27/04/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

Por que votar em Lula?

Publicado em 20/04/2022 12:00 - Raphael Tsavkko Garcia

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Só existe uma razão pra votar no Lula: Para derrotar Bolsonaro. É uma razão válida e até boa – pelo menos necessária.

Não há nada de positivo em Lula, nada que o faça merecer um voto além da possibilidade de derrotar o Bolsonaro. Ou seja, o voto não é no Lula pelo que ele supostamente representaria de bom, mas sim um voto contra Bolsonaro e tudo que ele representa de ruim.

Até na propaganda pseudo-espontânea e ~descolada~ o PT é detestável. A tentativa de ser "do povo" e "jovem" é grotesca e patética. O partido fede a naftalina, está coalhado de stalinistas e de figuras autoritárias pró-rússia, anti-democracia, pró-ditadores "do lado certo", pró-corrupção, enfim…

É enterrar o Bolsonaro hoje pra enterrar o PT amanhã. Se ainda sobrar alguma coisa além de escombros em que nós é que estaremos enterrados.

SOBRE DEMOCRACIA DIRETA

"Democracia direta é uma forma de tirania", disse o Bruno Frederico Müller.

Eu cada vez mais tenho pensado sobre isso e cheguei à mesma conclusão.

Diz ele: "Não existe democracia sem princípios consagrados em lei, direitos fundamentais que não possam ser atropelados pela vontade popular.

Além disso, a própria vontade popular pode – e tem sido assim ao longo das eras – ser manipulada por demagogos para acabar com as liberdades e impor uma tirania.

Democracia direta, na forma de plebiscitos e referendos, só pode ser compreendida como secundária e complementar à democracia constitucional e representativa. Jamais como substituta."

Perfeito.

Não que "a lei" deva ser imutável e deva ter a proverbial última palavra, afinal leis são e podem ser mudadas através da formação de consensos – a sociedade evolui e as leis evoluem ou deveriam evoluir com ela.

No entanto as leis são garantias (em tese) do respeito a (certos) direitos, são uma certeza por exemplo de que minorias não vão ser esmagadas pela maioria apenas por esta ser a maioria.

Democracia de fato é um regime em que as maiorias governam, MAS as minorias tem assegurados seus direitos (ao menos em democracias modernas é o que esperamos que aconteça) e podem lutar para criar consensos e se tornarem maiorias ao menos discursivamente e terem sua vontade ouvida.

As instituições são instrumentos para garantir que consensos sejam respeitados, abusos coibidos, minorias tenham seus direitos respeitados e tenham visibilidade para pleitear direitos. Democracia direta seria nada mais, nada menos que a imposição da vontade da maioria sem qualquer tipo de barreiras, sem instituições para garantir que minorias não sejam silenciadas – ao menos o modelo que figuras como Breno Altman e outros fanáticos defendem.

Por mais que a democracia seja em certa medida um regime de maiorias, o consenso segue sendo fundamental assim como o respeito e a participação de minorias – numa democracia direta com enfraquecimento de instituições teríamos apenas uma ditadura da maioria disfarçada.

Não deixa de ser irônico lembrar que a turma do Altman era extremamente crítica à Marina Silva quando ela defendia plebiscito para temas ligados a direitos humanos antes da campanha de massacre à sua imagem tomar corpo e virar pauta central do PT.

Marina estava errada, ela defendia um modelo plebiscitário de democracia direta que era francamente nocivo aos interesses das minorias e aos direitos humanos, mas notem que ela foi massacrada pela turma que defende exatamente a mesma coisa.

Após Mensalão e Petrolão não faltam petistas que decidiram que não precisam mais disfarçar suas reais intenções e desejos, seja ele a corrupção irrestrita (a crítica seria "moralismo"), o esmagamento de minorias (entendidas aqui de forma ampla, mas notem que os setores mais radicais stalinistas do petismo apenas usam o identitarismo, não tem qualquer compromisso real com ele), o enfraquecimento das instituições (como o judiciário), até a eliminação de adversários.

A "vontade popular" deve ter limites. São as instituições que impõem esses limites. Sem isso não temos democracia, mas uma ditadura com nome bonito – no fim é apenas tirania.

Que pautas vocês acham que seriam aprovadas no Brasil caso implantássemos por decreto uma democracia direta e plebiscitária no Brasil? Claro, há mais semelhanças entre os stalinistas e os bolsominions do que ousam admitir, mas apenas pensem no cidadão de bem médio "bandido bom é bandido morto", mas que via à missa todo domingo (ou vai ser roupado por Universais da vida) e que acha que é direito dele espancar a esposa quando ela não faz a janta.

Pese inúmeras discordâncias ideológicas, o João Pereira Coutinha diz algo sobre a esquerda que é bem correta: Ela se baseia em utopias e em uma certa certeza de que a humanidade é boa e que irá seguir o caminho correto caso seja permitido.

De fato esse tipo de raciocínio permeia a esquerda e é algo que sempre me incomodou. A tese da bondade inata ou de que tudo caminha para a revolução em que todos os problemas da humanidade serão resolvidos como mágica. Claro, essa é uma tremenda simplificação, mas é como se manifesta junto à uma série de militantes.

Eu prefiro um "approach" mais Hobbesiano.

CRIME LEGAL

Poxa, a ideia de legalizar o crime (apud Tiburi) não deu certo? Quem poderia imaginar!

Sim, tem um tempo que a cidade de São Francisco basicamente legalizou o furto (até determinado valor) porque a turma millennial-identitária que defende essa proposta achava que as pessoas tinham o direito a comer e a ter bens que eram negado pelos malvados capitalistas.

Não que eu discorde em tese, mas daí a você literalmente legalizar o roubo são outros 500. Sem falar nas imagens e vídeos de verdadeiras gangues roubando eletrônicos, bens de luxo, etc. O ser humano é um lixo, essa é uma regra de ouro que nunca podemos esquecer.

Entrar em acordo com redes de mercados e lojas para doar o excedente ou mesmo parte dos produtos pra comunidade? Reverter parte do lucro pra comunidade carente? Não, melhor legalizar o roubo.

Enviar alguém pra cadeia por furto é um absurdo, concordo, mas o exato extremo – negar qualquer tipo de punição para o furto – é igualmente bizarro.

Resultado? Lojas fechando e comunidades (sim, especialmente as mais carentes) ficando sem opção próxima e barata para comprar comida, remédios, etc. Outras, como na imagem, colocando tudo por detrás de vitrines com cadeado.

Simplesmente genial essa distopia identitária.

Aqui um bom texto do NY Times sobre o fenômeno: e outro que explica melhor como funciona a legislação que transformou o furto em "misdemeanor":

"A iniciativa estabeleceu um limite de US$ 950 para que o furto em lojas fosse considerado um delito (misdemeanor), o que não leva a polícia a fazer uma prisão, ao invés de um crime, o que poderia incorrer em duras penas como pena de prisão.

[…]

"Se for um crime, nossos agentes podem tomar medidas, mas se for um delito (misdemeanor), essa prisão tem que ser de uma pessoa privada. E isso faz a diferença porque eles têm que estar dispostos a fazer isso"."

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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