29/03/2024 - Edição 540

Especial

Mundo reage ao golpismo bolsonarista

Publicado em 22/07/2022 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Jair Bolsonaro só consegue montar um espetáculo de horror, contando mentiras sobre o sistema eleitoral e fazendo ameaças à democracia para uma plateia de embaixadores em um ato de campanha em pleno Palácio do Planalto porque sabe que há aliados protegendo sua retaguarda. Para além de membros da cúpula das Forças Armadas, do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do procurador-geral da República, Augusto Aras, esse sistema inclui o pacote de partidos que estão ao seu lado na empreitada da reeleição. Todos cúmplices, do que está acontecendo e do que pode acontecer.

Diante disso, a pergunta é se PL, PP, Republicanos e PTB não acreditam na possibilidade de passarem para a História como a Coligação do Golpismo, não se importam com isso ou, pior, gostam da ideia.

Cada um com seu papel: as Forças Armadas corroboram a narrativa golpista das urnas eletrônicas, Lira segurou dezenas de pedidos de impeachment quando havia tempo hábil para analisá-los, Aras procurou proteger o presidente de denúncias criminais e o centrão mantém seu apoio a soldo.

Não importa que, diariamente, surjam na imprensa notas afirmando que membros desses quatro partidos estão insatisfeitos, irritados, amuados, indignados, muxoxos, cabisbaixos, cansados, zangados, esgotados diante das atitudes golpistas de Bolsonaro que, na opinião deles, não ajudaria na corrida eleitoral. Ou que reclamem que Jair raramente segue as orientações dadas por eles para deixar de lado a guerra e se focar nas realizações de seu governo (sic).

Se continuam ao seu lado, e sem uma condenação pública de tais atitudes, são parceiros das aberrações ditas pelo presidente. Não vimos as lideranças dos partidos vindo a público para lastimar o show de horror aos embaixadores. Será que se divertiram a portas fechadas com a repercussão do discurso? Ligaram para Bolsonaro para parabenizá-lo como fazem os puxa-sacos?

Para o centrão, aninhado nesses partidos, a sobrevivência de Jair significa que continuará a ter um presidente no cabresto, garantindo recursos bilionários para as suas necessidades políticas e fisiológicas sob o risco de retirar o apoio, cassação de mandato e, daí, prisão.

Parte deles acredita que Bolsonaro rosna, mas não morde, tratando o caso como bravata. Outra não se importa se ele morder na campanha, contanto que ganhe. E há aquela que torce para que morda bem fundo porque concorda que democracia é algo supervalorizado.

Enquanto o presidente ameaçava embrulhar peixe com as páginas da Constituição Federal nos últimos anos, o Congresso Nacional aproveitou para tocar boiadas ambientais, trabalhistas, eleitorais. Ou seja, Nero põe fogo na urbe e os representantes do povo atuam pela redução do patrimônio natural do país e da dignidade do trabalhador a cinzas. E, claro, agem para cruzar o Rubicão do bom senso, com aberrações como compras superfaturadas e orçamento secreto.

O que os líderes do centrão na Câmara sempre quiseram é um Bolsonaro fraco o bastante para continuar sendo o seu poodle, mas que não se veja totalmente encurralado, sob o risco de se tornar incontrolável – o que seria péssimo para os negócios. Não apenas para o comércio de emendas e cargos, mas também para os toques de boiadas legais e infralegais. Então, permitirá todo esse tempo que o menino Jair brincasse com o país. O problema é que, a pouco mais de dois meses das eleições, ele está quebrando instituições. E se tiver que rachar a democracia para permanecer no poder, rachará.

Ninguém aplica um golpe de Estado sozinho. A História tem um cantinho especial para os nomes daqueles que se omitiram, sendo sócios na empreitada. Pois "desembarcar" no dia D, na hora H será tarde demais. Se ela vai registrar o nome de membros de partidos políticos, de um procurador-geral da República e de um presidente da Câmara dos Deputados, da cúpula das Forças Armadas, no canto da vergonha dos livros didáticos daqui a alguns anos, depende só deles.

Movimentos sociais vão aos EUA denunciar golpismo

Representantes de 18 movimentos sociais brasileiros planejam partir para Washington, capital dos Estados Unidos, para alertar deputados, senadores e entidades da sociedade civil estadunidense sobre as ameaças enfrentadas pelo sistema eleitoral brasileiro no pleito de 2022. A comitiva busca garantir o apoio estadunidense ao vencedor nas eleições, seja ele qual for.

A iniciativa partiu do presidente da Washington Brazil Office, Paulo Abrão, que teme no Brasil algum episódio semelhante à invasão do Capitólio após a derrota de Donald Trump em 2021. “O mundo inteiro acompanha com atenção as eleições presidenciais de 2022 do Brasil. Nos EUA, há uma sensibilidade ainda maior, por causa das tentativas de subversão do processo eleitoral americano”, declarou.

No Senado estadunidense, o grupo, que inclui líderes de entidades de defesa dos direitos da população LGBT+, dos indígenas, de pessoas negras, de proteção ambiental, entre outras causas, planeja se reunir com o senador Bernie Sanders, uma das principais lideranças do Partido Democrata, legenda do atual presidente Joe Biden.

A comitiva ainda tem agenda marcada com a cúpula do Departamento de Estado, órgão estadunidense equivalente ao Ministério das Relações Exteriores; bem como com a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados em Washington. Embaixadores de diversos países também deverão receber o grupo, que ficará na capital entre os dias 24 e 29.

James Green, presidente do Conselho de Diretores do Washington Brazil Office, ressalta a importância de um alerta internacional vindo da sociedade civil. “É importante que esses representantes da sociedade civil brasileira sejam ouvidos em primeira mão, pessoalmente, sem intermediários, porque são eles, afinal, os protagonistas de muitas das violações de direitos humanos vividas no Brasil”.

Eleições no Brasil são modelo, diz embaixada dos EUA

A Embaixada dos Estados Unidos em Brasília divulgou um comunicado no último dia 19 afirmando que as eleições brasileiras são um modelo para o mundo e que os americanos confiam na força das instituições do Brasil.

A nota foi publicada um dia após o presidente Jair Bolsonaro reunir diplomatas estrangeiros no Palácio da Alvorada para repetir teorias já refutadas, colocando em dúvida o sistema de votação brasileiro. No evento, realizado a menos de três meses do primeiro turno das eleições, Bolsonaro fez uma apresentação de mentiras sobre o sistema eleitoral, atacou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e exaltou um suposto papel das Forças Armadas na avaliação do processo eleitoral.

"As eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo", afirma a representação diplomática americana. 

"Os Estados Unidos confiam na força das instituições democráticas brasileiras. O país tem um forte histórico de eleições livres e justas, com transparência e altos níveis de participação dos eleitores", diz o texto.

A nota ressaltou ainda que Washington está confiante de que as eleições de 2022 vão refletir a "vontade do eleitorado" e que as instituições brasileiras continuam demonstrando "profundo compromisso com a democracia".

"À medida que os brasileiros confiam em seu sistema eleitoral, o Brasil mostrará ao mundo, mais uma vez, a força duradoura de sua democracia", conclui.

Esta não foi a primeira vez que representantes do governo americano expressam confiança no sistema eleitoral brasileiro. Em maio, a agência de notícia Reuters revelou que o diretor da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) disse a ministros do governo brasileiro que o presidente Jair Bolsonaro deveria parar de lançar dúvidas sobre o sistema de votação do país, durante um encontro em julho do ano passado.

Durante sua apresentação aos embaixadores, Bolsonaro tentou deslegitimar a autoridade do TSE para organizar as eleições e atacou nominalmente os ministros Luís Roberto Barroso, que presidiu a Corte até fevereiro, Edson Fachin, que atualmente comanda o tribunal, e Alexandre de Mores, que assumirá a presidência do TSE em 16 de agosto. Segundo Bolsonaro, os três "querem trazer instabilidade" ao Brasil ao não aceitarem as "sugestões das Forças Armadas" sobre a urna eletrônica.

