29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Como funcionam as fazendas de cliques, usadas pelo bolsonarismo para atacar opositores

Publicado em 26/05/2022 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O mercado movimentado das chamadas Fazendas de Cliques está cada vez mais "humanizado", por assim dizer, quando se trata de burlar as regras das plataformas digitais e garantir a manutenção de milhares de contas falsas na internet. Uma multidão de brasileiros desempregados ou que buscam fonte de renda extra, ficam horas seguindo, comentando e curtindo perfis por milésimos de real.

Os "bots humanos" são estratégias que as empresas digitais encontram para driblar as regras impostas contra perfis falsos, além de ganhar dinheiro em cima do desalento do trabalhador que precisa sobreviver e pagar contas a qualquer custo. Essas pessoas, atraídas por promessas de renda extra, chegam a gerir 500 contas falsas, o que praticamente as transformam em "robôs humanos".

O mercado funciona da seguinte forma: empresas conhecidas como plataformas de cliques vendem pacotes de "engajamento" para "clientes" que podem ser políticos, influenciadores e empresários. Nos "pacotes" são ofertados milhares de seguidores, além de combos com curtidas, comentários e até visualizações em vídeos. O "diferencial" é que os perfis seriam supostamente reais, como prometem as empresas.

E o segmento digital fake aprimorou tanto que, para transformar um perfil falso em conta real, fotos de pessoas comuns são alteradas por softwares de inteligência artificial, ou seja, são criadas imagens de pessoas que não existem. Com isso os algoritmos das plataformas não conseguem detectar os robôs, a menos que o comportamento estranho seja notado pela moderação.

Empresas como Dizu, Ganhar no Insta e Kzom oferecem este tipo de serviço e botam em xeque a originalidade do “mercado da influência” na internet. Isso significa que nem sempre quem tem mais seguidores é realmente mais influente.

Os valores desses serviços variam, mas em regra geral, são muito baixos. É possível encontrar pacotes de mil curtidas no Instagram por míseros R$ 0,60. 

Na outra ponta, essas empresas pagam a trabalhadores (sem carteira assinada) de R$ 0,001 (ou seja, um décimo de um centavo) a R$ 0,05 para executar cada uma das interações. No entanto, para conseguir sacar o dinheiro após dias e horas trabalhados, o "robô humano" precisa ter um saldo de R$ 20. Ou seja, para chegar a esse montante é necessário completar cerca de 20 mil tarefas.

Para melhorar os rendimentos, os colaboradores são incentivados a criar múltiplas contas, ampliando assim o número de atividades cumpridas. Muitos se valem dos softwares, que podem ser oferecidos pelas próprias plataformas, para conseguir atingir a meta de interações.

O sociólogo Sérgio Amadeu – autor do livro Como Derrotar o Fascismo nas Eleições e Sempre em parceria com o diretor de redação da Revista Fórum, Renato Rovai – confirma que as fazendas de cliques atuam muitas vezes "no linear da lei" ao explorar mão de obra. 

"Empresários são verdadeiros arregimentadores de pessoas com trabalho precarizado e que acabam distribuindo conteúdo nas mais variadas plataformas. Essas plataformas têm sistemas algorítmicos de detecção que muitas vezes não conseguem pegar o padrão de humano fazendo cliques ou fazendo respostas que são quase automáticas", explica Amadeu. 

Segundo o sociólogo, o bolsonarismo utiliza muito do serviço das fazendas de cliques, contando com o apoio de "empresários ideologicamente fascistas" que pagam por esses serviços de distribuição de notícias falsas e ataques a opositores.

Ele também alerta que o bolsonarismo vai continuar apostando nessa estratégia para ganhar as eleições deste ano. "É preciso detectar e denunciar. Dependendo da rede de conteúdos que eles distribuam durante as eleições, pode denunciar para a própria justiça eleitoral", recomenda. 

Plataformas mostram conteúdos para burlar os sistemas delas próprias

Nas mesmas redes sociais é possível aprender truques e dicas para escapar das punições pelo uso artificial das plataformas. A lição mais importante é que as contas "pareçam orgânicas, com fotos, curtidas e seguidores".

O youtuber Sávio Augusto, por exemplo, dá dicas para quem quer criar suas contas de forma "manual", sem gastar dinheiro com isso. Ele possui 119 mil inscritos e milhões de visualizações.

Segundo ele, um aspecto valorizado é que a foto de perfil seja de uma pessoa e "que não seja real para não cometer crime". Sávio argumenta que, então, os perfis criados não são "fakes" (falsos), já que "perfil fake" é quando você copia a imagem de uma pessoa. Outra dica conseguir curtidas rapidamente é postar fotos de animais fofos e usar hashtags.

Depois do perfil pronto, os usuários ainda são orientados a revezar as contas e trocar o endereço de IP do dispositivo regularmente para não chamar a atenção da moderação das redes.

Câmara não vê urgência em projeto para combater fake news

A Câmara dos Deputados rejeitou, em abril, um requerimento que pedia a tramitação do projeto de lei 2630/20, o PL das Fake News, em regime de urgência. A proposta relatada pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) tem como objetivo criar mecanismos de combate à disseminação de desinformação e notícias falsas, com um robusto marco legal que impacta também na atuação das big techs, como Google e Facebook, que lucram com o ambiente hostil das redes.

"As fake news colocam em risco nossas vidas e a democracia brasileira. Por isso, lutamos pela aprovação deste projeto que estabelece a obrigação de transparência para plataformas digitais; proíbe que órgãos públicos façam publicidade em veículos que divulgam conteúdo de ódio; torna crime a divulgação em massa de fake news; entre outras medidas", disse. 

"As contas fakes que são operadas por pessoas reais e que recebem remuneração por interação representam um dos efeitos da falta de regulação de plataformas de mídias sociais", complementou.

Segundo Silva, foram meses de trabalho, com várias reuniões e audiências para coletar contribuições de diversos segmentos da sociedade sobre o tema. O deputado reiterou a importância de aperfeiçoar a legislação brasileira em relação à liberdade, responsabilidade e transparência na internet.

Entre os pontos destacados por Silva está a necessidade da criação de mecanismos de investigação para que as autoridades atuem no combate de grupos organizados e financiados para o cometimento de crimes. "A internet não é terra sem lei e estou convicto da nossa luta para tornar o ambiente digital um espaço mais seguro e saudável", afirmou.

O deputado disse ainda que o país "precisa que a internet e as redes sociais tenham ampla liberdade de expressão, mas que também sejam barrados grupos criminosos que usam as redes para destruir a democracia, sabotar as eleições, atacar as instituições democráticas e até a saúde pública, como fizeram durante a pandemia".


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *