25/04/2024 - Edição 540

Especial

Perigo à vista

Publicado em 29/04/2022 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O presidente Jair Bolsonaro intensificou sua ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana. Na quarta-feira (27) em um evento oficial no Palácio do Planalto, no qual atacou a Corte e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e defendeu uma contagem paralela de votos nas eleições deste ano, controlada pelas Forças Armadas.

A cerimônia em Brasília foi batizada de "ato cívico pela liberdade de expressão" e foi transmitida ao vivo pela TV Brasil. Com duração de quase duas horas, o evento contou com a presença e os discursos de parlamentares governistas e foi mobilizado pelas bancadas evangélica e da bala no Congresso.

Em sua fala, Bolsonaro voltou a levantar suspeitas sobre as urnas eletrônicas e disse que as Forças Armadas sugeriram ao TSE que os militares tenham um computador próprio para receber os votos a fim de realizarem uma apuração paralela das eleições.

O presidente alegou ainda que os votos nas eleições brasileiras são contados por técnicos do TSE em uma "sala secreta", algo que o próprio tribunal já negou em julho do ano passado, após mais um ataque de Bolsonaro ao sistema eleitoral.

"Como os dados vêm pela internet para cá e tem um cabo que alimenta a sala secreta do TSE, uma das sugestões é que, nesse mesmo duto que alimenta a sala secreta, seja feita uma ramificação um pouquinho à direita para que tenhamos do lado um computador das Forças Armadas, para contar os votos no Brasil", afirmou o presidente no evento.

Bolsonaro disse esperar uma resposta do TSE às sugestões dos militares nos próximos dias. "Estamos colaborando com o que há de melhor entre nós, e essas sugestões todas foram técnicas. Não se fala ali em voto impresso. Não precisamos de voto impresso para garantir a lisura das eleições. Mas precisamos de uma maneira para a gente confiar nas eleições."

Ataques a Barroso

O presidente ainda voltou a atacar o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que na semana passada, em videoconferência com alunos brasileiros da Hertie School, em Berlim, indicou haver tentativas para "jogar as Forças Armadas no varejo da política" e usá-las para desacreditar o processo eleitoral.

"Que acusação é essa?", questionou Bolsonaro. "Isso não é o papel de alguém que é democrata, que luta por liberdade, que é o bem do seu povo."

Barroso é alvo constante de Bolsonaro por ter sido presidente do Tribunal Superior Eleitoral de 2020 a 2022. Durante seu mandato, o ministro repeliu repetidamente questionamentos do presidente sobre a segurança das urnas eletrônicas e do processo eleitoral.

Bolsonaro ainda cometeu um ato falho ao atacar Barroso, dizendo que o país tem "um chefe do Executivo que mente". Chefe do Executivo é o presidente da República, mas ele aparentemente se referia ao ministro do STF, pois chegou a acusar Barroso de mentir em outro ponto do discurso, e ainda emendou: "E eles convidaram as Forças Armadas a participar do processo. Será que ele se esqueceu que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Jair Messias Bolsonaro?"

Bolsonaro se referia ao fato de Barroso, enquanto presidente do TSE, ter convidado as Forças Armadas em 2021 para integrar a comissão de transparência das eleições deste ano.

Apoio a Daniel Silveira

A cerimônia no Planalto foi convocada após outra afronta recente de Bolsonaro ao Supremo: a concessão de indulto ao deputado Daniel Silveira, condenado na semana passada pelo plenário da Corte a 8 anos e 9 meses de prisão por ameaças às instituições democráticas do país. Menos de 24 horas depois, Bolsonaro editou um decreto perdoando Silveira e livrando-o de cumprir a pena.

Presente no evento em Brasília, o deputado exibiu um quadro com o decreto do indulto, em uma moldura verde e amarela. Questionado se ele se candidataria nas eleições deste ano, Silveira voltou a ser afrontoso com o STF: "Pela lei, nada me impede. Só se alguém tiver uma imaginação muito fértil para tentar me tirar isso. Pela lei, não."

Nesta semana, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, relator do processo contra Silveira, afirmou que o deputado continua inelegível após a condenação pelo STF, apesar do perdão concedido por Bolsonaro.

O presidente, por sua vez, afirmou que foi alertado de que poderia ter "problemas com o Supremo" caso perdoasse Silveira, mas disse que não pode "acreditar em retaliações". "Temos ações graves que tramitam no Supremo", alegou.

