24/04/2024 - Edição 540

Poder

Busca por imunidade escancara medo de Bolsonaro de parar atrás das grades

Publicado em 05/08/2022 12:00 -

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O nó do novo dilema que assedia a democracia brasileira não é o medo de Bolsonaro de ser preso. A questão é saber como as instituições reagirão à tentativa do presidente de obter uma imunidade preventiva caso se confirme sua derrota nas eleições presidenciais. Prepostos de Bolsonaro percorrem os bastidores de Brasília como patrocinadores de articulação malcheirosa para obter uma solução qualquer que ofereça ao presidente uma garantia de impunidade que consolidaria o Brasil como uma reles subdemocracia a caminho do naufrágio.

A ponta do iceberg foi exposta publicamente numa entrevista do ministro das Comunicações, Fábio Faria, ao Globo. Foi publicada em 28 de julho. Indagado sobre a reiteração dos ataques de Bolsonaro a ministros do Supremo e ao sistema eleitoral, o ministro previu uma "solução pacífica" para a crise neste mês de agosto. Segundo ele, a pacificação nasceria de uma "discussão entre o presidente do TSE (leia-se Alexandre de Moraes) e o presidente da República".

Na previsão de Fabio Faria, o entendimento viria antes do feriado de 7 de Setembro. Foi como se o ministro informasse que, havendo um acordo, Bolsonaro pararia de rosnar para o feriado nacional como um cachorro louco. O nome disso é chantagem. Simultaneamente, a Procuradoria do antiprocurador Augusto Aras pede ao Supremo que arquive os pedidos de inquérito da CPI da Covid contra Bolsonaro. Isso também tem nome. Chama-se conivência. Ou prevaricação.

De repente, ressurge do nada no Congresso a proposta marota de presentear os ex-presidentes da República com cadeiras vitalícias no Senado, com direito a imunidade. Isso evitaria que Bolsonaro, sem mandato, fosse enviado para a cadeia por um juiz de primeira instância, como aconteceu com Michel Temer. A iniciativa traz as digitais do centrão —o mesmo grupo que se lambuzou no mensalão e no petrolão, antes de enfiar os dedos no melado do orçamento secreto.

Essa gente representa os valores mais tradicionais da política brasileira: o acobertamento, o compadrio, o patrimonialismo, o fisiologismo… Ao tentar pavimentar um futuro tranquilo para Bolsonaro, o centrão ensaia o desembarque. O capitão iria para o Senado, o centrão flertaria com o novo governo, e a democracia brasileira continuaria no brejo.

Eleição presidencial tem um preso, um ex-preso e um que teme ser preso

Roberto Jefferson (PTB-RJ) teve sua candidatura oficializada à Presidência da República, sem a sua presença – ele está em prisão domiciliar. O ex-deputado é alvo de inquérito no STF sobre milícias digitais que atentam contra a democracia. Com isso, neste momento, o Brasil tem um preso candidato, um ex-preso (Lula) e um que teme ser preso (Bolsonaro).

Segundo o deputado federal Daniel "Surra de Gato Morto" Silveira (PTB-RJ), a candidatura de Bob Jeff será de apoio à do atual presidente. Ou seja, ele vai servir para falar o que o presidente não pode dizer contra ministros do STF. A premissa é questionável porque Jair nunca se furtou a proclamar o que pensa das instituições e da democracia. Em tese, ele está inelegível por conta de uma condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Então, da mesma forma que a Justiça Eleitoral terá que avaliar se valida ou não a candidatura de Silveira, condenado por ameaças ao STF e que recebeu um perdão presidencial, também analisará a de Jefferson.

O mais provável é que ela seja invalidada, mas até lá, servirá de linha auxiliar para Bolsonaro.

O candidato que já foi preso

Roberto Jefferson já foi base do governo Lula, tendo sido delator do mensalão em 2005. Até ter sua candidatura julgada pela Justiça, ele é adversário do petista – que ficou preso por 580 dias (de abril de 2018 a novembro de 2019) na carceragem da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

Em abril de 2020, por 8 votos a 3, o plenário do Supremo Tribunal Federal considerou a 13ª Vara Federal de Curitiba incompetente para julgar os casos envolvendo o ex-presidente Lula, anulando as suas condenações sobre o tríplex no Guarujá e o sítio em Atibaia.

E, em junho do ano passado, o pleno declarou, por 7 votos a 4, a parcialidade do então juiz federal Sergio Moro na condução do processo do tríplex, confirmando a decisão da Segunda Turma do STF – tomada em março. Com isso, acabaram sendo também anuladas as evidências colhidas no processo e a decisão foi estendida para o caso do sítio.

A defesa de Lula apontou como provas de que Moro foi parcial intercepções telefônicas feitas e divulgadas de forma ilegal, o grampo ao escritório de advogados do petista, a determinação da condução coercitiva sem nem ter intimado o ex-presidente a depor, por exemplo.

Também juntou ao processo os diálogos revelados originalmente pela Vaza Jato, a série de reportagens do The Intercept Brasil e de outros veículos de imprensa mostrando uma relação promíscua entre Moro e a força tarefa de procuradores da Lava Jato. E, por fim, argumentou que o ex-juiz retirou Lula da corrida eleitoral em 2018 e, depois, se tornou ministro do principal beneficiado, Bolsonaro.

O candidato que teme ser preso

O atual presidente, por sua vez, teme ser preso caso perca a eleição. Não só isso, mas também que um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), responsável por sua comunicação digital, siga o mesmo caminho.

E esse medo não é de hoje, mas há algum tempo aliados do governo vêm buscando formas de protegê-lo caso o "mito" perca o mandato e, com isso, o foro privilegiado.

Daí, ressurgem ideias estapafúrdias, como garantir um cargo de senador vitalício a ele ou tentar fazer um acordão, com Supremo, com tudo, para que ele não vá para o xilindró por decisão de algum juiz de primeira instância se voltar a morar no condomínio Vivendas da Barra.

Durante visita a Orlando, nos Estados Unidos, no dia 11 de junho, Bolsonaro se comparou novamente à ex-presidente da Bolívia, Jeanine Añes, condenada por um golpe de Estado em 2019. Ela estava presa há 15 meses e sendo julgada junto com ex-chefes militares.

Ele poderia ter se comparado a qualquer estadista com grandes feitos. Preferiu uma pessoa acusada e sentenciada por golpe de Estado. "A turma dela perdeu, voltou a turma do Evo Morales. O que aconteceu um ano atrás? Ela foi presa preventivamente. E agora foi confirmado dez anos de cadeia para ela", disse.

E foi além: "Qual a acusação? Atos antidemocráticos. Alguém faz alguma correlação com Alexandre de Moraes e os inquéritos por atos antidemocráticos? Ou seja, é uma ameaça para mim quando deixar o governo?"

Alguém que já deixou claro que não irá aceitar o resultado das urnas se elas não o apontarem como vencedor, e, para isso, inventa mentiras sobre o sistema eletrônico de votação, é que precisaria responder se vai tumultuar o país durante e depois das eleições. Pergunta retórica, claro, pois ele vai.

Bolsonaro cita os atos antidemocráticos, alvos de uma investigação em trâmite no Supremo Tribunal Federal que está nas mãos da pessoa na República que ele mais teme, o ministro Alexandre de Moraes. Mas sabe que uma ação decorrente disso não seria a única que teria que enfrentar ao deixar o cargo. Daí, o medo de deixá-lo.

Há também acusações de desvios de recursos de seu gabinete quando parlamentar (as chamadas "rachadinhas"), de sabotagem ao combate à covid-19, de ataques às instituições e ao regime democrático ou de qualquer um dos casos de superfaturamento ou pedidos de propina que pipocaram em seu governo. Como o dos pastores do ouro, próximos a ele, que cobraram pedágio no Ministério da Educação.

Para não ter o mesmo destino de Lula e Michel Temer, preso duas vezes, Bolsonaro é capaz de muita coisa. Até rachar a democracia.


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