28/03/2024 - Edição 540

Brasil

ONU: imigrante vive xenofobia no Brasil

Publicado em 05/07/2022 12:00 -

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Uma carta de 16 páginas enviadas por dez relatores especiais da ONU e mecanismos da organização desmonta o mito de um Brasil acolhedor aos estrangeiros. O documento, entregue ao governo de Jair Bolsonaro em abril de 2022, denuncia uma série de violações de direitos humanos contra imigrantes e refugiados, principalmente africanos, haitianos e venezuelanos.

O documento é assinado por relatoras como Tendayi Achiume, Dominique Day, Balakrishnan Rajagopal, Cecilia Jimenez-Damary, Felipe González Morales, Olivier De Schutter e outros.

Procurado, o Itamaraty não esclareceu se a carta da ONU foi alvo de uma resposta oficial por parte do estado brasileiro, como solicitavam os relatores. No documento, cobra-se do governo brasileiro explicações e medidas concretas para lidar com o fenômeno.

Segundo os relatores da ONU, as informações que ela recebeu "levantam preocupações de que políticas e práticas discriminatórias contra migrantes, refugiados e requerentes de asilo violam a legislação doméstica do governo e suas obrigações sob o direito internacional".

"Estamos alarmados com os relatos de que a discriminação racial sistêmica e a violência racista contra migrantes, refugiados e requerentes de asilo foram exacerbadas nos últimos anos, com esta regressão acelerada pela resposta pública e privada à pandemia da covid-19", denunciam.

Os relatores ainda se dizem "profundamente preocupados" com a discriminação estrutural contra essa população. O mesmo termo de profunda preocupação é ainda mencionado diante de relatos de expulsões coletivas, deportações arbitrárias e deslocamentos e discriminação contra migrantes.

Os relatores admitem que, segundo a legislação brasileira, migrantes e refugiados reconhecidos têm direitos iguais às proteções legais e aos serviços oferecidos aos cidadãos brasileiros.

Xenofobia contra africanos

Um dos aspectos que mais preocupa os relatores é a xenofobia contra migrantes, refugiados e requerentes de asilo africanos.

"Existem mais de 50.000 migrantes, refugiados e requerentes de asilo da África no Brasil, incluindo nacionais de Angola, Guiné-Bissau, Nigéria, República Democrática do Congo e Senegal", diz a carta.

Segundo eles, porém, os requerentes de asilo africanos enfrentam dificuldades ao chegar ao Brasil. "Ao desembarcar, alguns estão confinados em aeroportos brasileiros por tempo indeterminado, mesmo que tenham toda a documentação e outros requisitos necessários para permanecer no país. Após o confinamento, alguns requerentes de asilo são enviados de volta ao seu país de origem, sem avaliação individualizada dos riscos de repulsão pelos funcionários", denuncia.

"Além disso, alguns migrantes africanos e haitianos no Brasil tornaram-se vítimas de violência física e simbólica no país. Nos últimos 20 anos, tem havido múltiplas manifestações de racismo e xenofobia, incluindo assassinatos e prisões arbitrárias de africanos e haitianos, o incêndio de residências universitárias que apoia os migrantes africanos, e expressões públicas de sentimentos racistas e xenófobos, incluindo discursos de ódio e grafites contra a presença de migrantes africanos em cidades brasileiras", apontam.

Fronteiras fechadas

Outro problema destacado foi o fechamento das fronteiras, diante da covid-19. Segundo eles, portarias emitidas pelo governo não previam dispositivos para impedir que um refugiado fosse devolvido a seu país de origem.

"Além disso, as restrições são relatadas como tendo um impacto desproporcional sobre certos indivíduos com base na nacionalidade, incluindo os da Venezuela", disse.

"O governo argumenta que o fechamento da fronteira com a Venezuela é por razões de saúde pública. No entanto, as restrições de entrada foram tornadas desproporcionalmente mais rígidas para as pessoas vindas da Venezuela. Como consequência, os migrantes venezuelanos recorreram a rotas inseguras, ao uso de coiotes (contrabandistas) e outros intermediários, aumentando o risco de sofrer vários tipos de violência, tais como estupro, extorsão, recrutamento forçado e exploração", afirmam.

Como consequência, o número de migrantes indocumentados em uma situação de extrema vulnerabilidade aumentou. Segundo eles, portarias publicadas pelo governo acabaram impedindo a entrada de venezuelanos, embora o governo brasileiro tenha reconhecido que existe uma crise humanitária e violações graves e generalizadas dos direitos humanos na Venezuela.

"Foram relatadas expulsões coletivas de migrantes na fronteira do Brasil. Em um caso, em agosto de 2020, mais de uma dúzia de migrantes de diferentes nacionalidades, embora principalmente venezuelanos, foram imediatamente deportados na fronteira com o Peru, perto da cidade brasileira de Assis Brasil, no estado do Acre", destaca.

"Suas deportações ocorreram em negação de seu direito a uma defesa ou devido processo legal. Este grupo foi transferido para uma ponte entre o Peru e o Brasil. Sem permissão para entrar em qualquer um dos países, eles foram deixados em uma situação de extrema vulnerabilidade na fronteira", denuncia.

Despejos

A carta ainda denuncia despejos de comunidades de migrantes. Uma delas ocorreu em abril de 2020, quando um despejo forçado de mais de 100 migrantes venezuelanos sem uma ordem judicial foi realizado às margens do Rio Branco.

"A polícia usou uma retroescavadeira para demolir as acomodações improvisadas. O governo justificou esta demolição e o deslocamento com base na necessidade de impedir a reunião durante a pandemia e o fato de a terra ser uma área sujeita à proteção ambiental. Não foram feitos planos para fornecer abrigo alternativo ou mesmo temporário para as famílias, o que incluiu crianças e pessoas dos grupos de alto risco da covid-19", disse.

Alguns desses migrantes formaram outro assentamento na floresta, onde viviam em "condições sanitárias terríveis, inclusive sem acesso a água e saneamento, bem como com medo de novas ações por parte da polícia".

Impacto social e falta de documentos

A carta ainda denuncia a dificuldade para que imigrantes tenham acesso à educação, moradia, apoio social de emergência e outros direitos sociais. "O principal obstáculo é que os migrantes, incluindo refugiados e requerentes de asilo, são frequentemente obrigados a apresentar documentação para ter acesso a esses serviços, e a documentação do governo é cada vez mais inacessível para eles devido ao seu status migratório", diz.

"A falta de apoio emergencial levou a outras supostas violações sistemáticas dos direitos humanos dos migrantes durante a pandemia, incluindo um aumento de despejos arbitrários, desnutrição, reassentamento em moradias de má qualidade e um aumento do número de desabrigados", apontam.

Segundo os relatores, a discriminação contra refugiados, requerentes de asilo e migrantes tem sido aprofundada pela resposta econômica, política e de saúde pública brasileira durante a pandemia.

"Isso tem sido agravado pela falta de coordenação entre as instituições governamentais encarregadas de monitorar as questões migratórias e a crescente militarização da aplicação da lei migratória", acusam.

O grupo destaca ainda que tem havido atos generalizados de discriminação por parte de atores privados. "No norte do Brasil, principalmente nos estados de Roraima e Amazonas, tem havido manifestações de xenofobia em larga escala perpetuadas por membros da comunidade local. Isto inclui insultos, intimidação, ameaças, discurso de ódio público, violência física, incluindo homicídio. Refugiados sem teto e mulheres migrantes grávidas podem ter uma maior vulnerabilidade a essas formas de xenofobia e violência", alertam.

Segundo eles, o ambiente xenófobo significa que migrantes e refugiados não se sentem seguros buscando apoio de hospitais, escolas e outras instituições públicas.

Em alguns locais, os atos contra essa população ainda ganham um componente racista.

"A região sul do Brasil tem experimentado racismo e xenofobia através da hostilidade pública contra haitianos, senegaleses e outros migrantes negros", destaca a carta.

A denúncia aponta que muitas mulheres migrantes estão engajadas em trabalho sexual para sobreviver, e existem redes significativas de tráfico no Brasil.


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