19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Faça um favor a você mesmo: cale a boca

Publicado em 10/07/2015 12:00 - Rodrigo Amém

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A ciência ainda avança nos estudos das engrenagens da razão humana. Há quem diga que muito pouco da nossa maneira de ver o mundo é racional.  Há quem diga que nossas decisões são tomadas tão lá dentro da nossa psique que só resta ao intelecto racionalizar essas escolhas, numa tentativa de se apropriar desses impulsos primitivos que nos governam.

Em 1979, Charles Lord, Lee Ross e Mark Lepper realizaram um experimento interessante. Grupos de voluntários a favor e contra a pena de morte foram reunidos em salas separadas. Os favoráveis foram expostos a argumentos racionais e dados concretos sobre a ineficiência da punição. E os contrários à pena receberam dados sobre como a adoção da medida afetou a criminalidade em determinados estados americanos.

O objetivo da pesquisa era avaliar a eficácia de argumentos racionais na formação e mudança de opiniões. Ao fim da experiência, os pesquisadores ficaram chocados. Todos os voluntários demonstraram estar mais radicalmente alinhados às suas opiniões prévias do que antes da pesquisa.  Confrontadas as opiniões com os fatos, as pessoas se agarram às opiniões.

O melhor conselho que eu posso dar para quem busca uma vida baseada em fatos reais é falar bem menos, ouvir bem mais.

Nesse mundo de que nada se leva, vão-se anéis, dedos, braços. Mas, o que nos define, nossa identidade é indivisível da visão que temos do mundo. Um bolsonarista mudar de lado numa discussão sobre segurança pública é o mesmo que pedir para que ele se mude para marte e abandone família, amigos, tudo. O mesmo pode ser dito de um Guevarista. O momento em que manifestamos nossas visões publicamente, alguma coisa muda. E não é nos outros.

Nosso instinto de preservação nos leva a buscar vozes de apoio e evitar dissidentes. Nossos círculos sociais mudam. Nossas influências culturais mudam. Viramos índios de uma tribo ideológica, sempre em pé de guerra com os "estrangeiros". Esses laços, essa identidade, essa visão de mundo, tudo isso é muito mais forte que a razão. Os colunistas, blogueiros e ideólogos de ambos os lados jamais mudarão de opinião, da mesma forma que não podem mudar de pele, de cara, de esqueleto. Eles são sua visão de mundo.

De volta ao experimento de 1979, esqueci de mencionar que os fatos apresentados para os grupos foram capazes de converter algumas pessoas de um grupo: o grupo de controle. O grupo de pessoas considerado "indeciso", ou seja, sem opinião formada sobre as vantagens e desvantagens da pena de morte. Parte alinhou-se a favor, parte contra. Alguns especialistas concluíram que a mudança de opinião é mais fácil quando há menos "de si" em jogo.

É por isso que o debate político não muda opiniões. Forma. E por isso, o melhor conselho que eu posso dar para quem busca uma vida baseada em fatos reais é falar bem menos, ouvir bem mais.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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