20/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Meta de universalização do saneamento básico está ameaçada

Publicado em 02/07/2015 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Se os investimentos em saneamento básico continuarem seguindo os mesmos índices dos últimos cinco anos, o Plano Nacional de Saneamento Básico, que pretende universalizar os serviços no país até 2033, “não irá acontecer”, adverte o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. O Ranking do Saneamento Básico analisou a situação das 100 maiores cidades brasileiras e os dados indicam que praticamente metade delas está nesta situação.

Édison Carlos é químico industrial graduado pelas Faculdades Oswaldo Cruz e pós-graduado em Comunicação Estratégica. Atuou por quase 20 anos em várias posições no Grupo Solvay, sendo que, nos últimos anos, foi responsável pela área de Comunicação e Assuntos Corporativos da Solvay Indupa.

 

Quais são as principais metas do Plano Nacional de Saneamento Básico e por quais razões o Brasil provavelmente não conseguirá cumpri-las, conforme indica o Ranking do Saneamento Básico divulgado pelo Instituto Trata Brasil?

As metas principais do Plano Nacional de Saneamento Básico estão ligadas à universalização do serviço de saneamento, ou seja, que praticamente todos os brasileiros tenham água tratada, coleta e tratamento de esgoto em até 20 anos, isto é, até 2033. Isso significa que todos os municípios brasileiros deveriam estar muito próximos dos 100% de atendimento em duas décadas, contando a partir de 2014. Todos os anos o Instituto Trata Brasil faz um ranking da situação das 100 maiores cidades, com relação ao saneamento básico. Dessa forma, olhamos os indicadores, os quais as próprias cidades enviam para o Ministério das Cidades, que publica esses números nacionais e nós coletamos esses dados das 100 maiores cidades. A partir disso, fizemos uma análise dos últimos cinco, seis anos e projetamos esse crescimento dos indicadores para 20 anos, e várias dessas cidades — praticamente metade dessas 100 grandes cidades — não alcançariam a universalização, se mantidos os índices de evolução dos últimos cinco, seis anos. Então, estamos dizendo que é possível sim se universalizar, mas a se manter o ritmo que tem ocorrido nessas grandes cidades nos últimos anos, isso não irá acontecer.

Quais são as principais dificuldades de se avançar no sentido de alcançar as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico? O problema é basicamente de ordem financeira? 

Não é. Podemos dizer claramente que antes de 2007 tínhamos todos os problemas possíveis no setor de saneamento, desde não haver uma lei nacional que regulamentasse o saneamento, até de não haver recursos disponíveis pelo governo Federal, principalmente. Mas, depois de 2007, com a lei do saneamento e com a criação do PAC e do Ministério das Cidades, podemos dizer com certeza que não têm faltado recursos para saneamento nos últimos anos. Logicamente que se precisa de muito recurso. O Plano Nacional de Saneamento sugere 304 bilhões em 20 anos só para água e esgoto. Então, é muito dinheiro, estamos falando na faixa de 15, 16 bilhões por ano só para água e esgoto, mas o Brasil tem investido na faixa dos 10 bilhões. É muito dinheiro, mas não é isso que tem feito com que o saneamento não ande, existem outros gargalos, desde gargalos burocráticos — a dificuldade de o dinheiro sair de Brasília e chegar às obras —, até a falta de capacidade de muitos munícipios em elaborar projetos; então muitas vezes o Ministério tem o dinheiro parado, mas os municípios não têm projetos. 

Os municípios também pecam no apoio?

Sim. Existe também uma dificuldade de apoio do município no momento em que as empresas de água e esgoto precisam fazer as obras na cidade; ou seja, há problemas de licenças ambientais e vontade política também. Em muitos municípios brasileiros esse assunto não é sequer discutido. Junta-se a isso o cidadão que não é bem informado sobre o tema, que muitas vezes não associa a falta de saneamento com o problema da saúde, por exemplo, e não cobra solução. Dessa forma, o problema vai desde o cidadão que não se envolve com esse tema, de uma autoridade, seja um prefeito ou um governador, que também não demonstra interesse pelo assunto do saneamento porque prefere outras obras mais visíveis do ponto de vista eleitoral — construir hospital, por exemplo —, até aquele prefeito, governador que tem interesse em resolver, mas daí cai m outros gargalos, como chamamos, que é a dificuldade de elaborar um bom projeto, ou de buscar dinheiro em Brasília.

Metade das 100 maiores cidades do país não deve alcançar a universalização do saneamento básico, se mantidos os índices de evolução dos últimos cinco, seis anos.

