculdades Integradas do Planalto Central e também é gerente de zoonoses do laboratório Hertape Calier, o único laboratório brasileiro que produz vacina contra leishmaniose. Na última semana, o pesquisador esteve em Campo Grande e dialogou com o poder público municipal acerca da implantação de novas estratégias de combate à leishmaniose na capital sul-mato-grossense, tendo em vista que o tratamento é permitido na cidade por conta de decisão judicial. Semana ON conversou com Araújo par elucidar alguns pontos desse assunto, em entrevista que você confere a seguir.

 

Por que se preocupar tanto com a leishmaniose?

Basicamente porque nós temos uma doença com alta taxa de mortalidade: 10% das pessoas que se infectam podem vir a óbito. Hoje podemos correlacioná-la com a dengue, mas nesta, em um milhão de casos há 200 óbitos. Já na leishmaniose, em 3,5 mil casos humanos, há trezentos óbitos. Em termos de letalidade, a leishmaniose é mais forte, proporcionalmente falando. Não estou desmerecendo a necessidade de uma política diferenciada para a dengue, mas eu chamo a atenção para uma necessária mudança nas políticas de controle da leishmaniose visceral.

Qual é a realidade do protocolo de combate à leishmaniose aplicado no país? O protocolo utilizado está surtindo algum resultado positivo?

Primeiramente, quero destacar que nós tratamos a leishmaniose visceral como uma zoonose emergente, isto é, ela está surgindo em áreas onde antes não era encontrada. Mas ela já é identificada de forma endêmica há pelo menos 70, 80 anos na região nordeste do país e nos últimos anos se disseminou fora desse eixo, urbanizando-se nas periferias dos grandes centros urbanos do nordeste e agora atingindo outras regiões, como Mato grosso do Sul, Minas Gerais, vários estados do sudeste e até do sul. Assim,  percebemos que os meios usados como ferramentas de controle, normatizados pelo Governo Federal, não têm tido a eficácia que se espera. Só para você ter uma idéia, a questão da normatização da eutanásia de cães é amparada em uma legislação de 1923, a primeira lei que fala em matar cachorro para o controle da leishmaniose é desse ano, ou seja, tem quase 100 anos de existência. Será que esse protocolo não evoluiu nesse tempo? Quer dizer, a doença chegou aonde chegou, foi se instalando e simplesmente se tornou endêmica no país.

Qual é a situação de Campo Grande neste circuito?

No caso da leishmaniose em Campo Grande, temos uma doença que está há mais de uma década efetivamente instalada no município, no qual houve ano em que mais de 200 pessoas vieram a adoecer, conforme dados oficiais, somente em 2015 são mais de 50 casos confirmados. Logo, temos o inegável avanço de uma doença que atualmente já dispõe de outros métodos de prevenção. E esses novos métodos vão desde novas técnicas de diagnóstico, com o teste rápido às novas modalidades de prevenção e tratamento. O próprio município de Campo Grande foi pioneiro no uso de coleiras com uso repelente e inseticida, que foram modelos para a tentativa de uma segunda estratégia de combate à enfermidade. Atualmente, a cidade desenvolve o mesmo protocolo recomendado pelo Ministério da Saúde, mas aqui há uma diferença, que é a decisão judicial que permite o tratamento dos cães positivos e que impede a eutanásia compulsória. E a partir daí há muitas possibilidades.

Qual é o caminho que o senhor sugere como política de controle de leishmaniose?

A prevenção, sempre. E também o tratamento. Atualmente dispomos dos protocolos preventivos com as coleiras repelentes e uso de inseticidas. Na prática, a coleira afasta o mosquito flebótomo, mas se mesmo assim ele se aproximar do cão, ele morre por conta do inseticida. Temos também os óleos pour-on, que basta aplicar na parte de trás do pescoço do animal que o mesmo efeito da coleira será obtido. Mas se hoje se fala tanto em tratamento e em eutanásia é porque não utilizamos o princípio básico de vigilância de qualquer doença que se pode prevenir por imunização, que é o uso da vacinação.

É um caminho eficaz?

Sim, é. E atualmente existe apenas uma vacina no país, legalizada, registrada e com eficácia comprovada, produzida pelo laboratório que represento. Ela é utilizada nas clínicas veterinárias para prevenção individual do animal. Defendo a vacina porque se aumentar esse processo de imunização, não teremos mais tantos animais suscetíveis a serem picados pelo flebótomo infectado e desenvolvendo a doença. Então, estrategicamente e epidemiologicamente, é entendido que vai haver uma redução do protozoário na população canina e logicamente haverá a possibilidade de redução dos casos em humanos. Haverá, assim, a interrupção do ciclo da doença.

Mas um dos problemas da imunização é o custo. Ela não tem acesso democratizado. Então eu imagino que o senhor defenda que o governo abrace a vacina como uma estratégia de combate à leishmaniose, correto?

Se eu disser a você que não, estaria mentindo. Mas o que tem que ser pensado é que existe um preconceito de que a vacina é cara. A verdade, no entanto, é que o laboratório nunca foi consultado por um órgão público, seja do Governo Federal ou uma Prefeitura, sobre o custo de produção em grandes lotes. Se hoje ela tem um custo direcionado para uma população, não podemos considerar que esse seria o mesmo valor a partir do momento que um governo passe a compartilhar isso.

O senhor já havia mencionado que a vacina também funciona no tratamento. Como isso acontece?

A vacina tem demonstrado uma eficácia considerável também no tratamento de animais já infectados. Inclusive, é mais barato que muitas drogas importadas legalmente através de liminar, que é o caso do Milteforan. Mas hoje nós temos a imunoterapia com resultado muito satisfatório nesse setor. Existe esta forte perspectiva de a vacina ser utilizada como ferramenta de prevenção e também ser usada como imunoterápico, para redução da carga parasitária.

O senhor é contra os protocolos alternativos de tratamento da leishmaniose?

Eu sou favorável a imunoterapia, associada aos outros produtos utilizados, que têm dado uma excelente resposta no tratamento, com a utilização de medicamentos legalizados pelos órgãos normatizadores. Mas vale lembrar que não existe nenhum relato científico que assegure que um flebótomo tenha se infectado por um cão e em seguida tenha infectado um ser humano. Nós trabalhamos com conjecturas, que tem fundamentação, mas que são hipóteses. Porém, o que é inadmissível é que somente a eutanásia seja uma medida de controle.

O senhor mencionou que a situação atual de Campo Grande abre possibilidade de muitas possibilidades para desenvolver uma estratégia contra a leishmaniose. Como foi a conversa da sua comitiva com integrantes da saúde pública de Campo Grande?

Não ficou absolutamente nada acertado, mas o que a gente sugeriu foi aproveitar a decisão judicial para envolver a Prefeitura e os clínicos veterinários, tirando da clandestinidade o tratamento da leishmaniose, já que em Campo Grande o tratamento é permitido. O que nós queremos é que se siga um protocolo, e não que se trate leishmaniose com 10 ou 12 drogas, com um coquetel que daí a pouco nem o veterinário sabe o que fez para a melhora do animal.

Muitos dos protocolos alternativos bem sucedidos usam de dez a doze medicamentos manipulados em pílulas únicas…

Sim, mas existe veterinário que pesquisa as drogas pela Internet e outros que utilizam de fitoterápicos, entende? O que nós queremos é promover um debate entre todos os órgãos competentes para desenvolver um protocolo onde se possa observar que drogas, de fato, fazem efeito e que respostas pode-se obter a partir de um protocolo padronizado para essa enfermidade. A ideia foi bem recebida, mas eu não sugeri nenhum protocolo em específico. O interessante é aproveitar a oportunidade para se discutir isso.


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