29/03/2024 - Edição 540

Poder

Ataques de Bolsonaro à democracia causam alerta na ONU

Publicado em 20/05/2022 12:00 -

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Pela primeira vez, os ataques de Jair Bolsonaro contra a democracia são alvos de uma reunião entre um dos principais relatores da ONU (Organização das Nações Unidas) e instituições brasileiras. O contato, que ocorreu na quinta-feira (20), evidencia a preocupação internacional em relação ao destino da democracia e o temor de que o processo eleitoral abra uma crise no maior país da América Latina.

No encontro, os grupos apresentaram ao relator das Nações Unidas sobre Independência de Juízes e Advogados, Diego García-Sayán, evidências e informações sobre as ameaças contra o Poder Judiciário e contra o estado democrático de direito.

A reunião, online, aconteceu por iniciativa da ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Também estavam presentes a AJD (Associação Juízes pela Democracia), Comissão Arns, Comissão Nacional de Direito Internacional da OAB-ES, Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ, Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, Conectas Direitos Humanos, CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos), Pacto pela Democracia e SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

Os relatores da ONU não têm o poder de julgar ou tomar medidas contra um país. Mas, ao exigir respostas ou fazer denúncias públicas, os representantes podem colocar pressão e constranger um governo diante da comunidade internacional.

A reunião ocorre no momento de reiterados ataques contra a democracia e o sistema eleitoral por parte do presidente brasileiro, que enviou uma representação ao STF (Supremo Tribunal Federal) para que o ministro Alexandre de Moraes, da mesma corte, fosse investigado por suposto abuso de autoridade. As entidades entendem que a denúncia foi rejeitada, e agora Bolsonaro tenta outro caminho para acirrar os ânimos entre os poderes, utilizando-se da Procuradoria-Geral da República.

Durante o encontro, Diego García-Sayán admitiu que não tinha conhecimento do grau de ataques e defendeu que será necessário "enfatizar" a atenção no cenário político e democrático brasileiro quanto à independência de juízes e também da Justiça Eleitoral.

Uma nova roda de conversa será marcada para que o representante da ONU se mantenha atualizado dos acontecimentos. Existe também a possibilidade de uma visita ao Brasil ainda este ano.

O novo presidente da ABI, Otávio Costa, participou da reunião e manifestou ao representante das Nações Unidas sua preocupação com a segurança e a independência do sistema eleitoral devido aos ataques contra o Poder Judiciário e o receio de o presidente não aceitar uma eventual derrota nas urnas.

"Foi uma reunião importante, e estamos gratos ao relator Diego García-Sayán por sua disponibilidade de nos ouvir. Ele se mostrou bastante interessado no assunto e continuará recebendo os nossos informes e reportes sobre a situação política no país no âmbito das tentativas de interferência do Poder Executivo sobre o Judiciário", avaliaram os advogados Carlos Nicodemos, do escritório Nicodemos & Nederstigt Advogados Associados, que defende a ABI, e Maria Fernanda Fernandes Cunha, secretária-geral da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ.

Bolsonaristas aprofundam laços com grupos acusados de ameaçar a democracia

Enquanto o Itamaraty atua de forma institucional para manter as relações do Brasil com parceiros estratégicos pelo mundo, uma diplomacia paralela consolida o governo de Jair Bolsonaro como um ator de destaque no movimento ultraconservador mundial.

Nas próximas duas semanas, em eventos em Budapeste, representantes brasileiros foram convidados para debater ao lado de alguns dos principais partidos de extrema direita do mundo, frequentemente acusados de xenófobos, supremacistas, anti-imigração e que ameaçam a democracia.

Um desses eventos ocorre nos próximos dias e é organizado pela influente Conservative Political Action Conference, entidade americana que tem sido um dos palcos da promoção da ideia de que a vitória de Joe Biden nas eleições americanas foi resultado de fraude. Não existem provas neste sentido e todas as auditorias realizadas apontaram para uma constatação de que voto foi legítimo.

Há poucas semanas, em Orlando (Flórida), um evento organizado pelo mesmo grupo contava com a venda de bandeiras que diziam "Trump Venceu".

Com o objetivo de se internacionalizar, o grupo agora quer realizar seu maior evento na Europa e escolheu a Hungria do líder de extrema-direita Viktor Orbán como sede. Entre os principais nomes do evento que ocorre nos dias 19 e 20 de maio está o do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL).

A conferência ainda contará com alguns dos principais aliados da líder da extrema-direita da França, Marine Le Pen, partidos extremistas da Bélgica, Áustria e Espanha, além de influenciadores e jornalistas da Fox News ligados ao ex-presidente Donald Trump. Outro nome confirmado é de Nigel Farage, que encabeçou a campanha pelo Brexit, além da cúpula do governo Orbán.

Grupos de direitos humanos, especialistas e mesmo instituições como a ONU e a União Europeia já lançaram alertas sobre o papel dessas forças políticas no desmantelamento da democracia liberal.

Na agenda do evento, aparecem temas como "Deus, pátria e família". Em outro debate, o assunto é anunciado com uma frase: "O homem é um pai, a mãe é uma mulher". Também estão previstos encontros para falar sobre o fato de que "a civilização ocidental está sob ataque".

Procurado pela coluna para explicar sua participação, o deputado brasileiro não respondeu.

Os eventos não se limitam à presença de Eduardo Bolsonaro. Dias depois, também na Hungria, outro evento reunirá alguns dos principais interlocutores do movimento conservador do mundo. Neste caso, quem representará o Brasil é a secretária de Família, Angela Gandra, que assumiu uma função central na ação externa do Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos.

Procurada, a pasta não respondeu à coluna sobre quem pagaria pela viagem da secretária e nem qual era o objetivo da representante do governo em sua participação.

"Informamos que na próxima semana a secretária Angela estará de férias, período de 23 de maio a 11 de junho", explicou o ministério. "Sendo assim, qualquer viagem neste período não haverá recurso público", completou.

No programa oficial do evento, porém, Gandra aparece com a descrição de secretária do governo.

Entre os patrocinadores do evento estão entidades que estão fazendo um intenso lobby nos organismos internacionais contra qualquer referência ao aborto e promovendo a ideia da família tradicional.

O principal organizador, o Political Network for Values, atacou abertamente a OMS há poucas semanas por conta das recomendações da agência internacional que defendia que o aborto fosse descriminalizado.

"Promover a descriminalização e a facilitação do aborto através de uma agência internacional é uma forma de colonização ideológica", acusa o grupo que convidou Gandra. "O aborto é um problema social e cultural do qual toda uma indústria lucra, explorando o sofrimento e a vulnerabilidade", completam.

A líder do movimento até recentemente, a húngara Katalin Novák, agora é a nova presidente do país que é um dos poucos aliados de Jair Bolsonaro hoje no mundo.

O evento ainda contará com algumas das lideranças ultraconservadores da Eslováquia, Chile, Equador e Espanha.


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