Estratégia de desgaste

Promover ataques ao Supremo integra o roteiro de líderes de extrema direita em todo o mundo. Nas democracias modernas, as Cortes supremas são responsáveis por limitar a atuação do Executivo quando este age fora da Constituição. Líderes que buscam minar instituições democráticas tentam desgastar as Cortes para alcançar esse objetivo.

Nos governos brasileiros pós-redemocratização, era comum ouvir de presidentes de variados matizes ideológicos o mantra de que "decisão do Supremo não se discute, se cumpre", reafirmando esse princípio básico das democracias constitucionais. Sob Bolsonaro, essa premissa foi deixada de lado.

Os ataques de Bolsonaro ao Supremo não são novos, e chegaram a delinear crises institucionais durante a pandemia, quando o presidente se irritou com decisões da Corte que reconheciam a autoridade de municípios e estados para definir medidas de controle da pandemia – que iam na direção contrária da orientação do governo federal, contra medidas de isolamento social.

O conflito aberto de Bolsonaro com o Supremo também é útil para o presidente mobilizar sua base radical de apoiadores no ano eleitoral.

STF vive encruzilhada política

A aridez que hoje marca a relação entre os Poderes Legislativo e Judiciário ajudou a moldar um cenário que evidencia um STF cada vez mais político e menos jurídico. Essa é a configuração atualmente percebida pela cientista política Rosemary Segurado, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Para a pesquisadora, o fato de os ministros estarem procurando lideranças partidárias e caciques do Congresso Nacional para tentar costurar uma saída conjunta para o imbróglio criado pela condenação de Daniel Silveira é um elemento que pesa na análise.

Os magistrados estariam, nos bastidores, buscando uma solução que contemple todas as partes do conflito. O engodo movimenta os Três Poderes.

“Eu imagino que o Judiciário é o guardião da Constituição. Então, ele tem que fazê-la valer e, se ele está negociando, é porque está colocando esses preceitos constitucionais num segundo plano. Acho que é preocupante porque é um freio de acomodação, e nós estamos nesse freio já há alguns anos”, identifica a professora.

Ela ressalta que o comportamento atual do STF estimula o aumento de influência e poder por parte do setor antidemocrático.

“Com o fato de o Legislativo fazer esse jogo de tentar negociar não há surpresa, principalmente considerando o perfil e a trajetória dos que o presidem hoje e considerando também que negociar é o papel do Legislativo. Agora, por parte do Supremo isso me parece como se ele estivesse abrindo mão das suas prerrogativas. O STF é pra fazer isso?”, questiona Segurado.

Com os últimos fatos envolvendo o caso de Silveira, a crise institucional saiu do eixo Executivo-Judiciário e aportou no Congresso, novo centro de gravidade do conflito. O redesenho tem hoje uma questão central: o STF irá ou não derrubar o indulto de Bolsonaro que tenta livrar Silveira da prisão? Informações de bastidores divulgadas pela imprensa têm apontado para dissidências internas na Corte a respeito do assunto.

Por um lado, parte dos ministros entende que há entraves jurídicos para a queda do decreto porque, em 2017, quando se debruçou a respeito de um indulto coletivo concedido por Michel Temer (MDB), a Corte entendeu que o chefe do Executivo tem discricionariedade para esse tipo de ato.  

“Do ponto de vista jurídico, é controverso. O STF tem o entendimento de que o mérito não pode ser discutido, mas há limites pra concessão do indulto. A graça é um tipo de indulto individual. Algumas dessas questões poderiam ser levantadas juridicamente, entre elas o fato de que a Lei de Execução Penal não prevê a concessão de indulto antes do trânsito em julgado”, lembra o professor Pablo Holmes, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB).

Por outro, argumenta-se que o contexto da atual controvérsia seria outro, inclusive por conta da falta de impessoalidade – um princípio constitucional – que caracteriza o documento assinado por Bolsonaro. O presidente tem em Daniel Silveira um aliado e um dos expoentes de defesa do bolsonarismo, com destaque para a parceria no ataque às instituições.

Cálculo

Para além das questões jurídicas, o aspecto político é o que pesa mais neste momento, na avaliação de Holmes. “Acho que o cálculo do STF agora é difícil porque uma radicalização do Supremo vai também favorecer o argumento do Bolsonaro de que ele estaria sendo perseguido, de que o STF não deixa ele governar, essas bobagens todas que ele repete. Acho que pro STF enfrentar agora vai ter um custo político”, avalia.

Paralelamente, o passo a passo do conflito acende novos alertas relacionados às eleições de outubro. Isso porque a crise institucional vem sendo alimentada no compasso dos ataques bolsonaristas ao sistema eleitoral e da proximidade com o pleito deste ano.

Uma eventual não derrubada do decreto ajudaria a sedimentar o caminho para que o presidente amplie sua cruzada às urnas logo adiante, comprometendo a credibilidade do sistema eleitoral e tumultuando o pleito. 

“Não existe escolha fácil. Não acredito em solução jurídica. Acho que a solução será política. Ela vai ser acordada”, projeta a cientista política Grazielle Albuquerque, ao observar o caminho que vem sendo construído pelos ministros.   

As interrogações do cenário se fortalecem à medida que as pesquisas de opinião mostram Lula (PT) consolidado como líder das intenções de voto contra um presidente da República que acumula alta rejeição.

“E fica cada vez mais claro que Bolsonaro está criando um ambiente pra contestar as eleições. Isso é evidente. A imprensa e o Congresso deveriam estar muito atentos a isso. Qualquer risco às eleições atinge também o Congresso”, realça Pablo Holmes.

Discrição

Quaisquer que sejam os próximos capítulos da disputa, chama a atenção ainda no cenário atual o comportamento público dos ministros do Supremo. Logo no início do conflito não era raro ver alguns dos magistrados respondendo às bravatas do presidente da República contra a reputação do Poder Judiciário.

Agora, após a condenação de Silveira, o mundo ao redor observa um Supremo mais contido diante do desenrolar da crise. Diferentemente do que se poderia imaginar, o indulto do chefe do Executivo não gerou grandes sobressaltos públicos por parte dos ministros.

O ponto de virada atraiu a atenção de Grazielle Albuquerque, que pesquisa e acompanha com atenção o histórico do Poder Judiciário no Brasil. “Acho que o STF entendeu que a comunicação bolsonarista é toda acertada e feita pra um grupo pra animar a plateia do Bolsonaro. Qualquer resposta nesse contexto colocaria fogo na situação”, examina.

Em sua análise, a resposta da Corte tende a vir somente no âmbito do trâmite processual.  “É um silêncio estratégico diante da agenda pública e uma grande coalizão interna, pelo menos dentro da antiga formação do Supremo”, pondera Grazielle, ao excluir os ministros Nunes Marques e André Mendonça, ambos conservadores e indicados à Corte por Bolsonaro.

Brasil virou República terapêutica para tratar Bolsonaro de suas loucuras

Com um único lance —o decreto de indulto de Daniel Silveira—, Bolsonaro deu um nó no Supremo Tribunal Federal, despertou no Congresso o instinto de sobrevivência, calou o rival Lula e pautou a imprensa. É como se o presidente tivesse transformado o Brasil numa República terapêutica para tratar das suas loucuras.

Em 2018, Eduardo Bolsonaro causou frisson ao dizer que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo. Seu pai precisou apenas de um decreto para anular a supremacia da Corte. Se Bolsonaro é maníaco, os ministros do Supremo são depressivos. A Corte piscou. Alguns de seus ministros querem reabrir canais de diálogo com o presidente, que desautorizou a negociação de qualquer armistício.

Relatora de quatro ações contra o perdão do presidente ao aliado condenado a quase nove anos de cadeia, a ministra Rosa Weber não se animou a suspender o decreto com uma liminar. Concedeu 15 dias para explicações. Em teoria, serão dez dias para Bolsonaro e cinco para a Advocacia-Geral da República. Na prática, é um prazo que o Supremo dá a si mesmo para decidir como lidar com Bolsonaro.

Alheio às hesitações, o presidente já armou o próximo bote. Insinuou que pode descumprir futura decisão do Supremo sobre o marco temporal para terras indígenas.

Lula evita há cinco dias comentar esta penúltima manobra de Bolsonaro. Chama de estratégia um silêncio que mais se parece com covardia. No Congresso, trama-se a aprovação de projeto para dificultar a cassação de mandatos (o de Silveira e de tantos outros).