O presidente também criticou o TSE por ter determinado que redes sociais desmonetizassem páginas e canais que disseminam notícias falsas e por "cassarem um deputado por fake news" – em referência ao deputado estadual pelo Paraná Fernando Francischini, cassado por disseminar em 2018 que teria havia fraude no cômputo de votos de modo a impedir a eleição de Bolsonaro como presidente, em decisão confirmada pelo Supremo.

No último dia 19, um grupo de nove deputados da oposição pediu ao STF que autorize uma investigação contra Bolsonaro pelos seus ataques ao sistema eleitoral. "Não pode o representado usar do cargo de presidente da República para subverter e atacar a ordem democrática, buscando criar verdadeiro caos no país e desestabilizar as instituições públicas", diz o documento enviado ao STF.

No mesmo dia, um grupo de 43 procuradores dos direitos do cidadão em todo o país enviou à Procuradoria-Geral da República uma "notícia de ilícito eleitoral" contra Bolsonaro, com o objetivo de pressionar Aras a investigar o presidente pelo "ataque explícito ao sistema eleitoral, com inverdades contra a estrutura do Poder Judiciário Eleitoral e a democracia".

Embaixada europeia diz que Bolsonaro mentiu e fez "declarações perigosas"

Uma das representações diplomáticas que participou da enviou relatório ao seu governo apontando "declarações perigosas" do presidente. As informações são da CNN Brasil, que teve acesso ao relatório. 

Segundo a emissora, que não divulgou de qual país é a embaixada, trata-se de uma representação diplomática europeia, que transcreveu no relatório trechos das falas de Bolsonaro e alertou que as declarações do presidente "indicam ações imprevisíveis"

“Essas declarações são perigosas porque indicam ações imprevisíveis (…)  O presidente pretende gerar a sensação de que é vítima de um sistema corrupto e que sua luta é pela legalidade e transparência das eleições”, diz a embaixada. 

Em outro trecho, o relatório dá conta de que o presidente mentiu quando mencionou vídeos de eleitores tentando votar nele e não conseguindo nas eleições de 2018. A representação diplomática destaca que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já desmentiu essa informação. 

Imprensa estrangeira vê Bolsonaro repetir roteiro de Trump

Veículos da imprensa internacional que cobriram a apresentação feita pelo presidente destacaram similaridades entre o comportamento do líder brasileiro com o do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Assim como Bolsonaro, Trump também disseminava suspeitas sobre a votação na eleição americana de 2020, e alegou que seu adversário, Joe Biden, teria sido beneficiado por "fraudes" no processo. Trump não reconheceu sua derrota e usou o argumento de que as eleições haviam sido fraudadas para insuflar seus apoiadores, que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

Ao noticiar sobre a reunião de Bolsonaro com os diplomatas, o jornal americano New York Times afirmou que a apresentação do brasileiro foi uma "prévia potencial de sua estratégia para uma eleição daqui a 75 dias e para a qual as pesquisas preveem que ele perderá por grande margem".

"Muitos diplomatas presentes ao evento foram impactados pela apresentação, inclusive pela sugestão de Bolsonaro de que a forma para garantir eleições seguras seria com um envolvimento mais intenso dos militares brasileiros […] Esses diplomatas se preocuparam que Bolsonaro esteja criando os fundamentos para uma tentativa de questionar o resultado das urnas, se perder."

"Bolsonaro parece estar aderindo ao esquema do ex-presidente Donald Trump […] parece estar desacreditando a votação antes que ela se realize, num suposto esforço para aumentar sua confiabilidade e transparência", analisou o jornal nova-iorquino.

O britânico The Guardian também lembrou em sua cobertura sobre o evento que Bolsonaro era um apoiador de Trump, e que já havia tentado aprovar um projeto de lei que determinasse o retorno ao voto impresso, rejeitado pela Câmara.

"A decisão de Bolsonaro de intensificar suas críticas [ao processo eleitoral] perante um público internacional pode estar ligada à seu mau desempenho nas pesquisas. A maioria delas dá ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma vantagem de dois dígitos, e seus apoiadores estão otimistas de que ele poderia até vencer no primeiro turno".

A revista alemã Der Spiegel foi outra publicação que fez paralelos entre o brasileiro e o ex-presidente americano. "De forma repetida, Bolsonaro dissemina dúvidas sobre a confiabilidade do sistema de votação. No ano passado, ele não conseguiu aprovar uma reforma. Como o ex-presidente dos EUA Donald Trump, Bolsonaro faz alertas de possível manipulação, sem provas. Ele exige, por exemplo, que os votos sejam também registrados em papel impresso – do contrário não reconheceria o resultado da eleição em outubro", escreveu o veículo.

A agência de notícias americana Bloomberg, por sua vez, registrou que Bolsonaro, ao dizer que as urnas eletrônicas do Brasil estão sujeitas a fraudes, repetia "teorias da conspiração antigas e desmentidas sobre a segurança do sistema que o Brasil vem usando há mais de duas décadas".

A agência de notícias internacional Reuters afirmou que Bolsonaro é "um nacionalista de extrema direita que diz que seu governo tem como exemplo o de Donald Trump", que "ecoou as alegações sem provas de fraude feitas pelo ex-líder dos EUA nas eleições americanas de 2020".

"Ele vem questionando de forma repetida as urnas eletrônicas do Brasil, alegando, sem provas, que elas são suscetíveis a fraudes, o que desperta o receio que possa se recusar a admitir uma derrota, como fez Trump em 2020", escreveu a Reuters.

TSE responde a ataques de Bolsonaro

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) respondeu a 20 declarações feitas pelo presidente questionando o sistema eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas.

Entre as acusações feitas por Bolsonaro, uma delas diz respeito a uma invasão no sistema do Tribunal. "Segundo o TSE, os hackers ficaram por oito meses dentro do computador do TSE, com código-fonte, senhas —muito à vontade dentro do TSE. E (a Polícia Federal) diz, ao longo do inquérito, que eles poderiam alterar nome de candidatos, tirar voto de um e mandar para o outro", disse o presidente.

Em resposta, o Tribunal reiterou que o “ataque realizado em 2018 não violou a segurança das urnas, colocou em risco sistema de votação ou desviou votos de uma urna para a outra”, ressaltando ainda que a “urna não pode ser manipulada via internet”.  

“Cabe reiterar que as urnas eletrônicas jamais entram em rede. Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração. Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições”, já havia dito o TSE, em nota, em agosto de 2021. 

O delegado responsável pela investigação do ataque cibernético, Victor Neves Feitosa Campos, já havia dito em depoimento à Polícia Federal não ter encontrado indícios de que a ação pudesse ter resultado em algum tipo de manipulação de votos, fraude ou atingido a integridade das urnas eletrônicas. 

Urna não completa votos sozinha 

Bolsonaro também repetiu mais uma vez a circulação de fake news sobre urnas completariam os votos sozinhas. A desinformação é baseada em um vídeo que circulou em 2018, após a realização do primeiro turno das eleições, e que foi constatado ser falso. 

“Avaliação de peritos em edição comprova que o vídeo é falso. Verificam-se cortes no filme, que confirmam que houve montagem. Além disso, no momento em que o primeiro número é apertado, o teclado da urna não aparece por completo, o que sugere que outra pessoa teria digitado o restante do voto. É possível, ainda, constatar, no programa de edição, o ruído de dois cliques simultâneos, o que reforça essa tese”, já postava o Tribunal em outubro daquele ano. “É importante enfatizar que não existe a possibilidade de a urna autocompletar o voto do eleitor, e isso pode ser comprovado pela auditoria de votação paralela.” 

O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Minas Gerais publicou um vídeo explicando como foi feita a edição e a montagem. 

Totalização dos votos do sistema eletrônico 

No encontro, Bolsonaro apontou, como já havia feito em outras oportunidades, que a totalização dos votos das eleições seria feita pela Oracle. A empresa é responsável pela manutenção do equipamento físico que fica em uma sala-cofre do TSE, mas o Tribunal destaca que dados referentes às eleições são processados por um sistema interno da Corte. 

“O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) esclarece ser falsa a informação que circula em redes sociais afirmando que o supercomputador empregado para totalizar os votos na eleição, ou seja, que soma os votos enviados por todo o país, é um serviço de nuvem, e não um computador físico”, já havia respondido o Tribunal, em postagem feita em agosto de 2020. 

