29/03/2024 - Edição 540

Especial

Os inimigos da democracia

Publicado em 22/04/2022 12:00 -

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O perdão concedido por Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) passa a seguinte mensagem para os seus seguidores mais radicais: podem atacar a Justiça, o Congresso, os opositores do presidente, a democracia, que vocês não serão presos.

Caso Bolsonaro seja derrotado em outubro, sua turma mais exaltada poderá tentar invadir os prédios do Tribunal Superior Eleitoral, do Supremo e do Congresso, segura que de imediato, ou em dezembro, será perdoada por um indulto presidencial.

Em 2018, depois de eleito, Bolsonaro disse que o país deveria dormir descansado porque ele jamais concederia indulto a criminosos Silveira foi julgado e condenado. O presidente que retardou a compra de vacinas indultou-o 24 horas depois.

As eleições deste ano serão sobre a democracia, nada mais do que isso; se desejamos mantê-la ou se não ligamos para seu destino. Se quisermos mantê-la, Bolsonaro terá que ser derrotado, não interessa por quem. Por qualquer candidato que possa derrotá-lo.

Não se enganem com os que dizem que nossas instituições são sólidas e que saberão reagir às ameaças. Do fim da ditadura para cá, elas nunca passaram pelo teste de conviver com um presidente golpista fortemente apoiado pelas Forças Armadas.

Um presidente que não se envergonha de dizer abertamente ser a favor da ditadura e da tortura aplicada aos que se opuserem ao regime. E que apenas lamenta que a ditadura militar de 64 não tenha matado e flagelado um maior número de pessoas.

Um presidente que defende armas para quem as queira, a pretexto de que assim o povo jamais será escravo do Estado. Sua primeira fala nesse sentido foi em meados de 2019 dentro de um quartel do Exército na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

Jairzinho Paz & Amor veio à luz depois do fracasso do golpe ensaiado em 7 de setembro. Tinha prazo de validade curto, como se previu. Foi sepultado ontem. Deu lugar ao único Jair que existe e que na melhor das hipóteses só será morto se não se reeleger.

Aos que ainda duvidam disso, esperem para ver.

Preparando o golpe

A principal discussão sobre o perdão presidencial ao deputado federal Daniel Silveira, condenado a oito anos e nove meses por atacar a democracia e ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal, não é jurídica, mas política. O que temos é um presidente da República que montou uma farsa para deslegitimar junto ao país o STF, uma das raras instituições que não se dobraram às suas necessidades.

Não que a questão jurídica sobre os limites de uma graça presidencial não seja importante, mas ela quase se apaga diante do absurdo da situação: Jair Bolsonaro 1) perdoou um aliado e amigo, 2) condenado por atacar o Estado Democrático de Direito, 3) para, agora, esfregar na cara do STF de que a corte não vale nada, 4) e aguardar um acirramento na relação entre os poderes.

Com todas as críticas que lhe são cabidas, o Supremo Tribunal Federal tem sido um dos únicos entraves entre Jair Bolsonaro e uma tentativa de golpe de Estado. Por conta disso, desde o início de seu governo, ele vem agindo para corroer a autoridade e a credibilidade da corte e, por conseguinte, a própria Constituição.

Um ensaio de rebosteio ocorreu em 7 de setembro do ano passado, com as micaretas golpistas de Brasília e São Paulo – que, felizmente, floparam, tanto por conta público abaixo do esperado pelo governo quando pela ação diligente de membros dos Três Poderes. Mas o presidente nunca abandonou a tática de ataque pendular, com aproximações sucessivas. Vai, dessa forma, preparando terreno para a eleição de outubro deste ano.

Quando se fala em golpe de Estado, a imagem histórica remete a uma fila de tanques descendo de Minas Gerais até o Rio de Janeiro e a imagem moderna aponta para um cabo e um soldado batendo na porta do STF. Mas isso é desnecessário. Para um golpe basta que o Poder Executivo passe a governar no arrepio da Constituição, ignorando ordens judiciais e leis.

Por exemplo, no decreto publicado no Diário Oficial da União, o presidente deixou claro que não estava simplesmente concedendo uma graça, mas atuando como instância revisora do STF ao afirmar que isso ocorria "em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão".

Daniel Silveira não é um herói da liberdade. Pelo contrário, ele fez uso de seus direitos para atacar direitos de terceiros, exigindo que a sociedade fosse tolerante com sua intolerância – paradoxo que, quando ignorado, leva, inexoravelmente ao declínio e extinção da democracia.

Apesar da população brasileira estar em comoção pelo aumento no preço do gás de cozinha, da gasolina, da energia elétrica, do óleo de soja, do café, da carne bovina, do tomate, do plano de saúde e do aluguel, Bolsonaro afirmou, nesta quinta (21), na live em que anunciou o perdão, de que o povo está em comoção por conta da condenação. Confunde, propositadamente, a população brasileira, que sofre com sua incompetência, com o seu povo escolhido, os bolsonaristas-raiz, que veem no deputado um mártir.

O Supremo deve se sentar para discutir o alcance do decreto presidencial. Independente de qual seja a decisão a ser tomada pela corte, Jair já teve sucesso, pois esticou mais um pouco a corda com o tribunal.

A verdade é que o presidente sistematicamente contraria a Constituição, jogando "fora das quatro linhas", para usar uma expressão que ele gosta tanto. E ainda há quem viva sob a ilusão democrática de que as instituições estão funcionando normalmente.

Como já disse, as micaretas de 7 de setembro, principalmente as da avenida Paulista, em São Paulo, e da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, foram ensaios que reuniram parte daqueles que estarão nas ruas quando Jair decidir dar um golpe de fato, provavelmente se perder as eleições. Ironicamente, muitos de seus apoiadores irão às ruas afirmar que o golpe já terá sido dado pelo Supremo Tribunal Federal, que impediu o "mito" de governar, e que, na verdade, o golpe será um contragolpe em nome da democracia. A derradeira fake news.

Logo após as micaretas, pesquisa Datafolha apontou que 50% da população consideravam que havia chances de Bolsonaro tentar um golpe de Estado.

Se na cerimônia de promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988, uma pessoa alertasse que, 34 anos depois, metade da população acreditaria na possibilidade de um presidente eleito pelo voto popular dar um golpe de Estado, provavelmente com a ajuda de militares, policiais, milicianos, ruralistas, fundamentalistas religiosos, empresários, financistas e militantes armados em nome de uma ditadura de extrema direita, seria tratada como piada.

Hoje, alguém que acredita nessa possibilidade é tido apenas como uma pessoa bem informada.

Bolsonaro é o maior inimigo da democracia brasileira

O Brasil vai suportar os sucessivos ataques de Jair Bolsonaro ao processo eleitoral, ao STF, às instituições? E as ameaças de usar as Forças Armadas em um golpe de Estado?

A estratégia bolsonarista é de confrontar sistematicamente as instituições e os atores responsáveis pelo cumprimento da Constituição. Não vai diminuir a intensidade das agressões. Pelo contrário, a tendência é de que, conforme for se aproximando das eleições, Bolsonaro —sabedor da sua derrota— irá tentar romper os limites legais. Em outras palavras, vai apostar em um golpe militar. Pelo cenário atual, vai fracassar. Mas qual será o custo de tal aventura para o país?

Houve uma naturalização —até compreensível pelo estágio político que vive o Brasil— das afrontas de Bolsonaro à democracia. Com o passar do tempo e pela falta de reação, passaram a ser consideradas uma forma de fazer política, como se o extremismo fosse apenas uma das facetas da democracia.

O rebaixamento do debate político e a falta de lideranças —lideranças de fato— acabou transformando Jair Bolsonaro em um protagonista que decide os destinos de uma das maiores economias do mundo. Um personagem como ele seria inimaginável em um processo eleitoral como o de 1989, a não ser como uma figura folclórica, um Antonio Pedreira ou o pastor Armando Correa.

Com a deterioração da economia e um turbulento cenário internacional, teremos um segundo semestre muito tenso. É o cenário que agrada a Jair Bolsonaro. Vai aumentar as declarações políticas ambíguas que poderão ser compreendidas como de apoio a um golpe militar. Para isso já está construindo um roteiro. O primeiro passo é a presença do general Braga Netto como candidato a vice-presidente. Sinaliza para os incautos que tem o Exército como parceiro político. Ou seja, quer transformar uma instituição permanente de Estado em instrumento de um governo —mais ainda, um instrumento eleitoral.

O Brasil vai ser inundado de fake news. Os nazifascistas bolsonaristas vão edificar uma realidade paralela. Milhões vão acreditar que o comunismo está às portas, que Bolsonaro fez um excelente governo, que ele é um emissário de Deus— como uma Santíssima Trindade dos trópicos: em nome do Pai, do filho e do Bolsonaro. O Brasil vai revelar a sua mais cruel faceta.

Caminhamos para uma campanha eleitoral mais que encarniçada, sangrenta. Bolsonaro preparou a tragédia com eficiência— para isso ele serve. Trouxe as Forças Armadas novamente para o primeiro plano da cena política, quebrou a cadeia de comando das polícias militares, armou dezenas de milhares de fanáticos, comprou apoio de rádios e televisões, organizou uma estrutura de fake news —via Gabinete do Ódio— que irá produzir um clima de ódio, de verdadeira guerra civil. Quem viver, verá.

‘Os demônios se liberaram’

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afirmou no último dia 10 que, apesar de vivermos um momento em que “em que todos os demônios se liberaram”, é “preciso não supervalorizar o inimigo”. A declaração foi dada em um painel do Brazil Conference, em Boston, nos Estados Unidos.

“Saíram à luz do dia os homofóbicos, os misóginos, os racistas. É preciso enfrentá-los, mas sem a sensação de que nós perdemos”, disse o magistrado. A” causa das mulheres, a causa do meio ambiente, a causa da igualdade racial, a causa da proteção indígenas não são causas progressistas, essas são causas da humanidade”.

No evento, Barroso, mesmo sem citar o presidente Jair Bolsonaro, declarou ainda que “as instituições têm sido capazes de resistir, não sem sequelas”.

“Eu não gostaria de ter uma narrativa que está tudo desmoronando”, afirmou. “É preciso ter uma compreensão crítica de que há coisas ruins acontecendo, mas é preciso não supervalorizar o inimigo. Nós somos muito poderosos”.

No discurso, o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral citou os ataques feitos às urnas eletrônicas e a ele próprio pelos aliados do ex-capitão.

“No Brasil, houve e continua a haver ataques infundados à honestidade, à integridade do processo eleitoral, em que nunca se verificou fraude”, ressaltou. “E neste momento se está articulando, novamente, os mesmos ataques. Isso não é normal. A mentira não é uma outra versão da história. A mentira é só uma mentira”.

ONU pede explicação por ameaças à democracia e direitos humanos no Brasil

Num documento enviado ao Brasil, o Comitê de Direitos Humanos da ONU apresentou uma lista de questões ao governo de Jair Bolsonaro que resume o mal-estar internacional diante do desmonte das políticas públicas de direitos humanos e da própria democracia nos últimos três anos.

A carta pede que se explique os ataques do presidente contra o Judiciário, a fragilidade do combate à corrupção, o corte de recursos para programas de apoio à mulher, o discurso do ódio por parte das lideranças políticas, a situação dos indígenas, imprensa, afrodescendentes, violência policial e outras suspeitas de violações.

A cobrança ocorre no momento em que o órgão das Nações Unidas inicia seu processo para examinar a situação brasileira, no que ganha uma dimensão de um levantamento sobre o impacto dos anos do governo de Jair Bolsonaro no poder.

O Executivo já havia submetido um informe sobre a situação do país para o Comitê, na esperança de que o documento fosse suficiente para que os peritos tomassem como base para examinar o Brasil. Mas, conforme o UOL revelou com exclusividade, o informe tratava das questões de direitos humanos apenas até o final de 2018 e não explicava o que havia sido feito no governo Bolsonaro. Entre as entidades da sociedade civil, o documento foi tachado de "informe fake", por simplesmente esconder tudo o que foi implementado desde o início da atual gestão.

