24/04/2024 - Edição 540

Brasil

Desemprego: a tática para maquiar informalidade

Publicado em 23/01/2020 12:00 -

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Esse ano, os mais de 70 milhões de lares brasileiros devem participar do Censo. Por razões orçamentárias, a operação deve custar R$ 2,3 bilhões, contra os R$ 3,1 bilhões que estavam previstos. Além disso, o questionário de base passará de 34 para 25 perguntas.

Mas essa não é a única mudança desta edição da pesquisa. “Bolsonaro deu várias declarações de que gostaria que o IBGE integrasse na estatística de emprego no Brasil as ocupações informais”, alerta o sociólogo e historiador Alexandre Camargo, professor da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. O especialista em censos demográficos e estatísticas públicas chama a atenção para essa mudança. Atualmente, os trabalhadores informais são contados separadamente, afim de monitorar a condição do emprego no país.

“Todo trabalho informal seria considerado como parte de um mesmo conceito de emprego, segundo gostaria o presidente. E a resistência técnica é muito grande em relação a isso”, insiste. De acordo com Camargo, isso representaria “uma manipulação da imagem”. Para o especialista, um censo que não faz distinção entre empregados formais e informais contribuiria para o mito de um “Brasil idílico”, partindo do princípio de que “não existe precarização do trabalho no Brasil e que, na realidade, o governo é eficaz”.

Dados raciais já serviram para “branquear a população”

Esse risco de maquiagem da realidade não é novo. Camargo, que estudou todos os Censos do país, enumera os episódios nos quais os dados compilados nem sempre retratavam o Brasil. Como em 1872, na primeira pesquisa, quando todos os brasileiros eram automaticamente catalogados como católicos, ou que todos os escravos eram listados como africanos, mesmo depois da abolição do tráfico e que muitos haviam nascido no país.

Outro exemplo é o da categorização por cor e raça, que durante muito tempo contribuiu para “branquear a população”, ao ponto de ser excluída das estatísticas. A questão racial “não foi contada no censo de 1920, que era o auge das ideias de eugenia no Brasil”, lembra o especialista. Este também foi o caso durante era Vargas, no censo de 1940, quando a dimensão racial “foi retirada para que a população aparecesse mais branca diante da conjuntura de guerra e do nazismo”, aponta Carmargo, de passagem por Paris como professor visitante da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais.

Empreendedorismo ou precarização?

No Brasil afetado pelo desemprego e precarização do trabalho, o empreendedorismo é a saída encontrada pelo governo e a grande mídia para mascarar a situação de informalidade e passar para os trabalhadores a responsabilidade de sair da crise criada pelo próprio governo. Segundo especialistas, essa tentativa busca eliminar a formalização do trabalho e privilegiar os patrões.

Welington Lavesman Ribeiro é dono de uma barraca onde vende açaí e frutas. Ele trabalha na rua em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Ele sabe que não é um empreendedor. “As pessoas confundem muito, entre ser um empreendedor e tirar uma lucratividade de um negócio e você trabalhar por uma situação complicada. Eu mesmo me considero como um autônomo liberal”, afirma.

Alguém que vende bolo na rua ou é motorista de aplicativo de celular não é empreendedor. Empreendedor não é o mesmo que trabalhador por conta própria, explica Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese.

“Tenta-se dar o conceito de empreendedor como se ele tivesse a opção de realizar uma atividade, um investimento. Na verdade, esse trabalhador está em um esforço muitas vezes descomunal, tomando a iniciativa para ter algum tipo de renda, e isso não tem nenhuma relação com o empreendedorismo”, afirma.

Com a crise econômica que já dura mais de quatro anos, e o desemprego atingindo mais de 12 milhões de pessoas, o desespero econômico faz com que muitos optem pelo trabalho autônomo, que é diferente de empreendedorismo.

“O empreendedor seria aquele que tem condições financeiras de ter um capital para que possa ampliar esse mesmo capital, ou seja, ampliar seus lucros, sua acumulação”, afirma a professora Cláudia Mazzei Nogueira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O conceito de empreendedor está sendo distorcido pelo governo e pela imprensa, afirma a professora, que atua no Núcleo de Estudos de Trabalho e Gênero da Unifesp. “Os interesses contrários à classe trabalhadora, ou seja, dos detentores de capital e do próprio Estado estão se sobressaindo ao que significa de fato a palavra. Estão cooptando a subjetividade de parcela da classe trabalhadora, prioritariamente aqueles que se encontram desempregados, dizendo da grande vantagem que existe em você ser entre aspas patrão de si mesmo”.

O governo Bolsonaro autorizou a formalização de motoristas de aplicativos na categoria MEI, a de Microempreendedor individual. Mas esse tipo de trabalho não é empreendedorismo para as fontes ouvidas pelo Seu Jornal. Essa é apenas uma nova forma de precarizar o trabalho. “Ele é um trabalhador muitas vezes disfarçado com uma subordinação econômica disfarçada, não é um assalariado clássico, não tem registro em carteira de trabalho, mas ele tem um empregador disfarçado que orienta, define, e paga o trabalho por ele realizado”, diz o diretor-técnico do Dieese.

Como o cenário atual não é capaz de encerrar a crise econômica, criar o mito do empreendedorismo é conveniente para governos que retiram direitos trabalhistas e não criam empregos. “O que se faz é tentar criar uma máscara para proteger aquela situação grave, classificando esse tipo de inserção como uma dimensão virtuosa, o empreendedor seria aquela pessoa que está de peito aberto procurando um tipo de atividade que não tem nada a ver com o conceito clássico de alguém que empreende para tentar desenvolver um negócio ou uma atividade econômica”, afirma Clemente.


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