São muitos os problemas…

Temos uma série de problemas, mas mesmo assim o setor tem evoluído. O que questionamos bastante no Trata Brasil não é que não há avanços, mas a velocidade do avanço. Nós estamos falando de demorar 20 anos para ter a infraestrutura mais básica que uma cidade deveria ter. É ridículo falarmos em 20 anos para ter água e esgoto para todo mundo. Isso, em um país desenvolvido, há décadas já não é mais discutido; imagina na Europa uma pessoa nascer em um lugar que não tenha saneamento. E nós temos um prazo de 20 anos, correndo o risco ainda de não atingir, mesmo em duas décadas; é um quadro muito preocupante.

O que distingue as cidades com melhor saneamento básico no país, a exemplo de Franca, Limeira, Santos e Taubaté, em São Paulo; Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa, no Paraná; Niterói, no Rio de Janeiro; e Uberlândia, em Minas Gerais, das cidades mais carentes em saneamento, como Porto Velho, Santarém e Ananindeua, no Pará; Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco; Macapá, no Amapá; Várzea Grande, em Mato Grosso; Gravataí, no Rio Grande do Sul; Belém e Manaus; e São João de Meriti, no Rio de Janeiro?

Em todas as cidades que estão bem no ranking, é verificado o foco claro da administração pública no avanço do saneamento, o qual vem avançando há muito anos, e isso demonstra que o poder público local tem se empenhado na solução do problema, pois essa é uma solução de longo prazo. Ou seja, independente do prefeito ou do partido político que lidera a cidade, o saneamento continuou sendo foco de atenção. Então, se olharmos Franca, Santos, Limeira, Maringá, grandes cidades do Paraná, em todas elas há investimentos fortes há muito anos.

O que distingue as primeiras cidades das últimas é investimento forte e vontade de resolver. No rodapé do ranking é possível ver que existem cidades que há dez anos estão exatamente no mesmo lugar, então quer dizer que não houve nenhuma prioridade do poder público local em resolver o problema. Além disso, a cidade cresce, porque mais pessoas vão morar nas grandes cidades; esse fenômeno de imigração de área rural para área urbana, logicamente que esse pico já aconteceu, mas esse processo continua, todo dia a cidade cresce um pouquinho. Se não há um serviço de saneamento que avance, os indicadores pioram, porque há mais pessoas que não estão sendo atendidas, e os indicadores, além de não subirem, ainda caem.

Desse modo, se pegarmos, por exemplo, as 20 piores cidades do ranking, em qualquer ano que olharmos, elas estariam aí embaixo. O avanço é muito pequeno e muito lento, sendo que são todas grandes cidades, não tem uma cidade abaixo de 250 mil habitantes, todas elas têm recursos, sabem fazer obras, então estas não têm como dizer que não sabem. Isso é mais chocante ainda porque estamos falando de grandes cidades, até capitais como Manaus, Belém, Porto Velho, Rio Branco, Teresina, são capitais que avançam muito pouco. O que estamos dizendo é o seguinte: a se manter nesse ritmo, o Plano Nacional não irá acontecer. Mas lógico que torcemos para que a repercussão dessas publicações, dessa discussão faça com que as autoridades olhem com mais cuidado para o saneamento e se reverta esse histórico muito ruim.

O problema do saneamento não é dinheiro, a dificuldade é de o dinheiro sair de Brasília e chegar às obras, além da falta de capacidade de muitos munícipios em elaborar projetos.

Quais são as dificuldades que o país ainda enfrenta em relação ao tratamento de esgoto?

São dois indicadores que avançam muito pouco dentro do ranking. Um é o tratamento do esgoto, em que temos muitas cidades com taxas altas de coleta, mas taxas muito baixas de tratamento — a rede passa na rua, pega o esgoto das casas, mas joga em um rio, riacho, no mar, em algum lugar —, então o esgoto é coletado, mas não é tratado. Apenas 39% do esgoto do país é tratado, para termos uma ideia de quanto o Brasil tem de desafio nessa questão. Esse baixo índice de tratamento é um indicador muito ruim. Outro indicador que avançou muito pouco se refere às perdas de água no sistema de distribuição, e agora todo mundo olha como absurdo esse indicador por conta da crise hídrica. Mas historicamente sempre houve perdas muito grandes no sistema de distribuição de água potável que não consegue chegar às nossas casas. Esse dois indicadores são os que menos avançaram historicamente.

Em que consiste o estudo sobre a ociosidade das redes de esgotos no Brasil? Como ajudaria a resolver o problema de tratamento de esgoto?