Procurado, o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos explicou que não houve tempo para incluir as atuais políticas no documento, que havia sido preparado nos primeiros meses de 2019. Mas o gesto brasileiro foi recebido com ironia e desconfiança por parte de alguns dos peritos que, agora, questionam o governo sobre acontecimentos e dificuldades dos últimos três anos.

Seguem as cobranças e pedidos de explicação enviadas pela ONU ao Brasil:

Anticorrupção

A ONU quer que o governo faça uma descrição da estrutura legal em vigor para punir a corrupção. O órgão ainda quer do governo dados sobre o número de investigações, processos e condenações por corrupção, incluindo a natureza e o nível dos réus e informações atualizadas sobre a situação e os resultados das investigações iniciadas no contexto da Operação Lava-Jato.

O Comitê ainda pede que sejam fornecidas respostas diante das "alegações de corrupção no contexto de processos de compras públicas de recursos para lidar com a pandemia da covid-19".

Isso incluiria o fornecimento de qualquer informação sobre se o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel enfrentará acusações criminais por suposta compra de suprimentos médicos.

Nos últimos meses, o desmonte por parte do governo do combate à corrupção tem gerado preocupação internacional, inclusive com alertas sendo emitidos pela OCDE e abalando o discurso de Bolsonaro de que seu governo lutaria contra esse fenômeno.

Ditadura, Tortura e Judiciário

A ONU ainda pede do governo "informações sobre o progresso feito para responsabilizar os autores de abusos históricos dos direitos humanos durante o período da ditadura militar (1964-1985), incluindo a elaboração da implementação concreta das recomendações da Comissão de Anistia e da Comissão Nacional da Verdade".

Para o governo Bolsonaro, o evento de 1964 não foi um golpe e mecanismos que existiam para examinar a questão da tortura foram minados, o que abriu um profundo mal-estar entre os departamentos de direitos humanos dos organismos internacionais e Brasília.

O órgão ainda quer saber sobre as condenações obtidas por tais violações e os pagamentos de indenização feitos às vítimas, incluindo a reparação fornecida aos povos indígenas nos casos em que foram identificadas violações de seus direitos. Outro aspecto se refere ao pedido para que o governo comente "sobre a compatibilidade da Lei de Anistia de 1979 com as recomendações das comissões da verdade relevantes e as disposições das leis internacionais.

Ao longo dos últimos três anos, o governo Bolsonaro passou a ser acusado por relatores da ONU de estar violando pactos internacionais e de tentar rescrever o passado do país. Em diferentes cartas, as entidades solicitaram um posicionamento do governo diante dos crimes de tortura e criticaram o que acreditam que sejam graves violações de direitos humanos.

A ONU ainda quer saber o que o governo tem feito para garantir a existência de um Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura, alvo de ataques e desmonte por parte do Palácio do Planalto. A entidade também quer que o governo forneça dados sobre o número de queixas de tortura por pessoas privadas de liberdade e responder às alegações de que indivíduos de ascendência africana são mais propensos a serem vítimas de tortura, inclusive dentro das prisões.

Num outro trecho do documento, a ONU pede que o governo descreva as medidas tomadas pelo Estado para defender a independência de todos os advogados, juízes e promotores de justiça.

"Por favor, responda também às denúncias de ataques verbais públicos, inclusive por altos funcionários do Estado, contra o Judiciário, incluindo a Suprema Corte, e comente sobre a compatibilidade de tais práticas com total respeito à independência e imparcialidade do Judiciário", solicita o Comitê, numa alusão aos ataques de Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal.

Discriminação e discurso do ódio

Um dos elementos que preocupa a ONU é a questão da discriminação e a proliferação do discurso do ódio contra minorias. No documento, o comitê solicita que o governo indique "quais medidas legislativas e outras medidas foram tomadas para combater leis e práticas sociais discriminatórias baseadas em sexo, orientação sexual, raça, religião, status indígena, deficiência, albinismo, status socioeconômico e etnia".

O texto ainda pede que o governo responda às "alegações de crescente discurso de ódio, inclusive por políticos de alto nível e on-line, contra pessoas de ascendência africana, indivíduos LGBTI e povos indígenas".

A ONU quer saber o que o estado tem feito para "proteger aqueles em risco" e a estrutura legal em vigor para prevenir e punir o discurso de ódio, inclusive esclarecendo se o discurso de ódio é criminalizado na legislação nacional e fornecendo dados sobre o número de queixas, investigações, processos e condenações obtidas por tais ofensas.

Direito à vida e violência contra afrobrasileiros

Um dos aspectos que fará parte do exame do Brasil é a questão do direito à vida e a violência do estado. No documento, a ONU pede explicações sobre "alegações de militarização do policiamento dentro do Estado, incluindo o uso desnecessário e desproporcional da força por policiais e oficiais de segurança nos bairros pobres, marginalizados e predominantemente afro-brasileiros do Brasil, conhecidos como favelas, levando a execuções extrajudiciais e outras perdas de vidas, inclusive entre crianças".

Ela também pede que sejam dadas respostas "aos relatos de múltiplas mortes como resultado de batidas policiais durante a pandemia da COVID-19, inclusive durante uma batida em Jacarezinho em 31 de maio de 2020, apesar de uma liminar da Suprema Corte contra tais atividades e fornecer informações sobre a investigação dessas mortes".

A ONU quer saber como funcionam os mecanismos "para receber e investigar queixas de uso excessivo da força por policiais e oficiais de segurança, inclusive detalhando como a independência e imparcialidade são mantidas em todas as investigações e esclarecendo se uma unidade de promotores especializados em abuso policial foi dissolvida em 2021 e se mecanismos de justiça militar foram usados em casos em que civis foram mortos pelas forças de segurança".

A ONU ainda pede informações atualizadas sobre a situação de casos específicos de assassinatos, além de dados sobre o número de denúncias, investigações, processos e condenações asseguradas por violações perpetradas por policiais e oficiais de segurança.

A entidade também quer saber o impacto dessa violência sobre a população afro-brasileira.

"Favor incluir informações sobre a raça de todos os indivíduos feridos ou mortos por violência policial no período do relatório, incluindo a porcentagem, de vítimas de descendência africana", pede o texto.

"Favor responder às denúncias de altos níveis de homicídio dentro do Estado parte e às alegações de que pessoas de descendência africana, povos indígenas e LGBTI são desproporcionalmente vitimizadas", diz.

A ONU ainda pede que o Brasil forneça "informações sobre a estrutura legal em vigor para punir todas as formas de crime de ódio, inclusive esclarecendo se o Estado parte pretende introduzir legislação específica para criminalizar a homofobia".

Igualdade de gênero e mulheres na política

Um dos trechos mais incisivos da carta se refere aos direitos de mulheres, inclusive de sua participação na vida política do país.

A ONU quer saber quanto foi destinado em termos de recursos aos programas para promover a igualdade de gênero e os direitos das mulheres, incluindo o orçamento do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Também é cobrado do governo respostas sobre os esforços para aumentar a participação de mulheres de grupos marginalizados, incluindo ciganos, povos indígenas e afrodescendentes em cargos de decisão superiores tanto no setor privado como no público.

A ONU também quer saber quais foram "as medidas tomadas para enfrentar os obstáculos ao aumento da participação política das mulheres" e para "proteger as mulheres que participam dos processos eleitorais de assédio, ameaças e violência".

Em outro trecho, o Comitê quer que o governo responda a "denúncias de violência, intimidação, ameaças e assédio dirigidas a candidatos políticos e políticos na corrida até as eleições gerais de 2018 e as eleições municipais de 2020".

Nesse aspecto, o governo terá de dar informações sobre as medidas tomadas para proteger candidatos políticos e políticos, incluindo mulheres, pessoas de ascendência africana e pessoas LGBTI.

Também é solicitado que o governo "forneça informações sobre as investigações realizadas sobre atos de violência contra políticos e candidatos políticos, incluindo Marielle Franco, e esclarecer as medidas que foram tomadas para responsabilizar os perpetradores e dar acesso a remédios para as vítimas".