Após a finalização da votação nas seções, “os dados são assinados digitalmente, gravados em uma mídia de resultado destacando-se que o boletim de urna (BU) além de assinado é também criptografado”, como explica o site do TSE. “Depois as mídias de resultado são encaminhadas ao local próprio para transmissão. No caso das localidades de difícil acesso, como aldeias indígenas e certas comunidades ribeirinhas, a transmissão é feita via satélite para o respectivo Tribunal ou zona.” 

“Depois de receber os dados, os TREs dão início ao procedimento de totalização dos votos (soma de todos os boletins de urna) e, em seguida, à divulgação dos resultados”, conclui o Tribunal. 

Para conferir todas as respostas do TSE a Bolsonaro, acesse este fio no Twitter

O presidente do TSE, Edson Fachin, reagiu de forma mais dura. Sem citar nomes, o ministro afirmou que quem ataca a eleição, divulgando informações falsas sobre o sistema eletrônico, “semeia a antidemocracia”.

“Mais uma vez a Justiça Eleitoral e seus representantes máximos são atacados com acusações de fraude, ou seja, uso de má fé. Ainda mais grave, é o envolvimento da política internacional e também das Forças Armadas, cujo relevante papel constitucional a ninguém cabe negar como instituições nacionais, regulares e permanentes do Estado, e não de um governo”, disse Fachin, durante evento da Orem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná. “É hora de dizer basta à desinformação e ao populismo autoritário que coloca em xeque a Constituição de 1988”, acrescentou o ministro.

Ainda sem falar o nome do presidente, Fachin falou da existência de “negacionismo eleitoral” no país. “Há um inaceitável negacionismo eleitoral por parte de uma personalidade importante dentro de um país democrático, e é muito grave a acusação de fraude a uma instituição, mais uma vez, sem apresentar provas. As entidades representativas como a OAB e a própria sociedade civil precisam fazer sua parte na garantia de que a democracia seja preservada”, afirmou, pedindo união da sociedade contra esse tipo de ataque.

Instituições e sociedade civil também reagem

Um grupo de nove deputados da oposição pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que autorize uma investigação contra o presidente Jair Bolsonaro. "Não pode o representado usar do cargo de presidente da República para subverter e atacar a ordem democrática, buscando criar verdadeiro caos no país e desestabilizar as instituições públicas", diz o documento enviado ao STF.

Para os deputados – entre eles nomes do PT, PSOL, Rede, PCdoB, PDT, PSB e PV –, Bolsonaro cometeu improbidade administrativa, propaganda eleitoral antecipada, abuso de poder político e econômico e crime contra o Estado democrático, uma vez que, no encontro, utilizou o próprio cargo e recursos públicos, como a estrutura do Palácio da Alvorada e da TV Brasil, que transmitiu ao vivo a reunião.

"Entramos no STF contra o presidente, uma notícia crime, pelas barbaridades, pelas violências e pelos ataques que ele fez ontem", afirmou deputado federal Alencar Santana (PT).

A queixa alega que "o presidente da República voltou a questionar a lisura do processo eleitoral brasileiro, de uma forma ainda mais agressiva e chocante, o que expõe seriamente a imagem do Brasil no cenário internacional, significando grave ameaça ao Estado democrático de direito, pois afronta a soberania popular a depender do possível resultado do pleito de 2022".

Cabe ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem agido de forma alinhada a Bolsonaro, decidir se há elementos para fazer uma denúncia formal contra o presidente, e ao Ministério Público Eleitoral se apresenta denúncia por crime eleitoral.

No último dia 18, o YouTube tirou do ar uma live de Bolsonaro de julho de 2021, em que já defendia, em parte, os argumentos apresentados aos embaixadores.

Um grupo de 43 procuradores dos direitos do cidadão em todo o país enviou à Procuradoria-Geral da República uma "notícia de ilícito eleitoral" contra Bolsonaro, com o objetivo de pressionar Aras a investigar o presidente pelo "ataque explícito ao sistema eleitoral, com inverdades contra a estrutura do Poder Judiciário Eleitoral e a democracia".

"A conduta do presidente da República afronta e avilta a liberdade democrática, com claro propósito de desestabilizar e desacreditar o processo e as instituições eleitorais e, nesse contexto, encerra, em tese, a prática de ilícitos eleitorais decorrentes do abuso de poder", afirma o documento.

Duas associações de membros do Ministério Público também divulgaram notas para reafirmar a confiança no sistema eleitoral e rechaçar os ataques de Bolsonaro à urna eletrônica.

"O sistema de votação e apuração das eleições hoje vigente é fruto de decisão soberana do povo brasileiro, expressada por meio do Congresso Nacional, e reiteradamente testada, sem vícios. Assim, o atentado em curso ao processo democrático é uma afronta ao país e aos seus cidadãos", afirmou a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Já a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) disse que a urna eletrônica passa por constante fiscalização pelo Ministério Público Eleitoral e "jamais teve contra si qualquer comprovação ou sequer indício que sustente dúvida quanto a sua eficiência e lisura". 

Servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também divulgaram uma nota de apoio ao sistema de votação do país, expressando "confiança na lisura do processo eleitoral brasileiro" e frisando não haver "qualquer registro de fraude nas urnas eletrônicas desde a implantação do atual sistema", há 26 anos.

Assinado pela União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Abin (Intelis), o comunicado ressalta que os servidores reforçam compromisso com "o Estado Democrático de Direito, a Constituição da República e o respeito irrestrito e inegociável aos direitos e garantias dos cidadãos".

O documento destaca que os profissionais de inteligência prestam "apoio técnico especializado" à Justiça Eleitoral no fornecimento e na implementação dos sistemas de criptografia que garantem a segurança, o sigilo e a inviolabilidade dos programas e dos dados das urnas eletrônicas utilizadas no Brasil.

O presidente do Senado Federal Rodrigo Pacheco (PSD-MG) defendeu a lisura das urnas eletrônicas. Segundo Pacheco, o sistema “não podem mais ser colocadas em dúvida”.

“Uma democracia forte se faz com respeito ao contraditório e à divergência, independentemente do tema. Mas há obviedades e questões superadas, inclusive já assimiladas pela sociedade brasileira, que não mais admitem discussão. A segurança das urnas eletrônicas e a lisura do processo eleitoral não podem mais ser colocadas em dúvida”, divulgou Pacheco.

O presidente da Casa Alta também disse que não há razão para os questionamentos ao sistema eleitoral, que classificou como “ruins para o Brasil sob todos os aspectos”. Pacheco ressaltou que o Congresso “tem obrigação de afirmar à população que as urnas eletrônicas darão ao país o resultado fiel da vontade do povo, seja qual for”.

Diplomatas brasileiros enterram tese de Bolsonaro e defendem urnas

Em um gesto raro, diplomatas brasileiros refutam o discurso do presidente brasileiro e rejeitam a tese de que a eleição no país possa ser alvo de uma fraude a partir do atual modelo usado. O Itamaraty tentou evitar que a reunião fosse realizada, enquanto diplomatas estrangeiros criticaram o fato de terem sido usados pelo presidente para fortalecer sua base mais radical.

Numa nota pública, a Associação de Diplomatas Brasileiros (ADB) deixou claro que não compartilha das teses do presidente. "A ADB reitera sua plena confiança na justiça eleitoral brasileira e no sistema eletrônico de votação do país", afirmou a entidade, que reúne embaixadores e diplomatas de diferentes escalões.

No texto, o grupo deixa claro que o sistema passou a ser modelo para diversos países. "Desde sua implantação, em 1996, o sistema brasileiro de votação eletrônica é objeto de reiteradas demandas de cooperação internacional de transferência de conhecimento e tecnologia", disseram os diplomatas brasileiros, num ato claro de contestação ao presidente.

"Ao longo desse tempo, a diplomacia brasileira testemunhou sempre elevados padrões de confiabilidade que se tornaram referência internacional indissociável da imagem do Brasil como uma das maiores e mais sólidas democracias do mundo", afirmou a ADB.

"Essa é uma conquista da sociedade brasileira no processo de consolidação de suas instituições democráticas, para a qual a diplomacia nacional muito se orgulha de contribuir no exercício de suas atividades", completou a entidade.

Os diplomatas ainda relataram como, desde a redemocratização, estiveram envolvidos no processo eleitoral. "Por décadas, os diplomatas brasileiros têm atuado em apoio às autoridades eleitorais do país para a organização e a realização das eleições presidenciais. Em mais de 200 cidades espalhadas pelo mundo onde há repartições consulares, além de 33 seções adicionais em localidades em que não há representação permanente", disseram.

"A missão eleitoral do Ministério das Relações Exteriores, que inclui desde o alistamento de eleitores até a transmissão dos votos, mobiliza não apenas servidores do Itamaraty, mas também as comunidades brasileiras", diz. Segundo a entidade, para 2022, há mais de 600 mil eleitores alistados no exterior.

Em nota confusa, Exército dá a entender que endossa críticas às urnas

O Exército deu a entender que endossa as críticas do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas ao divulgar uma confusa nota à imprensa, na quinta (21), através de seu Centro de Comunicação Social.

O comunicado atacou um texto do jornalista Valdo Cruz, veiculado no portal G1. Ele havia relatado que militares do Alto Comando entraram em contato com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para informar que não endossam as tentativas do presidente de desacreditar o sistema eletrônico de votação.

Nele, o Exército "ratifica o respeito de seus integrantes à hierarquia e à disciplina, garantindo que a coesão entre os militares é uma característica inalienável da Força Terrestre". Com isso, sugere que as posições de seus superiores hierárquicos, ou seja, do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e do presidente da República, são também as posições da tropa.

Adotando uma prática bolsonarista, de chamar informação do qual discorda de "fake news", a resposta do Exército também tacha a notícia de "desinformação" e diz que ela "parece buscar apenas a discórdia e a cisão entre os militares da ativa e o Ministro da Defesa", contribuindo para a "instabilidade entre as instituições e, consequentemente, entre os brasileiros".

A nota veio a público após as repercussões negativas da palestra que o presidente Jair Bolsonaro ministrou a embaixadores, nesta segunda (18), no Palácio do Planalto. Na ocasião, ele atacou o sistema de votação e fez ameaças às eleições, causando indignação no país e gerando manifestações internacionais, como a do governo dos Estados Unidos.

A colunista do UOL Carla Araújo destacou que os comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, da Marinha, almirante-de-esquadra Almir Garnier Santos, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro-do-ar Carlos de Almeida Baptista Junior, não estiveram na palestra de teor golpista do presidente aos embaixadores.

De acordo com seu texto, militares da ativa e da reserva afirmaram que a ausência dos comandantes sinalizaria que as Forças Armadas não querem se atrelar institucionalmente a esse discurso.

A coluna recebeu informações de militares tanto no Ministério da Defesa quanto do Comando do Exército e da Marinha apontando que há uma insatisfação com o ministro Paulo Sérgio Nogueira por estar empurrando as corporações no sentido de serem linha auxiliar de comportamentos antidemocráticos do presidente. Essas críticas, que chegaram à imprensa, irritaram o general, que quer silêncio na caserna.

No Comando do Exército, as fontes dizem que a nota no site tem digitais de pressão da Defesa para mostrar que a cúpula da força terrestre está alinhada ao ministro-general.

De fato, há nas forças quem apoie incondicionalmente a cruzada do presidente Bolsonaro contra as urnas, principalmente entre nomes da Marinha. E há também, segundo informações de fontes no Exército, quem não concorde com os ataques, mas critica o TSE por não seguir as sugestões enviadas pelos militares sobre o sistema eletrônico de votação.

O tribunal, por outro lado, afirma que levou em conta algumas propostas das Forças Armadas e outras, não.

Jair Bolsonaro vem criticando o sistema eletrônico de votação desde a campanha eleitoral de 2018, quando afirmou que ganhou no primeiro turno, sem provas. Nos últimos dois anos, intensificou os ataques, alegando, também sem provas, que o sistema pode ser fraudado e mentindo sobre a falta de auditoria e de transparência.

Transformou, com isso, o Tribunal Superior Eleitoral e seus ministros em inimigos. E deixou claro que pode não reconhecer o resultado das urnas.

Bolsonaro tem usado o Ministério da Defesa como parte de sua estratégia. Em audiência da Comissão de Fiscalização do Senado, no dia 14 de julho, o general Paulo Sérgio Nogueira levou o coronel Marcelo Nogueira de Souza, que colocou em dúvida a capacidade do TSE de evitar ataques internos.

Vexame golpista de Bolsonaro com embaixadores foi obra dos militares do governo

O vexame protagonizado por Jair Bolsonaro foi obra dos generais Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria-Geral da Presidência; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; ex-comandante do Exército que está à frente da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro e pré-candidato a vice na chapa que concorre à reeleição. Além deles, o tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, teria organizado o evento.

Segundo reportagem da CNN Brasil, coube ao tenente-coronel a incumbência de preparar a apresentação em Power Point, que traz na capa um erro crasso de inglês, ao grafar briefing como "brienfing". O militar é filho do general Lorena Cid, que exerce um cargo de confiança no escritório em Miami da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

Na organização do evento, os generais teriam pedido a Bolsonaro para manter a "serenidade na sua fala" e não subisse o tom contra os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Bolsonaro, o presidente mais bananeiro da história do Brasil

Se Bolsonaro quisesse votos para reeleger-se não insistiria com a mentira de que as eleições de outubro poderão ser fraudadas como foram as de 2018 para impedi-lo de ganhar no primeiro turno.

Insiste na mentira para acirrar os ânimos dos seus seguidores mais fanáticos, tumultuar o processo eleitoral, justificar atos de violência e, ao cabo, recusar-se a aceitar uma eventual derrota.

Se tiver força para tanto, dará o golpe mais original da história política do Brasil e, quem sabe, da história da humanidade, aquele anunciado há mais de ano por todos os meios de comunicação.

Se não tiver, irá para casa se dizendo roubado, prometendo voltar e com medo de ser preso. Donald Trump conta com um partido para voltar se quiser, Bolsonaro, sequer conseguiu construir um.

Na Venezuela, os militares se apoderaram de parte do aparelho de Estado e por isso apoiam o ditador Nicolás Maduro. Aqui, como meros parasitas do aparelho de Estado, eles são descartáveis.

Então, voltarão aos quartéis e baterão continência para o próximo presidente, contrafeitos ou não. E ainda dirão que jamais conspiraram para rasgar a Constituição porque são democratas.

Esse parece o desfecho mais provável dessa ópera de má qualidade encenada por um ex-capitão expulso do Exército e uma parcela de generais da ativa e da reserva, talvez a pior de sua geração.

O ato que teve como palco o Palácio da Alvorada foi puro nonsense. O presidente reuniu embaixadores de países estrangeiros para desancar o sistema eleitoral pelo qual se elegeu.

Pelo qual se elegeram seus filhos zero, seus aliados de raiz ou de ocasião e todos os seus adversários. Nenhum deles veio a público dizer que seu mandato é ilegítimo, e nem o presidente ousa dizer.

O que os embaixadores irão relatar aos seus governos? Que o chefe do governo junto ao qual são acreditados os chamou para adverti-los de que as próximas eleições do seu país poderão ser fraudadas?

Apresentou provas disso? Não? Não apresentou? Apresentou-as à Justiça e ela simplesmente as ignorou? Também não? Ele espera que os demais governos acreditem apenas na sua palavra?

Se acreditarem, o que ele espera que façam? Que saiam em sua defesa? Que desrespeitem a soberania do Brasil e intervenham? Intervenham, como? Com palavras ou com a força bruta?

Verdade que Bolsonaro foi aos Estados Unidos e apresentou-se ao presidente Joe Biden como o candidato que poderia melhor defender os interesses americanos no Brasil, ao contrário de Lula.

Biden mudou de assunto na mesma hora, e fontes do governo americano logo providenciaram o vazamento da informação. Bolsonaro não entendeu o recado, ou se entendeu, não ligou.

Uma das belezas da democracia é esta: você pode eleger um desqualificado qualquer para governar, um insano, até mesmo um palhaço, mas terá que aturá-lo até o fim do seu mandato.

Vê se aprende da próxima vez.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *