26/04/2024 - Edição 540

Especial

Quem são os terroristas?

Publicado em 08/07/2022 12:00 -

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O atentado que feriu de morte o ex-premiê japonês Shinzo Abe num ato eleitoral no interior do Japão deveria inspirar a reflexão dos brasileiros. Abe discursava num evento do Partido Liberal Democrata, em apoio a um candidato a deputado nas eleições que ocorrerão no domingo no Japão. Levou tiros pelas costas. Segundo a TV estatal japonesa, a arma foi apreendida e o assassino está preso. Seria um ex-integrante da Marinha. O atual premiê japonês, Fumio Kishida, que é do mesmo partido conservador de Shinzo Abe, formou um "gabinete de crise" para apurar o atentado.

Atentados políticos são raros no Japão. A democracia japonesa é muito estável e cultiva um rigoroso no controle de armas de fogo. O episódio precisa mexer com a sensibilidade dos brasileiros porque a campanha eleitoral de 2022 exala um incômodo cheiro de enxofre. Episódios desagradáveis se repetem.

Vestido com um colete a prova de balas, Lula participou de comício na noite de quinta-feira (7) na Cinelândia, no centro do Rio. Um artefato caseiro, feito com um pavio ligado a uma garrafa cheia de fezes foi detonado do lado de fora dos tapumes que cercavam a área destinada ao público espalhando excrementos.

A Polícia Militar do Rio de Janeiro informou que deteve o responsável pelo ataque. Segundo informações do portal g1, ele seria André Stefano Dimitriu Alves de Brito, de 55 anos. Ele foi autuado em flagrante por crime de explosão e conduzido ao 5º Distrito Policial (Praça da Harmonia). Três testemunhas acompanharam a PM na apresentação do suspeito na delegacia. Aos policiais civis, André Stefano admitiu ter jogado a garrafa com explosivo, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo. Informações da ocorrência indicam que o homem não tem anotações criminais ou mandado de prisão em aberto. 

O crime de explosão está previsto, contudo, no Artigo 251 do Código Penal. E consiste em “expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos”. A pena prevista, em caso de condenação, é de três a seis anos de prisão, além de multa. 

Durante seu discurso, Lula não fez referência ao incidente, mas lançou críticas ao presidente Bolsonaro. "Ele [Bolsonaro] está desesperado. São milhares de fake news enviadas para as pessoas todos os dias. É uma máquina poderosa de contar mentira. Derrotar Bolsonaro é uma questão de honra do povo brasileiro, dos que querem democracia e verdade", disse Lula.

Além do ex-presidente, participaram do ato o companheiro de chapa de Lula, Geraldo Alckmin, o deputado federal Marcelo Freixo (PSB) e o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT).

Outros Ataques

Horas antes do ataque no Rio de janeiro, o juiz federal Renato Borelli, que emitiu a ordem de prisão contra o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, foi alvo em Brasília de um ataque com fezes e ovos enquanto dirigia seu carro.

Dias atrás, durante evento político que reuniu Lula e o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, um drone lançou esgoto sobre militantes petistas. Bolsonaristas também chegaram a cercar em maio um veículo que transportava Lula em Campinas (SP). No mês passado, bolsonaristas tentaram cercar o carro de Lula em Campinas. Outro grupo hostilizou Ciro Gomes numa feira agropecuária.

Na quarta-feira (6), por volta das 22h30, um tiro atingiu o prédio do jornal Folha de S. Paulo no centro da capital paulista. O projétil perfurou uma das janelas da redação, que fica no quarto andar. Jornalistas que estavam no local ouviram o som do estampido. Ninguém foi ferido e a polícia investiga o fato.

Se os japoneses, famosos pelo temperamento glacial, estão sujeitos a atentados fatais contra políticos, imagine-se o que pode acontecer no Brasil se a atmosfera eleitoral não for desintoxicada.

O pior ainda pode ser evitado. Mas é preciso que os líderes políticos ajudem. O primeiro passo é a recuperação do bom senso. Um presidente que foi esfaqueado na campanha passada talvez devesse levar a língua na coleira e receitar suco de maracujá aos seus apoiadores.

Até outro dia, a insensatez vadiava pelas redes sociais. Agora, circula pelas ruas à procura de encrenca. O cadáver japonês informa que convém deter a falta de juízo enquanto é tempo.

Violência nas eleições deve ser debitada na conta de Bolsonaro

Enquanto isso, em sua live semanal, Bolsonaro anunciou que convocará na próxima semana todos os embaixadores estrangeiros para falar da fragilidade das urnas eletrônicas no Brasil e apontar falhas na atuação de três ministros do Tribunal Superior Eleitoral: Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Nunca na história do Brasil um presidente fez algo parecido – tentar desacreditar perante o mundo o sistema eleitoral do seu próprio país e falar mal de ministros de um tribunal superior. E sem apresentar uma única prova de que o sistema pelo qual se elegeu deputado cinco vezes e uma presidente é sujeito a fraude.

Bolsonaro fez um alerta cifrado aos seus seguidores:

“Se o pessoal do Comando de Defesa Cibernética do Exército detectar fraude não vai valer de nada esse trabalho porque o sr. Fachin já declarou que isso não muda o resultado das eleições. Não preciso aqui dizer o que estou pensando, o que você está pensando. Você sabe o que está em jogo, e você sabe como se preparar, não para um novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas nós sabemos o que temos que fazer antes das eleições”.

O Capitólio é o prédio do Congresso americano, em Washington, invadido no dia 6 de janeiro do ano passado por apoiadores de Donald Trump, derrotado nas eleições dos Estados Unidos. Trump estimulou a invasão para invalidar o resultado das eleições. Não queria desocupar a Casa Branca, mas foi forçado a sair de lá.

Trump não contou com o apoio dos militares para dar o golpe que pretendia, mas Bolsonaro espera poder contar, caso não se reeleja em outubro próximo.

Bolsonaro chama embaixadores para provar que Brasil é democracia mequetrefe

Quando se imagina que o centrão está conseguindo transferir os holofotes da língua de Bolsonaro para a sua caneta, o presidente esclarece em sua live que a PEC eleitoral com benesses de mais de R$ 40 bilhões não o fez abandonar sua opção preferencial pelo Apocalipse. Ao contrário, o presidente já não se contenta em apregoar o caos internamente. Ele agora quer convencer o mundo de que o sistema eleitoral brasileiro é mequetrefe. Convocou os chefes de embaixadas estrangeiras em Brasília para uma exposição na qual pretende demonstrar que as urnas eletrônicas brasileiras são absolutamente inconfiáveis.

As urnas eletrônicas operam há 26 anos. Nesse período, contabilizaram as vitórias de Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e do próprio Bolsonaro. Na reunião com os embaixadores, o capitão se arrisca a convencer os interlocutores de que as urnas são, de fato, viciadas. Elas adquiriram o vício da alternância no poder. Com sorte, os embaixadores deixarão o encontro convencidos de que a implicância de Bolsonaro não é com as urnas, mas com o risco de ser convertido pelos eleitores no primeiro presidente da história a a não obter a reeleição.

Bolsonaro fez referência em sua live a uma palestra feita horas antes, nos Estados Unidos, pelo ministro Edson Fachin. Nela, o presidente do TSE disse que o Brasil pode enfrentar um ataque às instituições mais grave do que a invasão do Capitólio, sede do Congresso americano, por devotos de Donald Trump. Bolsonaro segue a trilha de Trump. Ele também questionou o resultado da eleição antes da contagem dos votos. Derrotado, atiçou seus apoiadores.

Nos Estados Unidos, as Forças Armadas tomaram distância do golpista e as instituições reagiram com firmeza. Joe Biden tomou posse. No Brasil, o vice do arruaceiro é fardado e o general que comanda a pasta da defesa participa da coreografia do caos. Na sua palestra para americano ver, Fachin declarou que "o Judiciário brasileiro não vai se vergar a quem quer que seja." O mundo observa o esforço de Bolsonaro para provar que o Brasil é uma república de bananas e se pergunta: "Será que a democracia brasileira resiste?" A esse ponto chegamos.

Deputados dos EUA pedem investigação sobre interferência de militares brasileiros na eleição

Deputados do Partido Democrata dos Estados Unidos apresentaram uma emenda ao Orçamento anual de Defesa (NDAA, na sigla em inglês) cobrando que o governo norte-americano investigue se as Forças Armadas do Brasil estão ou não interferindo nas eleições programadas para outubro deste ano. A informação foi revelada pelo site Brasil Wire no último dia 6.

A intenção da emenda é apurar se os militares brasileiros têm participado do processo que visa tumultuar as eleições. Itens como tentativas de interferência na contagem de votos, tentativas de golpe para reverter o resultado das urnas e a participação de militares em campanhas de desinformação estariam na mira dos congressistas.

A Emenda 893 foi batizada de ‘Neutralidade das Forças Armadas Brasileiras Durante as Eleições Presidenciais’ e exige que o governo dos EUA apure e produza um relatório sobre as Forças Armadas do Brasil em até 30 dias após a promulgação do texto. Caso seja constatada alguma irregularidade, os militares brasileiros estariam sujeitos à sanção daquele país. O texto do orçamento ainda precisa passar pela aprovação do Congresso até, no máximo, outubro deste ano.

Ao site, uma fonte do governo norte-americano disse que a principal medida solicitada é a “descontinuação da assistência de segurança”, algo que permite que o Brasil seja considerado um aliado extra-Otan. Essa posição possibilita que o País compre armamentos de forma facilitada, tenha acesso a treinamentos e tecnologias e seja visto como um parceiro militar preferencial.

“Basicamente é uma maneira de dizer: ‘Você precisa considerar se essas ações equivalem a um golpe porque, se assim for, isso exigirá que os EUA cortem a assistência’”, explicou a mesma fonte.

Assinam a emenda os deputados Tom Malinowski e Albio Sires, de Nova Jersey; Joaquín Castro, do Texas; Susan Wild, da Pensilvânia; Ilhan Omar, de Minnesota; e Hank Johnson, da Geórgia. Todos integram o Partido Democrata e boa parte já havia questionado o papel do governo dos EUA no andamento das investigações da Operação Lava Jato, no golpe contra Dilma Rousseff (PT) e na prisão do ex-presidente Lula (PT).

Bolsonarismo semeou armas no país para colher violência se perder eleições

Não é necessário um golpe eleitoral ser consumado para termos mortes de brasileiros. A mera tentativa já causaria uma onda de pancadaria e tiroteios. Se a eleição de 2018 já teve seus assassinados e agredidos como resultado de brigas entre eleitores, imagine o que incitará um governo que não quer largar o osso após ter passado os últimos três anos gastando mais tempo combatendo o sistema eleitoral do que a fome e a inflação?

Os artífices e participantes, convocados via Telegram e WhatsApp, não chamariam isso de golpe, claro, mas de "levantes populares contra a fraude e em nome da legalidade e da liberdade".

Basta um líder político que, insatisfeito com o resultado das urnas, invente que os tribunais superiores estão mancomunados com seu principal adversário e organize protestos massivos, convocando seus seguidores fanáticos às ruas, muitos dos quais armados até os dentes devido aos decretos que o tal líder emitiu liberando pistolas, rifles e munição, para que tenhamos um rebosteio de magnitude superior àquele de 6 de janeiro de 2021, quando Donald Trump provocou a invasão do Congresso dos Estados Unidos. Recente reportagem do UOL mostra crescimento espantoso do arsenal privado no país.

Um "Capitólio brasileiro" seria mais violento até porque o Exército do Tio Sam não entrou na brincadeira. Pelo contrário, nos EUA, os militares avisaram que haveria transição pacífica de poder. Enquanto isso, no Brasil, há generais que celebram a guerra deflagrada com a Suprema Corte e fazem ameaças veladas sobre Lula.

E a aderência do bolsonarismo entre soldados, cabos, sargentos e subtenentes nos quarteis das polícias militares é significativa em todo o país, mais até do que nas Forças Armadas.

Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em setembro de 2021, aponta que 51% dos soldados, cabos, sargentos e subtenentes que estão nas redes sociais são bolsonaristas – em 2020, eram 41%. Desses, 30% interagem com conteúdos radicais, como pautas antidemocráticas e de ataque a instituições, como o STF e o Congresso Nacional, contra 25% no ano anterior.

Imaginem o que pode acontecer se Bolsonaro, um presidente com grande influência sobre tropas policiais, resolver afirmar, após uma derrota, que a eleição foi roubada? Não por conta das mentiras sobre fraudes nas urnas, mas pelo seu medo de ser preso por conta das falcatruas que fez no mandato e pela necessidade de gerar um fato que o ajude a manter a influência sobre os seus seguidores.

Quem as Forças Armadas iriam obedecer diante do caos? O Planalto? O Congresso? O STF? Ficariam em silêncio?

O bolsonarismo tem um componente revolucionário. Mas ele não conta, neste momento, com força para adotar uma mudança através de um processo violento e agudo. Não à toa, ameaça um golpe através da desobediência das ordens judiciais – e, para tanto, ataca o STF.

A possibilidade de sucesso de um golpe eleitoral em caso de derrota também é bem pequena, mas isso não deveria produzir segurança junto às instituições uma vez que a tentativa de produzir o caos será o bastante para uma tragédia.

Uma parte da sociedade acredita no potencial revolucionário de declarações de repúdio da mesma forma que há outro que crê na indignação das bolhas de Twitter como o coração da transformação social. Jair Bolsonaro deve achar graça no fato que, enquanto ele bombardeia a democracia, há reclamações que precisam de um dicionário para serem integralmente compreendidas.

Se as instituições não emparedarem o comportamento criminoso de Bolsonaro agora, através de decisões judiciais que mostrem que ele não está acima da lei e deixando claro que seu apoio no Congresso Nacional depende dele voltar a agir "dentro das quatro linhas", no final do ano as declarações não serão de repúdio, mas de lamento.


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