Na imprensa, o noticiário sobre a crise institucional ocupa parte do espaço antes dedicado aos assaltos no Ministério da Educação.

O país piorou. Mas pesquisas encomendadas pelo PL informam que o índice de intenção de votos do presidente melhorou. Antes, o centrão vigiava Bolsonaro. Agora, exclama: Santa demência!

Tudo enlouquece Bolsonaro, exceto a inflação, o desemprego e a anestesia econômica. Os brasileiros têm cinco meses para decidir se darão alta ao presidente ou se renovarão a internação por mais quatro anos.

Primeiro passo de um golpe

Jair Bolsonaro reafirmou que pode descumprir decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal se a corte votar contra o seu desejo, o que seria o primeiro passo para a instalação de um regime autoritário.

Em discurso na cerimônia de abertura da 27ª Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação), em Ribeirão Preto (SP), ou seja, falando principalmente ao agronegócio, o presidente disse que, caso o STF decida contra o marco temporal, ele pode simplesmente ignorar.

A tese do marco temporal defende que indígenas só podem reivindicar terras que já eram ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, ou áreas que já disputavam judicialmente naquele momento, apesar de nada disso estar escrito em nossa Carta Magna.

Considerando que parte desses povos estavam expulsos de seus locais de origem há 34 anos, na prática, isso é uma tremenda de uma sacanagem.

"Se ele [ministro Edson Fachin, relator do caso no STF] conseguir vitória nisso, me restam duas coisas: entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativa", disse Bolsonaro hoje.

Quando se fala em golpe de Estado, a imagem histórica remete a uma fila de tanques descendo de Minas Gerais até o Rio de Janeiro e a imagem moderna aponta para um cabo e um soldado batendo na porta do STF, como já disse aqui. Mas o uso de tropas é desnecessário. Para um golpe, basta que o Poder Executivo passe a governar no arrepio da Constituição, ignorando ordens judiciais e leis.

Por exemplo, fazendo de conta que a decisão sobre o marco temporal nunca existiu.

O julgamento, que já levou milhares de representantes de povos indígenas a Brasília, foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. A avaliação é de que isso serviu para baixar a fervura entre o Palácio do Planalto e o STF, que escalou quando a corte trouxe o assunto para análise.

No dia 28 de agosto do ano passado, o presidente fez a mesma ameaça. "Se aprovado, tenho duas opções, não vou dizer agora, mas já está decidida qual é essa opção, é aquela que interessa ao povo brasileiro, aquela que estará ao lado da nossa Constituição", declarou.

Bolsonaro, que prometeu não demarcar "um centímetro quadrado" de território em seu governo, sempre teve uma relação agressiva com os povos indígenas quando parlamentar.

"Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens", foi a resposta do então deputado Jair Bolsonaro após um indígena jogar água em sua direção, em maio de 2008, num bate-boca em uma audiência pública para discutir a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Quatro anos antes, durante outra reunião sobre o mesmo tema, Jair havia dito: "O índio, sem falar a nossa língua, fedorento, é o mínimo que posso falar, na maioria das vezes, vem para cá, sem qualquer noção de educação, fazer lobby".

Em uma semana, Bolsonaro esticou a corda com o STF duas vezes. Na primeira, deu um perdão a Silveira. O presidente não se importa com Silveira, mas usou a condenação para montar uma farsa a fim de erodir a legitimidade do STF, uma das raras instituições que não se dobraram às suas necessidades.

Da mesma forma, Bolsonaro arma, agora, um circo, com a ajuda de seu círculo militar próximo, para atacar o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que disse o óbvio: que o presidente tenta usar as Forças Armadas para atacar o sistema eleitoral brasileiro.

Com todas as críticas que lhe são cabidas, o Supremo tem sido um dos únicos entraves a Bolsonaro governar fora das regras do jogo democrático. Por conta disso, desde o início de seu governo, ele vem agindo para corroer a autoridade da corte e, por conseguinte, a própria Constituição.

A situação vai só piorar daqui até as eleições, com Bolsonaro tentando garantir que o STF seja visto como uma instituição suspeita de julgar seus atos como governante. O que também cria uma justificativa para o não reconhecimento das eleições, em caso de derrota.

Às vezes, democracias morrem em silêncio, sem um único tiro.

