Palavra do Editor
Publicado em 14/02/2014 12:00 -
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Fascista: o termo foi registrado pela primeira vez na língua portuguesa na década de 20, pelas páginas da revista “A Cigarra”, segundo o dicionário Houaiss. Era originário da Itália, onde, dois anos antes, Benito Mussolini fundava o movimento fascista – palavra derivada do italiano fascio, “liga, associação política e sindical”, herdeira do latim fascis, que significa “feixe, molho” e, por extensão, “grupo, ajuntamento”.
O dicionário etimológico de Douglas Harper faz piada com o verbete. Fascism: termo “aplicado a todo mundo desde o surgimento da internet”. É por aí. Na selva da rede digital e do vazio ideológico, direitistas classificam esquerdistas como fascistas e vice-versa.
Enquadrar o antagonista desta forma não é uma tática muito inteligente. É tão rasteira que deu origem à “lei de Godwin”, segundo a qual “à medida que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou nazismo aproxima-se de 100%”.
Na selva da rede digital e do vazio ideológico, direitistas classificam esquerdistas como fascistas e vice-versa.
Por exemplo. Nesta semana, na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro – cujas políticas de Estado tem fortes colorações fascistas – convocou seus apoiadores para uma “marcha contra o fascismo”, a ser realizada neste sábado, 15, para fazer frente às manifestações que sacodem o país (veja AQUI).
O fato é que o fascismo é um sistema de governo que – exaltando o nacionalismo, o estatismo, a unidade, valores comunitários e o uso da violência sistemática na busca por seus objetivos – carteliza o setor privado, planeja centralizadamente a economia subsidiando grandes empresários com boas conexões políticas, exalta o poder estatal como sendo a fonte de toda a ordem, nega direitos e liberdades fundamentais aos indivíduos e torna o poder executivo o senhor irrestrito da sociedade. Troque a palavra empresário por estatais e conseguirás identificar fascismo em totalitarismos de direita e esquerda.
Pois é. Os totalitarismos, sejam eles de direita ou de esquerda, comungam de muitas características do fascismo. Muitos adoradores da esquerda autoritária que se esgoelam pelo Facebook atribuindo a pecha de fascista a liberais não se tocam de que são eles, na verdade, os que mais se aproximam ideologicamente das ideias de Mussolini que, pouco depois, inspiraram o nazismo na década de 30.
Os totalitarismos, sejam eles de direita ou de esquerda, comungam de muitas características do fascismo.
Examinando a história da ascensão do Fascismo, John T. Flynn, em seu livro “As We Go Marching”, de 1944, escreveu:
“Um dos mais desconcertantes fenômenos do fascismo é a quase inacreditável colaboração entre homens da extrema-direita e da extrema-esquerda para a sua criação. Mas a explicação para este fenômeno aparentemente contraditório jaz na seguinte questão: tanto a direita quanto a esquerda juntaram forças em sua ânsia por mais regulamentação. As motivações, os argumentos, e as formas de expressão eram diferentes, mas todos possuíam um mesmo objetivo, a saber: o sistema econômico tinha de ser controlado em suas funções essenciais, e este controle teria de ser exercido pelos grupos produtores.”
No livro “Fascismo de esquerda”, o ensaísta americano Jonah Goldberg defende que os princípios do ditador italiano Benito Mussolini seguem presentes em protestos, discussões políticas e ações dos governos cujo impulso é calar liberdades individuais em nome da justiça social, da saúde pública ou de outro bem comum desenhado por técnicos e especialistas. Setores da esquerda, justamente os que têm o hábito de adjetivar adversários como “fascistas”, seriam os principais adeptos dessa nova expressão da ideologia.
Para Goldberg, isso acontece porque eles nutrem uma crença maior nos direitos e poderes do estado. “O que os une são seus impulsos emocionais ou instintivos, tais como a busca pelo ‘comunitário’, a exortação para se ir ‘além’ da política, uma fé na perfectibilidade do homem e na autoridade dos especialistas e uma obsessão com a estética da juventude, o culto da ação e a necessidade de um estado todo-poderoso para coordenar a sociedade no plano nacional ou global”, afirma.
Ano passado o articulista Rodrigo Constantino teve uma ideia brilhante para descobrir que políticos brasileiros seriam mais propensos a acatar ideias fascistas. Para isso, elaborou um questionário com base em “A Doutrina do Fascismo”, o manual ideológico publicado em 1932 por Benito Mussolini.
Omitindo referências à Itália e ao fascismo, Constantino expôs cinco afirmações ideológicas provenientes da obra à avaliação de 60 deputados federais.
