26/04/2024 - Edição 540

Poder

Por que os militares se metem quando e como querem na política – e sem medo de punição

Publicado em 20/05/2022 12:00 -

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A tranquilidade com que militares das Forças Armadas ameaçam as eleições e a eventual sucessão de Jair Bolsonaro são em parte culpa das gerações de políticos brasileiros que exerceram mandatos de 1988 aos dias de hoje. Sobre eles, pesa a responsabilidade de não implementar mecanismos legais mais avançados para o controle civil de Exército, Marinha e Aeronáutica. E de não usarem adequadamente as ferramentas já disponíveis, como o Ministério da Defesa e as comissões de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado.

Essa é a conclusão inevitável das entrevistas que fiz com quatro estudiosos do assunto, os professores Marina Vitelli, Juliano Cortinhas, Lucas Rezende e Stephen Saideman, além da análise da composição do ministério e da leitura dos relatórios de atividades da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara e do Senado publicados entre 2018 e 2021. O quadro é desolador, mas explica como pudemos chegar aonde estamos.

O Ministério da Defesa, o MD, criado em 1999 por Fernando Henrique Cardoso com a ambição de colocar o Brasil no mesmo patamar da maioria das democracias maduras, nas quais os civis definem qual o papel a ser exercido pelos militares, nunca funcionou a contento. Comandada por civis nos governos de FHC, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, com Michel Temer a pasta se tornou mais um feudo dos fardados, consolidado por Bolsonaro. Nas comissões legislativas de controle, o que se vê são políticos agindo quase que o tempo todo como lobistas das Forças Armadas que deveriam fiscalizar.

“Nas democracias e no estado de direito, autoridades com legitimidade decidem sobre as Forças Armadas, e os militares devem obediência a essas autoridades”, diz a argentina Marina Vitelli, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, coordenadora adjunta do Observatório Brasileiro de Defesa e Forças Armadas e pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional.

“No Brasil, tanto a legislação quanto a prática das relações entre civis e militares são definidas pelas próprias Forças Armadas. Todas as leis que temos sobre elas tiveram que passar pela aprovação dos próprios militares”, ela explica.

Não quer dizer, porém, que não seja possível usar o que já existe para colocar os fardados em seus devidos lugares – os quartéis, não a política. Mas é preciso querer. Temer, um presidente civil, entregou de mão beijada, em fevereiro de 2018, o Ministério da Defesa ao general Joaquim Silva e Luna – dias após decretar intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro com o general Walter Braga Netto no comando. Silva e Luna viria a presidir a Itaipu Binacional e a Petrobras no governo Jair Bolsonaro. Sob o capitão reformado, três generais do Exército se sucederam no comando da pasta – entre eles, Braga Netto. Desde então, ela nunca mais voltou aos civis.

“A situação brasileira é das piores. O Congresso não tem muita informação, poder ou mesmo interesse [em fiscalizar as Forças Armadas]”, afirma o canadense Stephen Saideman. Professor da Universidade de Carleton, ele dirige a Rede Canadense sobre Defesa e Segurança e pesquisa o controle legislativo sobre as forças armadas em 16 democracias do mundo – EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coréia do Sul, Brasil, Chile, Reino Unido, França, Bélgica, Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia.

“Governos que tinham condições políticas de avançar preferiram o apaziguamento, a acomodação, não criar atritos. E a mera possibilidade de surgirem atritos com os militares nas tentativas legítimas dos governos de ampliarem o controle civil prenuncia um problema que muitos varreram para debaixo do tapete”, avalia Vitelli. “Hoje, vemos as consequências”.

O artigo 142 nem é o pior

As dificuldades para colocar os militares brasileiros dentro dos quartéis começam já na Assembleia Nacional Constituinte que redigiu a Constituição outorgada em 1988. “O capítulo sobre as Forças Armadas foi todo escrito na caserna, com alguma contribuição do [futuro ministro da Justiça e da Defesa] Nelson Jobim”, afirma Lucas Rezende, doutor em Ciência Política, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e integrante de um grupo de estudos sobre defesa, política e relações internacionais.

O capítulo mencionado por ele é o hoje célebre artigo 142, rotineiramente citado por Jair Bolsonaro e seu séquito de generais de pijama e seguidores fanáticos como legitimador de uma paradoxal “intervenção militar constitucional”. Ainda que em uma interpretação elástica, o artigo dá às Forças Armadas a prerrogativa de atuar em solo brasileiro na “garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

“O artigo 142 incorre num erro fundamental. A Constituição tinha de dizer mais sobre as funções das Forças Armadas, relacionando-as com a defesa externa. O termo não aparece de forma tão evidente quanto a garantia da lei e da ordem. E o ideal é que as forças não atuem no país em qualquer situação, salvo situações climáticas ou catástrofes ambientais”, corrobora Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional.

Ao longo dos anos que se seguiram a 1988, sucessivas leis surgiram para regulamentar o artigo 142 e o papel dos militares na democracia. Mas elas são ainda piores que o texto constitucional, na opinião de Cortinhas, por perderem a chance de impor o controle efetivo dos civis em momentos favoráveis a isso.

A primeira delas, a lei complementar 97, de 1999, criou o Ministério da Defesa. A partir dali, em vez de terem cada um o próprio ministério, Exército, Marinha e Aeronáutica passaram a ser subordinados a um só ministro.

A lei foi complementada anos depois por outras duas, a 117/2004 e a 136/2010, ambas durante o governo de Lula. A segunda e mais importante delas implantou o Livro Branco da Defesa Nacional, um instrumento de transparência destinado principalmente a demonstrar à comunidade internacional os interesses e capacidades do Brasil na área. Sua construção foi incentivada pela Organização dos Estados Americanos, a OEA.

Criado em 2012 por Dilma Rousseff, o grupo interministerial de trabalho do Livro Branco de Defesa Nacional, formado por integrantes de 11 diferentes setores do governo, foi fulminado por Bolsonaro com um decreto de 2019. Sobrou na história apenas o Ministério da Defesa – comandado por militares.

Por outro lado, a lei 136/2010 entregou a Exército, Marinha e Aeronáutica o papel de definirem os próprios orçamentos, em conjunto com o MD. “Nem deveria haver orçamento de cada força, mas da Defesa. E quem teria que elaborar a proposta é o ministério. As forças apenas se adequam ao que é definido e operam com o que lhes é entregue”, critica Cortinhas. “A esquerda, quando teve a chance, não impôs o controle civil”.

Um playground para os militares

As Forças Armadas são o braço armado do estado, mas não o ator político responsável por planejar e estabelecer a política de defesa nacional. Esse papel cabe, em democracias consolidadas, ao Ministério da Defesa, comandado por um civil nomeado pelo governo eleito.

“A política de defesa é uma política pública como qualquer outra. E, na maioria das democracias do mundo, os ministérios da defesa são os atores políticos responsáveis por planejá-la e estabelecê-la”, afirma Cortinhas. Para dar conta disso tudo, possuem grandes estruturas civis. Segundo o professor da UnB, os ministérios da defesa de países como a França e o Reino Unido têm mais de 60 mil funcionários civis cada um.

Já por aqui, o MD jamais funcionou como deveria. “Ele nunca cumpriu o papel de controle civil e foi se deteriorando com o tempo”, lamenta Cortinhas. A volta de um militar ao comando da Defesa se deu após o golpe parlamentar liderado por gente como Michel Temer e Eduardo Cunha, chancelado pelos comandantes geral e do Estado-Maior do Exército da época, Eduardo Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen, respectivamente – a tal ponto que Etchegoyen se tornaria ministro do recriado Gabinete de Segurança Institucional, com gabinete no Palácio do Planalto, logo após a posse de Temer.

