26/04/2024 - Edição 540

Poder

Temendo violência, órgãos internacionais já acompanham eleição no Brasil

Publicado em 27/05/2022 12:00 -

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Órgãos internacionais não irão esperar até outubro para monitorar o processo eleitoral no Brasil, considerado por observadores estrangeiros como um dos mais tensos em décadas no país. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, OEA (Organização dos Estados Americanos) e o escritório regional do Alto Comissariado da ONU (Organização das Nações Unidas) para Direitos Humanos já iniciaram contatos para poder acompanhar as campanhas no país, enquanto reuniões se proliferam entre membros da sociedade civil e organismos internacionais para monitorar e acompanhar os riscos do processo eleitoral.

Tanto para ativistas de direitos humanos, grupos políticos e mesmo para os órgãos estrangeiros, as ameaças e a violência política já são realidades do país. Desembarcar apenas em outubro para avaliar o funcionamento das urnas, segundo observadores, pode ser tarde demais.

Na semana passada, relatores da ONU receberam informações e mantiveram encontros com ativistas que denunciaram os ataques do presidente Jair Bolsonaro contra o Judiciário, em pleno ano eleitoral.

Nesta quinta-feira, o tema da campanha já foi alvo de uma reunião fechada entre grupos de ativistas brasileiros e a presidência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. As entidades pediram que o órgão regional garantisse que seus representantes estivessem na delegação de observadores que a OEA pretende enviar para monitorar as violações de direito humanos que ocorram durante as eleições. As entidades também solicitaram que haja uma articulação com órgãos da ONU para monitoramento e alerta sobre a situação nacional.

O encontro terminou com o compromisso assumido pela Comissão Interamericana de irá realizar uma reunião a cada dois meses para que possa ser atualizada sobre o cenário brasileiro. Haverá também uma reunião interna para avaliação das questões relatadas pela sociedade civil, além de uma análise a partir deste momento dos relatos a partir de um olhar interseccional, com prioridade para reconhecimento das violências contra mulheres negras, indígenas e LGBTQIA+.

Durante o encontro, a presidente da Comissão Interamericana, Julissa Mantilla Falcón, relatou que já está em diálogo com a OEA e com o Alto Comissariado da ONU para realização de observação das eleições brasileiras pelos órgãos estrangeiros.

A representante estrangeira, porém, ouviu dos participantes relatos apontando que as ameaças ao sistema eleitoral vão muito além das urnas e que já começaram com intensidade no país.

Camila Gomes, da entidade Terra de Direitos/ Plataforma Dhesca, foi uma das participantes e, segundo ela, os riscos já estão presentes. "As eleições de 2018 já foram marcadas por níveis de violência sem precedentes, como assassinatos. Temos a leitura que esta eleição será mais violenta, houve aumento em duas vezes da armamentização, aumento de violência contra defensores de direitos humanos e aumento da violência política", disse a representante.

Benny Briolly, vereadora trans pelo município de Niterói-RJ, apresentou seu relato de como já vem sofrendo ataques. "Venho de uma sessão na qual acabei de ser agredida", disse. "Talvez eu nem consiga falar muito. Venho sendo vítima de uma série de ameaças de morte, xingamentos, perseguições. Esta semana, um carro perseguiu meu motorista", contou.

Segundo ela, já foram realizados quatro boletins de ocorrência e mais de 20 ameaças de morte. "É cada vez mais difícil exercer a atividade legislativa. Sou a primeira mulher trans a exercer um cargo legislativo no estado do Rio de Janeiro, berço do bolsonarismo. Isto tem sido um peso constante no cotidiano. Não consigo andar na rua sem ser vítima de violência, como acabou de acontecer", relatou.

"Eu estava na plenária falando sobre racismo religioso e a sessão foi interrompida, invadida. E nada foi feito, não há nenhum amparo. A polícia está aqui dentro da Câmara. E isto só aumenta, a ponto de eu não conseguir viver minha vida", disse.

Pré-candidata no Rio, ela conta que isso já ampliou a série de ataques e de fake news. "Há uma série de limitações ao meu direito de ir e vir. É a minha integridade sob ameaça, a todo momento", declarou. Segundo ela, 60% do que ela recebe vai para bancar seus custos de segurança e combustível de um carro blindado. "Meu salário vai todo para garantir minha integridade física. Várias atuações minhas são limitadas, não posso fazer uma série de atividades no legislativo porque não há segurança. As investigações não apresentam respostas aos casos. Isso chega em um ponto de explosão", lamentou.

Valdecir Nascimento, da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, também participou da reunião.

"A partir do momento em que as mulheres negras entraram nos espaços de poder, passamos a experimentar o fenômeno da violência política, porque essas mulheres já vinham sofrendo violência política ao longo de sua história de militância, e passaram a sofrer um tipo de violência específica que ocorre no âmbito do Parlamento, que vai desde uma violência vinculada com o racismo, como também a violência do ponto de vista da concepção política e ideológica que nós representamos", disse.

Thiago Firbida, representante do Comitê Brasileiro de Defesa dos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, destacou ao órgão internacional que existe um processo intenso de criminalização e assédio judicial contra defensores, aliado agora a um "projeto de ódio" que atingiu um patamar nunca antes visto. "Falamos de ataques digitais, que não são novos, mas atingem hoje um nível de sofisticação —tanto de vigilância e monitoramento ativo, quanto ataques diretos com hackeamento de contas e acesso a dados sigilosos", alertou.

Segundo ele, o Brasil vive hoje um aumento da violência política. "Já estamos atingindo recordes de casos em vários níveis. Tudo isso num contexto de completa ausência de resposta do estado a este tipo de violação", disse.

Gisele Barbieri, da Plataforma Dhesca, destacou à presidência da Comissão Interamericana a aliança entre partidos dentro do Congresso e o governo Bolsonaro para seu projeto de "militarização do Estado, propondo e votando propostas que reforçam o aumento do autoritarismo, dos discursos de ódio, dos altos índices de violência, inclusive de parte de agentes estatais, do aumento da letalidade policial, fechamento do espaço cívico e de participação social e de aumento da violência e criminalização de defensores e defensoras de direitos humanos".

"Tudo isso em um cenário que bem antes da realização processo eleitoral já se mostra violento e perigoso seja para candidatos e candidatas ou simplesmente para quem demonstra suas insatisfações com o atual governo", alertou.

Nesse contexto, o governo se mostra indiferente aos inúmeros alertas feitos pela sociedade civil sobre os riscos dessas legislações no processo democrático, principalmente em um ano eleitoral.

Segundo ela, em junho, a Câmara de Deputados já anunciou que fará uma semana para a votação em plenário de propostas na área da segurança pública e já esperamos uma ofensiva nesse sentido de dar mais poder aos agentes de segurança para atos de violência e redução das possibilidades de manifestação.

Tirem de Bolsonaro o revólver que ele mantém ao alcance da mão

Ainda não dá para dizer que Geraldo Alckmin, ex-BBB (perdão, ex-PSDB), já começou a entregar votos a Lula como candidato a vice-presidente em sua chapa. Faltam pesquisas que atestem isso.

Mas já dá para dizer que bater na Justiça, desacreditar as urnas eletrônicas, acusar Lula de ser corrupto e comunista e acenar com um golpe militar não acrescentou votos a Bolsonaro.

Certamente garantiu os votos de bolsonaristas de raiz, mas eles cada vez bastam menos para que o seu líder se reeleja. O que fará Bolsonaro daqui para frente depois da pesquisa Datafolha?

Lula tem mais de 21 pontos percentuais de vantagem sobre ele no primeiro turno. Se a eleição fosse hoje e repetisse os resultados da pesquisa, Lula poderia se eleger no primeiro turno.

Segundo o Datafolha, 75% do total de eleitores estão decididos a votar em Lula e Bolsonaro e dizem que não mudarão de posição de jeito nenhum. A ser assim, sobrariam 25% a serem disputados.

É insuficiente para que qualquer outro candidato supere Bolsonaro e se credencie a disputar o segundo turno com Lula. Ciro Gomes (PDT) ainda não alcançou os dois dígitos. Está com 7%.

Simone Tebet (MDB), candidata do MDB e provavelmente do PSDB, amarga 2% dos votos juntamente com Andre Janone (Avante). Os demais candidatos – sim, eles existem – não têm 1% sequer.

A polarização está dada. Na pesquisa espontânea, quando não são apresentados nomes dos candidatos, Lula tem 38% (em março eram 30%). Bolsonaro tinha 23% em março e agora marca 22%.

O pagamento do Auxílio Brasil, nome fantasia do programa Bolsa Família criado na gestão do PT, rendeu pouca coisa a Bolsonaro até aqui. Entre os que o recebem, Lula tem 59%, ele, 20%.

Bolsonaro derrota Lula entre eleitores com renda familiar mensal superior a 10 salários (42% a 31%) e entre empresários (56% a 23%). Entre evangélicos, vence apenas de 39% a 36%.

A mulher do presidente da França foi atacada por Bolsonaro, que a chamou de feia. Bolsonaro irá em junho ao encontro de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, depois de chamá-lo de senil.

Bolsonaro, que no Palácio da Alvorada só dorme com um revólver ao alcance da mão, inspira sérios cuidados. Pelo amor de Deus, tirem o revólver de perto dele, para que não saia disparando por aí.

Quem já foi capaz de planejar atentados à bomba a quartéis quando era soldado, é capaz de fazer qualquer maluquice. Getúlio Vargas, para não ser deposto em 1954, deu um tiro no peito.

Calma! Não estou sugerindo que Bolsonaro possa imitar Getúlio. Seu desamor pela vida só tem a ver com a vida alheia, como se viu durante a pandemia quando morreram mais de 666 mil pessoas.

Supersalários deixam generais da ala bolsonarista com um aroma venezuelano

Bolsonaro colocou nas redes sociais um vídeo que exibe imagens de Lula com Hugo Chávez para assustar o eleitorado com a possibilidade de o Brasil virar uma Venezuela nas mãos do PT. Na verdade, o processo de venezuelização já se encontra em avançado estágio de implantação. Ocorre com Bolsonaro no poder, só que com o sinal trocado. Os supersalários dos generais bolsonaristas compõem o quadro de degradação institucional que aproxima o Brasil do seu vizinho.

Na Venezuela, o chavismo corrompeu as Forças Armadas com vantagens salariais e negócios escusos. No Brasil, o bolsonarismo acariciou as forças militares com investimentos orçamentários e mimos previdenciários. Há um ano, editou-se portaria para colocar os contracheques dos generais de estimação do capitão numa laje acima do teto salarial do serviço público. Ali, os comandantes de escrivaninha passaram a receber até R$ 78,6 mil mensais, o dobro do salário dos ministros do Supremo. Na época, até o vice Hamilton Mourão disse que a medida não era ética.

O próprio Mourão e seus companheiros de armas Luiz Eduardo Ramos, Augusto Heleno e Walter Braga Netto apalparam ganhos extras superiores a R$ 300 mil em um ano. O escárnio ajuda a explicar a submissão dos generais ao capitão indisciplinado. Assim como Bolsonaro, Chávez, um coronel golpista, chegou ao poder pelo voto. No início, simulou respeito às instituições. Aos pouquinhos, corroeu a democracia por dentro. Comprou os militares, anulou o Legislativo, calou a imprensa e cooptou o Judiciário. Milícias bolivarianas armadas pelo governo vigiam e amedrontam a população.

Qualquer semelhança com o projeto político de Bolsonaro não é mera coincidência. A milícia bolsonarista, por ora, opera apenas em ambiente virtual. Simultaneamente, o governo civil mais militar da história arma a população. Bem pagos, os generais bolsonaristas compartilham com o capitão a mesma aversão à imprensa, ao Judiciário e ao sistema eleitoral. Bolsonaro deve recitar o CPF e o RG diariamente diante do espelho para ter a certeza de que é ele mesmo quem preside o Brasil, não um impostor venezuelano.

'Vamos cumprir as leis', diz chefe da Aeronáutica

O comandante Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, convidou os jornalistas para um café da manhã. Serviu informações sobre os projetos estratégicos de defesa da Força Aérea Brasileira. Lero vai, lero vem perguntaram ao brigadeiro sobre o papel que as Forças Armadas e a Força Aérea Brasileira desempenharão em outubro se as urnas não sorrirem para Bolsonaro. E ele: "A FAB é legalista, vamos cumprir as leis".

Indagou-se também ao brigadeiro se confia nas urnas eletrônicas. Ele achou melhor se esconder atrás da abstenção: "Vou me abster de falar sobre política". No último mês de janeiro, em entrevista à Folha, Carlos Baptista havia sido questionado sobre o que fariam os militares caso Lula fosse eleito. Disse o seguinte na ocasião: "Nós prestaremos continência a qualquer comandante supremo das Forças Armadas, sempre". O comentário não soou bem aos tímpanos de Bolsonaro. Daí o receio de arriscar um comentário sobre o sistema eleitoral eletrônico.

A esse ponto chegou a democracia brasileira. O presidente da República joga as "minhas Forças Armadas" contra a Justiça Eleitoral, afirma que o povo armado será força auxiliar dos militares na defesa das liberdades e anuncia que pode haver "confusão" na eleição. Um comandante militar é compelido a dizer o óbvio —"Vamos cumprir as leis"— e sua manifestação desce ao noticiário como se fosse um barbitúrico. A democracia brasileira adoeceu.


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