As frases eram as seguintes:
1) Um homem se torna um homem apenas em virtude de sua contribuição à família, à sociedade e à nação.
2) Como um anti-individualista, acredito numa concepção de vida que destaca a importância do estado e aceita o indivíduo apenas quando seus interesses coincidem com os do estado.
3) O estado deve abranger tudo: fora dele valores espirituais ou humanos têm pouco valor.
4) O estado deve ser não apenas um criador de leis e instituições, mas um educador e provedor de vida espiritual. Deve ter como objetivo reformular não apenas a vida mas o seu conteúdo – o homem, sua personalidade, sua fé.
5) O estado deve educar os cidadãos à civilidade, torná-los conscientes de sua missão social, exortá-los à união; deve harmonizar interesses divergentes, transmitir às futuras gerações as conquistas da mente e da ciência, da arte, da lei e da solidariedade humana.
Os entrevistados atribuíram escalas de 0 (discordo totalmente) a 4 (concordo totalmente) às afirmações. O resultado? As ideias fascistas tiveram menos discordância entre os políticos de esquerda. No topo da aceitação das frases, o deputado Jair Bolsonaro foi o único à direita, dividindo espaço com colegas que frequentemente o classificam como fascista.
Confira o resultado
Deputados mais favoráveis às afirmações de Mussolini
Oziel Oliveira (PDT-BA) 14
Jair Bolsonaro (PP-RJ) 12
Vander Loubet (PT-MS) 10
Alexandre Roso (PSB-RS), Beto Faro (PT-PA), Cândido Vaccarezza (PT-SP), Dalva Figueiredo (PT-AP), Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), Flávia Morais (PDT-GO), Francisco Praciano (PT-AM), José Airton (PT-CE), Miguel Corrêa (PT-MG) 09
OBS: A soma 20 indica total concordância; 10, a neutralidade; 0 a total discordância.
Deputados menos favoráveis às afirmações de Mussolini
Lael Varella (DEM-MG), Betinho Rosado (DEM-RN) 00
Augusto Coutinho (DEM-PE), Luiz de Deus (DEM-BA), Otavio Leite, (PSDB-RJ) 01
Alexandre Leite (DEM-SP), Márcio Bittar (PSDB-AC), Marco Tebaldi, (PSDB-SC) 02
Valdivino de Oliveira (PSDB-GO), Pinto Itamaraty (PSDB-MA), Valadares Filho (PSB-SE), Almeida Lima (PPS-SE) 03
Carlos Zarattini (PT-SP), Fernando Coelho Filho (PSB-PE) 04
OBS: A soma 20 indica total concordância; 10, a neutralidade; 0 a total discordância.
Aceitação das frases por partido
PCdoB 8,33
PT 7
PDT 6,9
PSB 5,38
PSDB 2,2
DEM 0,8
OBS: A soma 20 indica total concordância; 10, a neutralidade; 0 a total discordância.
Diversos deputados concordaram efusivamente com trechos do manual do ditador italiano. Diante da primeira frase (“Um homem se torna um homem apenas em virtude de sua contribuição à família, à sociedade e à nação”), apenas nove deputados afirmaram discordar completamente. Vinte e dois se disseram neutros. Já Cândido Vaccarezza (PT-SP), Francisco Praciano (PT-AM), Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), Oziel Oliveira (PDT-BA) e Jair Bolsonaro (PP-RJ) concordaram totalmente.
Diversos deputados federais concordaram efusivamente com trechos do manual do ditador italiano.
Também teve um bom número opiniões favoráveis a afirmação “Como um anti-individualista, acredito numa concepção de vida que destaca a importância do estado e aceita o indivíduo apenas quando seus interesses coincidem com os do estado”. Os deputados Assis Melo (PCdoB-RS), Domingos Dutra (PT-MA), José Airton (PT-CE), Perpétua Almeida (PCdoB-AC), Vander Loubet (PT-MS) e Oziel Oliveira (PDT-BA) concordaram totalmente com a ideia fascista do indivíduo como mera engrenagem do Estado.
O trecho de A Doutrina do Fascismo que mais teve apoiadores foi o último do questionário. Catorze deputados concordaram com ele.
São eles: Abelardo Camarinha (PSB-SP), Alexandre Molon (PT-RJ), Alexandre Roso (PSB-RS), Anselmo de Jesus (PT-RO), Beto Faro (PT-PA), Dalva Figueiredo (PT-AP), Flávia Morais (PDT-GO), Jair Bolsonaro (PP-RJ), Miguel Corrêa (PT-MG), Oziel Oliveira (PDT-BA), Sandra Rosado (PSB-RN), Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), Valmir Assunção (PT-BA), Vicentinho (PT-SP).
Pois é…
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