24/04/2024 - Edição 540

Poder

Segurança pública pode ser usada para desestabilizar país

Publicado em 29/06/2022 12:00 -

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Nas diretrizes do programa de governo, tornadas públicas no último dia 21 pela frente Vamos Juntos pelo Brasil, que apoia Lula, a segurança pública é abordada como “direito fundamental”, como diz a Constituição. Um eventual novo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o setor vai se basear em propostas de “políticas públicas interfederativas e intersetoriais”, segundo o texto. Essas políticas serão pautadas “pela valorização da vida e da integridade física”.

Para o vereador de Porto Alegre Leonel Radde (PT), que é policial civil (licenciado), a pauta sobre segurança pública é tão importante que “pode determinar se vai ter golpe, se vai ter motim ou não durante todo o (possível) governo Lula. É uma pauta que pode ser usada para desestabilizar o país. Então, temos que falar sobre isso.”

A intenção das diretrizes da frente que apoia Lula é implementar o “Sistema Único de Segurança Pública” (Susp). Segundo a proposta, a valorização do profissional de segurança “será um princípio orientador de todas as políticas da área”. Destaca-se a necessidade de se abrir diálogo sobre modernização das carreiras, qualificação e a autonomia dos peritos, padronização de escalas e jornadas de trabalho e outras estratégias de implementação das diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos policiais.

Radde, que se declara antifascista, foi o mais votado do seu partido em 2020 e o oitavo entre dos parlamentares da Câmara da capital gaúcha. Ele já recebeu ameaças de morte de grupos neonazistas. Mas tem sido um crítico da atuação do campo progressista em relação à segurança pública. A esquerda, diz, permitiu que a direita monopolizasse o tema, um dos que ajudaram a eleger Jair Bolsonaro em 2018.

Sem diálogo, não vai

“É importante conseguirmos implementar o Sistema Único de Segurança Pública. É uma proposta de mais de 10 anos que não foi implementada”, diz Radde. Tal proposta permitiria uma integração nacional das políticas, não só focadas na repressão, mas também na prevenção, com maior participação da União, o que pode favorecer financiamentos de projetos locais. O governo federal, por sua vez, assumiria responsabilidades mais abrangentes do que gerir a Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.

Para Radde, o debate sobre a desmilitarização das polícias militares – uma das bandeiras da esquerda na área – precisa ser travado. “Mas tem um porém. Se não dialogarmos com a base dos policiais, dos trabalhadores de segurança pública, não avançaremos”, diz. Ele considera as propostas como a do Susp e do abandonado Pronasci – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – como “interessantes”. Mas, de novo, a questão é a falta de diálogo.

“Concordo com Susp, a volta de um sistema parecido ao Pronasci, segurança baseada na vida. Mas se continuarmos a tratar os policiais como pessoas que não têm condições de reflexão, como se todos fossem fascistas, da extrema direita, essas políticas públicas não se efetivarão como deveriam. Os policiais vão encarar como imposição de pessoas sem vivência da realidade e que não gostam de policiais”, diz o parlamentar. “A esquerda historicamente não fala com os policiais. A categoria policial parece que não existe para a esquerda”, critica.

É preciso demonstrar à categoria que o militarismo exige dos policiais uma obediência a ordens abusivas, que eles não podem se sindicalizar, que o método de treinamento os leva a problemas de saúde, entre outras questões. “Sem isso, não tem como falar em desmilitarização.”

Segurança nacional

Mudanças para extinguir o caráter militar das PMs dependem de proposta de emenda à Constituição (PEC). Mas alterações “de cima para baixo”, na opinião do vereador, podem causar uma reação perigosa. “A leitura que esses policiais farão será a partir do tensionamento gerado pelos oficiais que estão no Congresso Nacional. Essa casta vai contaminar os estratos mais baixos das polícias. Há uma fratura das polícias. Se não dialogar com a ponta, vai ter motim.”

Muito a aprender

Seguindo as pegadas do Chile, a Colômbia elegeu um presidente esquerdista. A julgar pelas pesquisas, o Brasil está prestes a fazer o mesmo. Quem quiser pode achar que a esquerda coleciona vitórias. Mas o triunfo não será medido pelas urnas, mas pela capacidade dos eleitos de converter esperança em resultados. Por ora, o que deve ser realçado é o velho e bom exercício da alternância no poder. Nessa matéria, o Brasil de Bolsonaro tem muito a aprender com chilenos e colombianos.

Eleito no fim de semana passado, o senador e ex-guerrilheiro Gustavo Petro será o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia. A novidade mal havia saltado das urnas, no domingo, e o rival Rodolfo Hernández, um magnata populista de direita, já reconheceu a derrota. O presidente colombiano Iván Duque, duramente atacado por Petro durante a campanha, apressou-se em telefonar para o algoz, marcando o primeiro encontro para organização a transição de poder.

Algo semelhante ocorrera no Chile em dezembro do ano passado. Ali, o então deputado e ex-líder estudantil Gabriel Boric (pronuncia-se 'Borich') derrotou José Antonio Kast, um político assemelhado a Bolsonaro, defensor da ditadura de Augusto Pinochet. Além de reconhecer a derrota, Kast fez questão de visitar o comitê de campanha do vencedor. Na primeira reunião com Boric, o então presidente chileno Sebastian Piñera informou que o consultaria sobre decisões de governo antes mesmo de sua posse, que só ocorreria dali a três meses.

No Brasil, Bolsonaro questiona o processo eleitoral, coloca as "minhas Forças Armadas" para brigar com o TSE do "leninista" Edson Fachin e do "canalha" Alexandre de Moraes, e acena com a contestação do resultado das urnas caso Lula prevaleça. Se não aprender as lições que lhe chegam da Colômbia e do Chile, Bolsonaro consolidará o seu projeto de transformar o Brasil numa surubocracia anarco-direitista, na qual todo Poder é exercido para o povo, com o povo ou apesar do povo.


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