"Favor incluir informações sobre as medidas tomadas pelo Estado para garantir a não repetição de tais violações dos direitos humanos e evitar um efeito arrepiante sobre a representação política, particularmente à luz das próximas eleições gerais de 2022", pede.

Violência contra a mulher e aborto

Quanto ao capítulo sobre a violência doméstica, a ONU pede dados atualizados da dimensão do fenômeno no Brasil e sobre as taxas significativamente mais altas de feminicídio entre as mulheres de ascendência africana. Mas, acima de tudo, quer que as autoridades esclareçam as medidas tomadas para proporcionar proteções específicas às mulheres, inclusive com o financiamento destinado a programas para prevenir o fenômeno.

Também é cobrado do governo explicações sobre os "relatos de que mulheres e meninas, incluindo vítimas de estupro e incesto, que não podem ter acesso consistente aos serviços necessários para interromper com segurança a gravidez nas circunstâncias que são legais dentro do estado".

A ONU quer ainda que o governo forneça "informações sobre o número de mulheres que enfrentaram acusações criminais por procurar serviços de aborto e comentar sobre a compatibilidade de tais acusações com as disposições dos tratados internacionais".

O Comitê ainda quer saber do governo se ele "pretende ampliar as circunstâncias sob as quais a gravidez pode ser legalmente interrompida".

Ao longo dos últimos meses, a ONU tem recebido queixas e relatos de mulheres que vêm enfrentando dificuldades para poder abortar de maneira legal no Brasil, inclusive depois de pareceres favoráveis diante de suas condições e violência.

Liberdade de consciência e crença religiosa

Na lista de cobranças, a ONU quer que o Brasil ainda esclareça se "relatos de que minorias religiosas, incluindo as de fé judaica e candomblé, estão sujeitas a várias formas de discriminação e perseguição, incluindo comentários depreciativos de funcionários públicos de alto nível, agressões físicas e incidentes de discurso de ódio".

O Comitê ainda quer que o governo descreva "as medidas tomadas para prevenir ataques violentos contra locais de culto religioso afro-brasileiros e indígenas, bem como para responsabilizar os responsáveis por tais ataques".

Liberdade de expressão e ativistas de direitos humanos

Em outro trecho, a ONU pede que o Brasil apresente uma resposta "às denúncias de ataques violentos, assédio, ameaças, ataques on-line e intimidação contra jornalistas, inclusive de funcionários públicos de alto nível, particularmente os jornalistas que cobrem questões como corrupção, crimes violentos e a resposta do governo à pandemia".

O governo também é solicitado a "fornecer informações sobre as disposições legais em vigor que criminalizam insultos, calúnias e difamações e seu uso frequente para restringir a expressão on-line, inclusive comentando se tais disposições têm um efeito negativo sobre a liberdade de expressão".

A ONU também quer saber sobre a situação atual e o escopo material do Projeto de Lei 2630/2020 sobre liberdade, responsabilidade e transparência na Internet, conhecido como "Fake News Bill".

Sendo um dos países mais perigosos para ativistas de direitos humanos, o Brasil ainda vai precisar responder para a ONU sobre as medidas tomadas para "salvaguardar o espaço cívico, incluindo o fornecimento de informações sobre as medidas tomadas para proteger os defensores dos direitos humanos, incluindo defensores ambientais, povos indígenas, organizações religiosas, pessoas de ascendência africana, mulheres e pessoas LGBTI".

A entidade ainda quer saber se o Programa para a Proteção dos Defensores de Direitos Humanos funciona e qual o orçamento destinado a ele.

Indígenas

No documento, a ONU ainda critica o fato de que a demarcação de terras indígenas diminuiu significativamente nos últimos anos. A entidade, portanto, pede que o governo "esclareça a base legal das limitações de prazo para pedidos de demarcação de terras indígenas" e forneça informações sobre a exploração comercial de terras indígenas.

Ela também cobra explicações sobre o fato de que "o mandato da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) foi significativamente enfraquecido, inclusive através de cortes no orçamento e da nomeação de altos funcionários que se opõem a seu mandato".


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