Quando falamos da ociosidade das redes, estamos falando das redes que existem, mas com as quais as pessoas não se conectam. Imagina que você mora em uma rua que não tem rede de esgoto, e chega um momento em que aquela rede passa, mas você decide não ligar sua casa porque não quer que aumente sua conta de água, uma vez que o esgoto está atrelado à conta de água. Dessa maneira você continua usando aquela fossa em seu quintal, continua jogando o esgoto no rio ou jogando na rua, porque você decide por algum motivo que não quer ligar sua casa à rede. Aquela rede fica obsoleta, acaba estragando, o prestador de serviço não consegue ter recursos financeiros, porque é da tarifa que ele consegue ter dinheiro para ampliar o sistema. Então isso gera um problema ambiental, pois as pessoas continuam jogando o esgoto no lugar errado mesmo tendo a rede. Também é um problema de saúde pública, porque jogar esgoto no lugar errado é uma fonte de doença, e é um problema econômico, porque o sistema de saneamento não recebe o recurso para aquela obra feita.

Apuramos que, só nas 100 maiores cidades, existem 3,5 milhões de pessoas que poderiam estar ligadas à rede de esgotos e não estão porque decidiram não ligar. Este é outro problema, e não é o caso de culpar a empresa de água e esgoto; a rede está lá, é uma decisão do cidadão que precisa ser revertida, porque muitas vezes a pessoa tem dois celulares na cintura, uma TV a cabo e não quer pagar 20 ou 30 reais de esgoto. Trata-se de uma falta de visão, de valorização da infraestrutura de saneamento, em que a pessoa às vezes não valoriza esse serviço, enquanto recebe e paga por outros serviços sem questionar.

É ridículo falarmos em 20 anos para ter água e esgoto para todo mundo. Isso, em um país desenvolvido, há décadas já não é mais discutido. E nós temos um prazo de 20 anos, correndo o risco ainda de não atingir, mesmo em duas décadas.

A crise hídrica pode impactar negativamente o desenvolvimento do Plano Nacional de Saneamento Básico?

Gera, sem dúvida, um impacto. Por exemplo, a Sabesp acabou de anunciar que vai suspender por quatro meses as obras de esgoto por falta de caixa, ou seja, para atender as obras de água, pararam as obras de esgoto. Esse é um problema enorme porque é jogado para frente um problema que já é grande. Então, a maior empresa do Brasil, no estado mais rico do Brasil, está postergando obras de esgotamento sanitário em detrimento das obras de água por conta da crise hídrica. Isso é um problema não só por causa da paralisação, mas porque se sinaliza para a sociedade que o esgoto pode ficar em segundo plano.

A crise hídrica é muito boa por um lado, nos faz refletir sobre a água, porque, ao menos no Sudeste, vivíamos com a sensação de abundância, de que havia muita água, e nós nunca mais vamos olhar a água dessa forma. Então o cidadão vai aprender a usar com mais critério, vai se envolver mais nesse assunto; o tema do saneamento também vem à tona com o esgoto, porque as coisas estão conjugadas, mas não tem dúvida de que também impacta nesses indicadores por conta da crise econômica. Estamos em uma crise econômica enorme, mas também tem o fator da falta de água, a crise de energia elétrica é uma crise de água e isso tudo faz com que as metas sejam afrouxadas, postergadas, e acabamos jogando para frente um problema que já é muito grande.

É possível estimar como o ajuste fiscal feito pelo governo pode impactar nas obras de saneamento, no PAC?

Não, mas nos preocupamos porque estamos falando de duas décadas para ter uma estrutura que deveria ser construída antes de a cidade nascer. Qualquer coisa que seja postergada por 20 anos — este prazo já é um absurdo — terá sempre um atraso maior, porque daqui a pouco vamos estar falando de 25 anos. Estamos muito preocupados porque quanto mais a meta do plano nacional de saneamento anda, mais distante ela fica.

Deseja acrescentar algo?

Eu sempre chamo a atenção para o fato de que o cidadão tem um papel muito importante nesse processo. Na verdade quem pauta as autoridades somos nós, cidadãos e eleitores. No ano que vem teremos eleições para prefeito e não podemos perder essa oportunidade de cobrar saneamento, nas campanhas eleitorais. Essa é a oportunidade em que o cidadão fica mais próximo da autoridade, porque os candidatos vêm pedir os nossos votos. É o momento de pararmos de pedir posto de saúde e hospital e pedirmos que se faça infraestrutura, cuja falta nos leva para o hospital.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *