25/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Tudo por amor

Publicado em 29/05/2015 12:00 -

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Quem acessa o site da ONG Abrigo dos Bi­chos, en­ti­dade de pro­teção animal em Campo Grande (MS), fi­cará sa­bendo que a missão da or­ga­ni­zação é “pre­servar a saúde pú­blica res­pei­tando a vida animal”. Para honrar o lema, há mais de dez anos o Abrigo reúne de­zenas de vo­lun­tá­rios com o fim de ga­rantir o bem estar de ani­mais fe­ridos e aban­do­nados, além de pro­mover a po­li­ti­zação das pes­soas di­ante da causa animal. É mais que um lugar onde sim­ples­mente se pro­move as­sis­tência ve­te­ri­nária a cães e gatos. Tornou-se um mo­vi­mento sério e ar­ti­cu­lado que so­mente no Fa­ce­book já reúne mais de 40 mil simpatizantes. Por trás de toda esta es­tru­tura está a ve­te­ri­nária Maria Lúcia Me­telo, que voltou à presidência da entidade nesta semana.

 

Por Denis Matos

Como a senhora começou a atuar na proteção dos animais?

Eu nasci protetora, sempre tive uma preocupação muito grande com os animais. Escolhi estudar Medicina Veterinária para ser mais focada nos animais. Desde os anos 80 eu queria fundar uma entidade, mas nunca dava certo.

Foi quando surgiu o Abrigo dos Bichos?

Exato. Um dia, em 2001, conversando com colegas veterinários dentro do Conselho Regional de Medicina Veterinária, identifiquei algumas pessoas que tinham esta mesma intenção. Fomos em busca de exemplos e visitei a Sociedade União Internacional Protetora dos Animais (Suipa), no Rio de Janeiro. Percebi que não queria a experiência da Suipa para mim, porque é uma situação infindável de recolhimento de animais, aquela briga eterna entre ONGs e o CCZ. Eu achava que deveríamos buscar um trabalho de parceria. A primeira pessoa que eu procurei, então, foi o então diretor do CCZ, que era meu colega de faculdade, para um trabalho em comum acordo. Convidamos pessoas do CCZ, do Conselho Regional de Veterinária, do Conselho Municipal de Veterinária e assim montamos um grupo.

Falta vontade política para a criação de um hospital veterinário público em Campo Grande. Em São Paulo já existem dois e um terceiro está em construção.

E qual é o objetivo da ONG?

Temos a missão de preservar a saúde pública respeitando a vida animal, ou seja, ajudando o poder público nesse quesito de saúde. O Abrigo dos Bichos nasceu com dois objetivos: evitar que os animais fiquem nas ruas, conscientizando a população, e evitar que animais domiciliados sejam maltratados. Alguns donos tem um pensamento arcaico, pensam que ao ser dono do animal pode fazer o que bem querer.

O Abrigo dos Bichos é visto por algumas pessoas como a última alternativa de socorro. É uma responsabilidade grande demais?

É difícil, especialmente devido ao fato de o Abrigo contar com poucos recursos e estrutura.

Como funciona o trabalho do Abrigo?

Nós fazemos uma espécie de “SUS animal” em parceria com clínicas veterinárias. Fazemos um acordo para uma tabela de preço mais barata, que chamamos de “tabela social”. Quando um animal de rua é atropelado ou abandonado em estado de alto risco de vida, nós o acolhemos e o encaminhamos para uma destas clinicas. Quando recebe alta ele é encaminhado para adoção ou, então, para um lar temporário, onde ficará à espera de um lar definitivo.

Como o Abrigo se mantém?

Basicamente com doações. Contamos com a parceria de algumas clínicas. Realizamos também eventos, feiras de adoção, sempre tentando buscar um lar para cães e gatos abandonados. Nós temos estatuto de Organização da Sociedade Civil e de Interesse Público (Oscip), justamente para buscar mais parcerias. Mas, a nossa maior necessidade é no atendimento emergencial em clínicas. O serviço do Abrigo é muito divulgado e a demanda está aumentando bastante. Por conta da demanda, precisamos de mais doações. Temos lares temporários e precisamos encaminhar a ração para estes lares, por exemplo. Nosso problema atual é recurso para pagar os custos com as clinicas.

Como as pessoas podem fazer doações ou trabalho voluntário no Abrigo dos Bichos?

Precisamos de dinheiro para comprar vermífugo, vacinas e para castrar animais em bairros carentes. Qualquer ajuda é muito bem vinda. Também precisamos de ajuda de voluntários nas ações. O contato pode ser feito pelo email [email protected] ou pela nossa página no Facebook

Qual sua opinião sobre o comércio de animais?