Segundo dados retirados do Portal de Acesso à Informação do governo federal, o ministério da Defesa tinha 450 servidores (supostamente) civis em fevereiro de 2022, ante 1.055 militares – os fardados nunca foram tantos desde 2019. O supostamente, no caso, se deve ao fato de não ser claro se entre os servidores civis não estão listados também militares da reserva – ou seja, aposentados. Eu fiz essa pergunta ao MD, via assessoria de imprensa. A pasta não se deu ao trabalho de responder.

“Cobramos há muito tempo a criação do cargo de analista de defesa para civis. Temos uma massa pensante capacitada para isso, civil e especializada em temas de defesa. Mas ele nunca foi criado”, afirma Rezende.

Se o Ministério da Defesa brasileiro é nanico e majoritariamente fardado na comparação com os de democracias maduras, o contraste se torna escandaloso quando olhamos para a relação entre o pessoal civil que define as políticas de defesa e as forças armadas que irão executá-las.

“França e Grã Bretanha têm menos de 200 mil militares, cada, em suas Forças Armadas. O equilíbrio é completamente diverso do nosso”, diz Cortinhas. Segundo o Portal da Transparência, o Brasil tem mais de 340 mil militares na ativa nas três forças – apenas o Exército reúne mais de 198 mil. É claro que o Brasil tem um território muito maior, mas os dois países europeus foram campos de batalha nas duas guerras mundiais do século passado e têm armas nucleares – o que é revelador da prioridade que dão às políticas de defesa. Por aqui, a única guerra que ameaçou o território brasileiro foi a do Paraguai, encerrada em 1870. Desde então, o Exército, particularmente, passou a se dedicar prioritariamente a se meter na política, perpetrar golpes de estado e combater brasileiros por razões ideológicas.

Confrontando o tamanho das Forças Armadas e de pessoal no Ministério da Defesa, temos no Brasil 756 militares para cada servidor civil – isso considerando que não haja um único militar da reserva entre os 450 “civis” da pasta. Na França e no Reino Unido, a relação é de três militares a cada civil.

A disparidade fica mais clara quando se comparam os gastos militares do Brasil e de países membros da Organização do Tratado Atlântico Norte, a Otan. “O padrão Otan, para gastos com pessoal, é de um máximo de 40% [do orçamento da defesa]. O Brasil gasta mais de 80% com pessoal. Já para investimentos em equipamentos, tecnologia e manutenção, a Otan tem como ideal ao menos 20% do orçamento. O Brasil só usa cerca de 5% para isso. Porque as Forças Armadas são grandes demais, e muito mal equipadas”, enumera Cortinhas.

E, claro, também porque o oficialato brasileiro aprecia a boa vida. Graças a generosas medidas do governo Bolsonaro, os militares – principalmente os de alta patente – escaparam do arrocho salarial imposto aos servidores públicos civis. Os generais de pijama que patrocinam o governo do indisciplinado capitão reformado podem acumular vencimentos acima do teto constitucional: Luiz Eduardo Ramos, que correu para um cargo no Palácio do Planalto quando ainda era general de quatro estrelas da ativa, embolsa o equivalente a R$ 72,8 mil mensais. E a reforma da previdência militar patrocinada por Bolsonaro garantiu mamatas em série ao oficialato.

Tão preocupados com o próprio bolso, os militares usam mal o dinheiro destinado ao próprio trabalho. “O MD é o órgão que deveria dar racionalidade e efetividade operacional às Forças Armadas. No Brasil, cada uma planeja sozinha, cada uma faz compras [de armamentos e equipamentos] sozinha. Diferentes forças acabam por comprar equipamentos parecidos em processos de licitação separados”, Cortinhas explica.

Me dá um dinheiro aí?

Os relatórios das comissões da Câmara dos Deputados e do Senado que deveriam fiscalizar as atividades das Forças Armadas brasileiras são um retrato acabado da subserviência que boa parte da classe política brasileira adota para se referir aos militares.

“Eu considero as duas comissões muito fracas e ineficazes”, avalia Stephen Saideman, da Universidade de Carleton. “Isso se deve ao hiperpresidencialismobrasileiro, ao foco dividido com as relações exteriores – que recebem muito mais atenção que a defesa – e ao fato de as comissões não terem acesso a informações sigilosas ou mesmo um poder real de influenciar [as políticas de defesa]”.

“As Forças Armadas, desde a transição [para a democracia, em 1985], têm assessorias parlamentares nas comissões que fazem um trabalho que deveria ser do Ministério da Defesa. Na prática, é uma espécie de lobby, feito obviamente com anuência dos parlamentares”, diz Marina Vitelli, da UFRRJ.

Comissões bem assessoradas por pessoal civil especializado em defesa existem, por exemplo, no parlamento argentino. Nos EUA, os comitês das Forças Armadas na Câmara e no Senado foram fundamentais para apurar crimes cometidos pelo Exército americano na guerra do Vietnã – o massacre de My Lai e os bombardeios em áreas civis no Vietnã do Norte e no Camboja – revelados pelo premiado repórter Seymour M. Hersh.

Por aqui, entretanto, a realidade é outra.

Comecemos pela Câmara. O relatório da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, a Credn, sobre 2021 não traz uma única palavra sobre a infame ordem do dia na qual o então ministro da Defesa Walter Braga Netto afirmou que “no chamado movimento de 31 de março de 1964 as Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o país, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”.

Aécio Neves, eleito pelo PSDB de Minas Gerais e neto de Tancredo Neves, que era igualmente deputado federal em 1964 e defendeu até o dia do golpe militar o governo constitucional de João Goulart, não parece ter se incomodado com a visão de Braga Netto sobre a ditadura que fechou o Congresso Nacional por três vezes – em 1966, 1968 e 1977.

Pelo contrário: na carta de apresentação do relatório de 117 páginas, Aécio diz ter trabalhado “pela ampliação da interlocução da Credn com as Forças Armadas”. A julgar pelo teor do relatório, foi uma interlocução em que os deputados mais ouviram do que falaram, e resolveram simplesmente ignorar temas como a defesa da democracia e o repúdio ao golpe militar.

Menos de um mês após assinar a ordem do dia sobre o 31 de março, Braga Netto foi à comissão acompanhado dos então recém-nomeados  comandantes do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (atual ministro da Defesa); da Marinha, Almir Garnier Santos; e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior. Numa das maiores crises militares desde 1985, o antecessor de Braga Netto, o também general Fernando de Azevedo e Silva, havia sido demitido por Bolsonaro juntamente com os chefes das três forças. Mas, pelo conteúdo do relatório, nem a demissão nem a ordem do dia golpista foram tema da Credn – se foram, Aécio achou que não se tratava de informação relevante o suficiente para ser publicada.

Sem terem de responder a perguntas difíceis, Braga Netto e os comandantes impuseram a pauta sobre a “chamada operação Covid-19, que contou com o engajamento contínuo da três Forças, tanto nas ações de enfrentamento à pandemia quanto nas frentes de apoio às vítimas, sobretudo as que residem nos mais longínquos rincões do País”, nas palavras de Aécio. Dias antes, o Senado havia instalado a CPI da Covid, que fez sentar no banco dos réus o general de três estrelas da ativa Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde durante boa parte da pandemia que já matou 665 mil brasileiros.

A docilidade se repetiu ao longo do ano. Em agosto, Braga Netto voltou à Credn para jurar que “o presidente da República não usa politicamente as Forças Armadas. Ponto. E não existe política partidária dentro dos quartéis”. O general, provável vice-presidente na chapa de Bolsonaro para a reeleição, também garantiu que o desfile de blindados da Marinha na Esplanada dos Ministérios no dia em que a Câmara dos Deputados votaria a emenda constitucional do voto impresso “não pode ser visto como ameaça das Forças Armadas ao estado de direito”. Pelo teor do relatório de atividades da comissão, não houve contestação às palavras de Braga Netto, nem censura de membros da comissão à pantomima fumacenta.

Pelo contrário, Braga Netto sentiu-se à vontade para pedir mais dinheiro para os seus, ao dizer que o Brasil ocupa a 85ª posição mundial no ranking de orçamentos de defesa em relação ao produto interno bruto, e para agradecer aos deputados pelas emendas destinadas à área.

O panorama repetiu o de 2019, ano em que a comissão foi presidida por Eduardo Bolsonaro, do PSL paulista (em 2020, a comissão não realizou atividades por causa da pandemia). Um só requerimento com poder de causar algum incômodo aos militares foi aprovado no ano, mas não tratou do sobrevoo de Bolsonaro e Azevedo e Silva na manifestação que pediu o fechamento do Supremo Tribunal Federal e a volta do AI-5, mas da apreensão de 39 quilos de cocaína num avião da Força Aérea Brasileira na Espanha.

Em 2018, o relatório da Credn, presidida na época pelo deputado Nilson Pinto, do PSDB paraense, registrou que o então comandante geral do Exército Eduardo Villas Bôas garantiu, em maio daquele ano, que “as Forças Armadas estão cientes das suas responsabilidades como instituições permanentes e regulares na garantia dos poderes constitucionais”. É curioso que o chefe de uma das forças tenha se sentido à vontade para falar em nome das outras duas.

Incrivelmente, a lorota foi contada por Villas Bôas menos de dois meses após ele ameaçar via Twitter o Supremo na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula, então cercado pela Lava Jato. Pinto, aparentemente, a engoliu satisfeito – o relatório da comissão presidida por ele não faz sequer menção, menos ainda censura, ao tweet do general, que aproveitou a reunião para pedir que “recursos destinados aos projetos estratégicos [das Forças Armadas] sejam aumentados e assegurados”.

A situação não é diferente no Senado. Em 2021, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que na casa usa a sigla CRE, fez eventos até com chefs de cozinha para tratar da gastronomia no turismo. Nem uma palavra no relatório do grupo presidido pela senadora Kátia Abreu, do PP do Tocantins, trata da ordem do dia golpista ou da demissão de Azevedo e Silva e dos comandantes das três forças.

Ao contrário: quando trata dos militares, o documento se dedica a destrinchar os esforços da CRE por emendas em favor das Forças Armadas e a relatar um “ciclo de audiências públicas sobre o tema Fortalecimento da Base Industrial de Defesa”.

Em 2019, a CRE presidida por Nelson Trad Filho, o Nelsinho Trad, do PSD do Mato Grosso, recebeu Azevedo e Silva para que ele mostrasse “o tamanho da missão dos militares em atuar em 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território nacional”. Também houve espaço, no relatório daquele ano, para o acidente com o voo da Chapecoense na Colômbia, que segundo o texto mobilizou a CRE “por justiça para famílias das vítimas”. Sobre manifestações golpistas e ordens do dia celebrando a ditadura, nada.

Ainda assim, o documento é rico se comparado ao anterior. Foi em meras cinco páginas que a CRE, presidida por Fernando Collor de Mello, senador por Alagoas, à época no PTC e atualmente no PTB, expôs todo o seu trabalho em 2017 e 2018. Naturalmente, não houve espaço para tratar dos tweets com ameaças de Villas Bôas.

“Temos muito poucos parlamentares que atuam na pauta. O mais frequente nos últimos anos era justamente Jair Bolsonaro, que sempre estava na comissão, mas para fazer defesa corporativa dos militares”, analisa Lucas Rezende. “Havia também Raul Jungmann [do Cidadania, ex-ministro extraordinário da Segurança Pública no governo Temer e atualmente parceiro de Sérgio Etchegoyen num instituto privado], muito subserviente à agenda dos militares, [a deputada federal] Perpétua Almeida [do PCdoB acreano], com uma visão mais de esquerda, e que talvez tenha tentado mais iniciativas para implementar o controle civil dos militares”.

Mas a falta de interesse da maioria dos políticos em tratar do tema das Forças Armadas é revelador de um problema mais grave, analisa Marina Vitelli. “Se temos tanto receio de melindrar os militares e nos importarmos com o que eles acham sobre como o Brasil deve ser governado, precisamos nos questionar a que ponto somos uma democracia”.


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