26/04/2024 - Edição 540

Poder

Simplicidade do caso do MEC causa desespero

Publicado em 04/07/2022 12:00 -

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A perspectiva de instalação da CPI do MEC elevou o grau de desespero do comitê da reeleição. O que explica a exasperação é a simplicidade do escândalo. Os fatos são de fácil compreensão. Expostos numa CPI durante os três meses que faltam para a eleição prejudicariam qualquer candidatura. Para um presidente que disputa a reeleição brigando contra sua própria precariedade, uma CPI assim pode cair sobre a campanha eleitoral como terra jogada sobre o túmulo.

O caso não envolve paraísos fiscais ou contabilidades secretas. O escândalo é simples como o ABC. A, descobriu-se que foi montado um balcão no Ministério da Educação durante a gestão do pastor Milton Ribeiro. B, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura trocaram propinas por verbas públicas em cima desse balcão. C, duas gravações colocaram a cara de Bolsonaro no epicentro da fogueira. Numa o então ministro disse ter colocado pastores na porta do cofre a pedido de Bolsonaro. Noutra, disse ter sido informado pelo presidente sobre uma batida policial que ocorreria no seu apartamento 13 dias depois.

Não é preciso ser um eleitor com mais de 16 anos para entender o que se passa. Qualquer criança de cinco anos é capaz de enxergar os meandros do escândalo. Daí o desespero que leva o Planalto a investir contra a instalação de mais uma CPI.

O que preocupa Bolsonaro não é a repercussão criminal. A blindagem de Augusto Aras o tranquiliza. O presidente tampouco está preocupado com Milton Ribeiro ou com seus pastores de estimação. Eles que se expliquem. O que atormenta Bolsonaro é a repercussão eleitoral de um caso que mexe com dois fetiches do bolsonarismo: a fábula do governo sem corrupção e a ilusão de que a parceria com pastores de fancaria assegura os votos de todos os evangélicos.

'Pastor do ouro' operava na sombra por achar que cargo oficial pagava pouco

O Brasil é o país da piada pronta, já dizia o humorista José Simão. O pastor Arilton Moura – aquele acusado de cobrar propina em ouro para dar acesso privilegiado ao Ministério da Educação – recebeu uma oferta de um cargo oficial de assessor pelo então ministro Milton Ribeiro, mas não aceitou. Achou que pagava pouco.

A informação está em relatório da Controladoria-Geral da União usado na investigação da Polícia Federal que se debruça sobre o "gabinete paralelo" do ministério. O da Educação, neste caso, porque o gabinete paralelo do Ministério da Saúde já foi investigado pela CPI da Covid.
(É tanta coisa na surdina neste governo que, se a gente não tomar cuidado, mistura religiosa propina, com farra da cloroquina, esquema da vacina, sacanagem na gasolina, apoio à chacina e ex-ministro vaselina.)

Segundo o documento, Arilton foi entrevistado para uma vaga de assessor da cúpula do órgão, mas "mostrou-se descontente com a remuneração do cargo".

E foi além. Ele "teria externado sua insatisfação, inclusive, na frente de outros servidores da pasta, em reuniões do MEC que contaram com a presença do ministro Milton Ribeiro e requereu que lhe fosse disponibilizado outro com melhor vencimento", segundo a CGU.

A nomeação acabou não rolando, mas quem ocupou o cargo foi Luciano Musse, que chegou a ser preso junto com ele e o pastor Gilmar Santos como parte da Operação Acesso Pago – que investiga corrupção e tráfico de influência no MEC.

Segundo o Ministério Público Federal, Musse era próximo dos dois e recebeu R$ 20 mil em propina a pedido de Moura para intermediar um encontro de um empresário com Milton Ribeiro.

Além de terem livre acesso ao Ministério da Educação, os dois pastores eram figurinhas fáceis no Palácio do Planalto. Tanto que Gilmar Santos era querido pela família Bolsonaro antes mesmo de Milton Ribeiro assumir a pasta.

Tão querido que o próprio ministro disse, em famosa gravação, que o presidente fez um "pedido especial" para que os amigos de Gilmar tivessem prioridade no MEC.

Não à toa, portanto, que interceptações telefônicas de Ribeiro indicam que Bolsonaro usou informação privilegiada da Polícia Federal para avisá-lo de que a instituição faria uma operação contra ele – o daria tempo para que provas fossem destruídas.

Era a autopreservação presidencial diante de evidências de uma organização criminosa envolvendo o MEC, pastores evangélicos que cobravam propina em ouro e nomes do centrão com acesso a bilhões de reais de recursos.

Para além dos trabalhos da Polícia Federal, uma CPI do MEC precisa ser instalada para investigar qual a verdadeira relação de Bolsonaro com os pastores que gerenciavam propina para acesso a MEC.

Era um consórcio para produção de cascalho com direito à rachadinha? Um toma-lá-dá-cá para garantir apoio de fiéis à reeleição? Ou a prova que a gestão de Jair transformou o ministério na Casa do Pai Arilton?

O fato de um pastor acusado de cobrar propina em ouro operar informalmente no MEC e achar que trabalhar como lobista com cargo oficial pagava pouco é uma boa oportunidade para refletir sobre os motivos que levaram Bolsonaro a ficar tão preocupado com o que a Polícia Federal encontraria.

"Ninguém pode servir a dois senhores, pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro", como diz o famoso Evangelho de Mateus, capítulo 6, versículo 24.

Mas, neste governo, dá-se um jeito. É só criar uma cortina de fumaça que Deus nem vai perceber.


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