Nós somos contra, porque poucas pessoas são responsáveis neste meio. Os animais ficam trancafiados, as matrizes e reprodutores são maltratados. Precisamos de leis mais eficazes, fazer parceria com a Vigilância Sanitária para fiscalizar esses locais. Várias vezes somos chamados por denúncias de pessoas relatando animais mal acondicionados nas casas, embaixo da árvore e na cerca, tanto na chuva como no sol.

O Poder Público poderia custear um hospital veterinário?

Com certeza, falta vontade política. É muito mais fácil eles falarem: “Nós temos crianças, pessoas velhas para cuidar”. Em São Paulo há dois hospitais veterinários gratuitos e já estão indo para a construção do terceiro. Estive lá para aprender como é feito, porque precisamos disso. Deve ser feito e mantido pela Prefeitura em convênio com uma instituição.

Em 2014, uma lei proposta pelo vereador Eduardo Romero trouxe de volta  trânsito de carroças na cidade. Não há como controlar os maus tratos contra cavalos e mulas.

A legislação atual permite os carroceiros?

Isso é algo que nos decepciona. Desde 2004 nós estávamos em uma briga para acabar com carroças na cidade, por conta da situação dos cavalos, das mulas, mas somente em 2009 conseguimos. Porém, em 2014, houve uma lei proposta pelo vereador Eduardo Romero (PTdoB) que permitiu o trânsito de carroças na cidade. É um retrocesso muito grande, pois não há a possibilidade de fiscalizar esses carroceiros em respeito aos maus tratos aos animais. Por isso essa lei deve ser revogada e estaremos lutando contra isso.

A senhora acha importante a castração?

Importantíssima! Temos uma lei municipal que autoriza a Prefeitura a criar convênio com ONG’s, universidades, mas o problema é que o Poder Executivo não tem vontade. A castração é a medida indicada para fazer o controle populacional de animais de rua, ou seja, um preventivo para a própria saúde pública.

Ainda há muito preconceito com o tratamento da leishmaniose?

Até que não, a população está conscientizada quanto ao tratamento. O problema da leishmanionse é que o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina Veterinária, hoje, são foras da lei, porque hoje nós temos uma sentença judicial que permite o tratamento, mas eles não reconhecem, como se fossem acima da lei. Mas nosso advogado já interpelou judicialmente sobre esse posicionamento do Ministério da Saúde e do Conselho Federal.

Podemos afirmar que é possível tratar um cão com leishmaniose?

Com certeza. Muitos veterinários tratam os animais com muito sucesso. O poder público deveria se preocupar em eliminar o vetor da leishmaniose (o mosquito flebótomo), bem como promover campanhas de esclarecimento maciças na mídia sobre a importância da população manter seus quintais limpos e outros cuidados atinentes.

As redes sociais tem sido um espaço importante para este debate?

Sim. Ter maior alcance na divulgação das nossas ações e campanhas tem sido fundamental. Isso, para o Abrigo dos Bichos, foi muito benéfico. Muitos dos nossos voluntários souberam da nossa existência pelas mídias sociais, como o Facebook.

Há quem critique o trabalho dos protetores dos animais dizendo que estes poderiam estar cuidando de crianças. Como a senhora encara isso?

Eu apenas lamento este tipo de postura equivocada. Muitas destas pessoas não fazem nada e ainda criticam quem faz. Uma vez me recriminaram por isso. Expliquei à pessoa que eu defendo os animais e criei uma ONG por gostar de animais. Eu sou veterinária! Talvez, se eu tivesse feito medicina, hoje eu estaria cuidando de uma creche, de crianças. Mas eu perguntei a essa pessoa para quantas creches ela prestava assistência. Ela me disse que não ajudava creche alguma. Então eu respondi: “você quer que eu pare o meu serviço com os animais para fazer o seu trabalho?". Cada um na sua.

Quais são os projetos da ONG esse ano?

Temos que atender essas ações judiciais que temos na esfera superior, pelo direito ao tratamento da leishmaniose, pela suspensão da eutanásia e a revogação da portaria que proíbe o tratamento da doença. A ideia é dar seguimento a essas ações e fundar um hospital veterinário. Projetos de educação humanitária para conscientizar a população e castração para todo o estado de MS.

Qual recado você dá para quem quer ter um animal de estimação?

A primeira coisa que digo é: que goste do bicho, tenha consciência de que o animal vai envelhecer e terá gastos e cuidados. O animal precisa da ajuda do humano para se tratar, então é necessária a paixão pelo animal e muita compreensão.


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