25/04/2024 - Edição 540

Mato Grosso do Sul

STF suspende despejo de comunidade Guarani e Kaiowá do tekoha Mboreviry, em Naviraí

Publicado em 28/04/2022 12:00 -

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No último dia 25, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a liminar que determinava o despejo da comunidade Guarani e Kaiowá do tekoha Mboreviry, localizado em Naviraí (MS). O pedido de reintegração de posse havia sido movido por uma empresa do Grupo Petrópolis, um dos principais fabricantes de cerveja do Brasil.

A decisão do ministro Ricardo Lewandowski, também de caráter liminar, atende a uma reclamação protocolada pela comunidade indígena junto à Suprema Corte no dia 19 de abril.

Além de trazer um histórico da relação de tradicionalidade dos Guarani e Kaiowá com a área em disputa, localizada na zona urbana de Naviraí, os advogados da comunidade argumentaram que a liminar de reintegração de posse desrespeitava uma determinação do próprio STF.

Em 2020, no âmbito do processo de repercussão geral que definirá o futuro das demarcações de terras indígenas, o ministro Edson Fachin, relator do caso, determinou a suspensão de todos os processos que tratem do tema e que possam resultar na anulação de demarcações ou no despejo de comunidades indígenas.

A decisão de Fachin vigora até o fim da pandemia de Covid-19 ou até o término do julgamento de repercussão geral, caso ele ainda não tenha sido concluído quando a crise sanitária for considerada encerrada. O fim da pandemia, segundo Lewandowski, só pode ser definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Ele reconheceu o argumento apresentado pela comunidade do tekoha Mboreviry e garantiu que a suspensão de despejos contra povos indígenas no Brasil ainda está vigente. “Apesar da passagem do tempo desde a determinação dessa medida, ela continua em plena vigência”, afirma o ministro.

“Embora a pandemia da Covid-19, no momento, demonstre sinais de arrefecimento no território brasileiro, pela redução momentânea do número de contaminações e mortes, e pela ampliação da cobertura vacinal, é preciso reconhecer que não é possível afirmar que essa situação já esteja definitivamente consolidada”, prossegue Lewandowsi.

O magistrado ressalta ainda que, além de não poder ser considerada encerrada, a pandemia atingiu de forma desigual as diferentes camadas da sociedade brasileira. Ela foi mais severa para os setores mais vulneráveis da população, que “já sofriam as mazelas dos altos índices de desigualdade social e econômica”, salienta a decisão monocrática.

“Parece ser incontroverso nos autos que o local onde a comunidade está no momento é parte do território entendido como terra tradicional atribuída aos povos Guarani e Kaiowá”

Ocupação tradicional

A decisão do ministro ainda reconhece a legitimidade da demanda territorial dos Guarani e Kaiowá, que reivindicam a demarcação da área retomada em outubro de 2021 como terra indígena.

“Parece ser incontroverso nos autos que o local onde a comunidade está no momento é parte do território entendido como terra tradicional atribuída aos povos Guarani e Kaiowá, os quais demonstraram resistência em se retirarem do local, onde aparentemente estão abrigadas várias crianças e jovens”, pontua Lewandowski.

Um laudo antropológico produzido pela assessoria técnica do Ministério Público Federal (MPF) identificou que a relação dos Guarani e Kaiowá com a área retomada em 2021 é ancestral e com diversos aspectos de tradicionalidade. Segundo os indígenas, o local do tekoha – uma das últimas áreas verdes na zona urbana de Naviraí – nunca deixou de ser frequentado por eles.

“O processo de ocupação da área próxima ao Córrego Touro se deu como se os índios nunca estivessem estado ali, afinal, foram os bairros circundantes que avançaram junto a eles”, afirma o parecer técnico do MPF.

Atualmente, vivem no local 37 famílias Guarani e Kaiowá, e aproximadamente 65 crianças. O fortalecimento dos vínculos com a cultura tradicional e com a língua Guarani, inviabilizada pela vida nas periferias da cidade, foi uma das motivações da comunidade para a retomada.

“É uma conquista também no aspecto do acesso dos povos indígenas à justiça, ao reconhecer a legitimidade do próprio povo para ingressar em juízo”

Interesse de empresas

O ministro destacou, ainda, que o cumprimento da reintegração de posse seria “temerário”, em função do risco de “irreversibilidade da medida”. Além do interesse do Grupo Petrópolis, que instalou um barracão para a distribuição de cerveja numa parte da área, a decisão da 1ª Vara Federal de Naviraí salientava que outras duas empresas estavam em vias de concluir contratos para a utilização do espaço – entre elas, a empresa Mercado Livre, que pretendia instalar um “centro de distribuição” no local.

A liminar da Justiça Federal, proferida no dia 18 de abril, determinava que a comunidade indígena fosse retirada do local em até dez dias, e oficiava as polícias Federal e Militar e Prefeitura Municipal de Naviraí para que auxiliassem “na reintegração de posse forçada, caso necessário”.

A decisão do STF que suspendeu a reintegração de posse contra o tekoha Mboreviry também possui caráter liminar, explica o advogado da comunidade Guarani e Kaiowá e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso do Sul, Anderson Santos.

“Essa decisão do ministro, por seu caráter liminar, tem validade até o julgamento definitivo da reclamação da comunidade indígena”, explica o advogado da comunidade indígena. Ele aponta que a tendência é que a decisão favorável à comunidade seja mantida na análise do mérito da ação, também sob responsabilidade do ministro Ricardo Lewandowski.

“Tendo em vista que as outras reclamações, ao serem julgadas, mantiveram a suspensão dos processos até o julgamento do recurso extraordinário de repercussão geral, acreditamos que este caso também deverá ir nesse mesmo sentido, mantendo a comunidade segura até a conclusão do julgamento da repercussão geral pelo pleno do STF”, avalia o assessor jurídico.

Além da vitória obtida com a suspensão do despejo, Anderson destaca que outro aspecto a ser comemorado neste caso é o fato de que a decisão da Suprema Corte foi tomada com base numa ação movida pelos próprios Guarani e Kaiowá.

“Essa decisão atendeu a uma reclamação protocolada pela própria comunidade indígena. Nesse sentido, é uma conquista também no aspecto do acesso dos povos indígenas à justiça, ao reconhecer a legitimidade do próprio povo para ingressar em juízo”, analisa.


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