Sem medo do escuro, mas com as luzes acesas agora

O vice-presidente Hamilton Mourão, candidato do Republicanos a senador pelo Rio Grande do Sul, está coberto de razão ao dizer que as “Forças Armadas não são crianças para ser orientadas”. Por que não disse isso ao presidente Jair Bolsonaro quando ele ainda lhe dava ouvidos? Por que mesmo assim não diz agora?

Quem, mais do que Bolsonaro, já tentou orientar as Forças Armadas? Tentou ao ameaçar detonar bombas em quartéis quando era apenas soldado e reclamava do soldo baixo. Acabou excluído do Exército por “conduta antiética”. Bolsonaro tenta orientar desde que se elegeu presidente e passou a receber continências.

Nem os generais, presidentes da ditadura de 64, empregaram tantos militares em seus governos quanto Bolsonaro emprega no dele. Nem os generais, ao seu tempo, concederam tantos benefícios às suas tropas. Bolsonaro chegou ao ponto de fazer uma reforma da Previdência só para os fardados, poupando-os de sacrifícios.

Em troca, sempre cobrou obediência cega, mesmo que à custa do desrespeito aos códigos militares. Segundo os códigos, por exemplo, a um general da ativa é proibido participar de manifestações políticas. O general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, participou de uma no Rio a convite de Bolsonaro.

Era para ter sido punido. O general Paulo Sérgio de Oliveira, à época Comandante do Exército, planejou puni-lo. E o Estado Maior do Exército concordou com a punição. Bolsonaro impediu-a. Infringir leis e rasgar códigos pode desde que seja a seu favor. O que for ao seu desfavor, mesmo que dentro da lei, é suspeito.

Paulo Sérgio é o terceiro ministro da Defesa do governo Bolsonaro em três anos. O primeiro, o general Fernando Azevedo e Silva, saiu porque resistia às intromissões de Bolsonaro nas Forças Armadas. Foi a ele que Bolsonaro pediu, em vão, que mandasse aviões da FAB voarem baixinho sobre o prédio do Supremo Tribunal Federal.

Para quê? Para que o sobrevoo quebrasse os vidros do prédio onde despacham ministros tidos por ele, e também por grande parte dos militares da reserva e da ativa, como de esquerda, inimigos do governo e eleitores de Lula. Não só devolveram a elegibilidade de Lula como desejam vê-lo derrotar Bolsonaro em outubro.

O segundo general ministro da Defesa foi Braga Neto, que forçou os comandantes das três armas a pedirem demissão, solidários com Azevedo e Silva. Braga Neto deixou o cargo para filiar-se ao PL do ex-mensaleiro Valdemar Costa Neto, condenado e preso. A ele está reservado o lugar de vice na chapa presidencial.

Se Bolsonaro vencer, a Braga Neto estará reservado também o papel de inviabilizar qualquer pedido de impeachment na Câmara, e de diminuir a influência do Centrão sobre o governo. É por isso que o Centrão quer um vice de raízes políticas, a pretexto de que ele trará para a chapa os votos que Braga Neto não tem.

Deu certo o plano de Bolsonaro de chegar às vésperas das eleições com o pleno domínio das Forças Armadas. Caberia repetir o que ele dizia: “Meu Exército”, ou “Minhas Forças Armadas”, ou “Eu sou o Comandante Supremo das Forças Armadas”. Exultam com isso os devotos do ex-capitão anarquista. Receiam os adversários.

O que fará Bolsonaro se apesar de tudo for derrotado em outubro? Estimulará todo tipo de desordem parece ser a resposta certa. Mas, e as Forças Armadas, guardiãs da ordem? Apoiarão a desordem? Ocuparão a Esplanada dos Ministérios com tanques da Marinha? Fecharão o Congresso e o Supremo? Derrubarão a internet?

Só no ano passado, Bolsonaro questionou o sistema eleitoral brasileiro pelo menos 23 vezes, e sempre com o objetivo de desacreditá-lo. Em 12 meses, criticou ministros do Supremo 12 vezes. Apesar disso, o decano do tribunal, o ministro Gilmar Mendes, é taxativo: “Não haverá golpe”.

Seu colega, o ministro Luís Roberto Barroso, embora concorde com Gilmar, prefere parodiar a música da Legião Urbana: “Não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas”.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *