20/04/2024 - Edição 540

Saúde

Covid: o que virá com o fim da emergência sanitária?

Publicado em 19/04/2022 12:00 -

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O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, declarou o fim à emergência sanitária provocada pela pandemia de covid-19. Espera-se que até quinta-feira a pasta publique um ato normativo para encerrar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), portaria publicada em 2020. Durante pronunciamento em que fez o anúncio, Queiroga elogiou cinicamente a força do Sistema Único de Saúde (SUS) – apesar do desfinanciamento e inúmeros esforços para desmontá-lo – e as vacinas – alvo de ataques por Jair Bolsonaro durante todo o ano de 2021.

Na prática, o encerramento da Espin pode afetar ao menos 168 normativas que estão vinculadas à fase emergencial. Mas o número pode alcançar mais de 2 mil. Entre elas, regras sobre vacinas e medicamentos com autorização emergencial, benefícios trabalhistas e facilidades de compras públicas. O ministério enviou um ofício à Anvisa para pedir que a agência estenda por um ano o uso emergencial de fármacos que ajudam na contenção da doença. A CoronaVac é o único imunizante que tem autorização apenas em caráter provisório para o uso – mas a pasta solicitou que seu uso seja estendido apenas a crianças e adolescentes de 5 a 18 anos. Espera-se que haja uma fase de transição de ao menos 30 dias.

Embora o Brasil já tenha mais de 75% de sua população devidamente vacinada e os números de casos, internações e mortes estejam baixos, especialistas e entidades da Saúde levantaram-se contra o modo abrupto com que foi tomada a decisão. Entre eles estão o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que divulgarão, hoje, uma nota pública criticando a decisão. Em entrevista ao Globo, Nésio Fernandes de Medeiros Júnior, secretário de Saúde do Espírito Santo e presidente do Conass, mostrou preocupação em relação ao fim da emergência sanitária e seus impactos aos estados e municípios.

Nésio explica: “Quando surge uma nova onda, nós temos que decidir rapidamente, por exemplo, a mudança do perfil de hospitais do dia para noite”. Quando a Espin for levantada, essa agilidade se perde. Caso surja alguma nova variante de preocupação, como aconteceu recentemente com a ômicron, não será possível responder de maneira rápida. Por isso, alerta Nésio, o ministério precisa deixar claro se a emergência poderia ser posta em vigor novamente e em qual situação ela poderia se aplicar.

De maneira geral, falta clareza na decisão do ministério da Saúde. “Nós não temos, dentro de um plano de retomada dessas atividades, uma proposta concreta do Ministério da Saúde para o financiamento pleno tanto das linhas de cuidado do pós-Covid como também das outras condições (como cirurgias e procedimentos oncológicos) que se tornaram represadas ao longo desses dois últimos anos”, continua o secretário. O Conass pede que a fase de transição respeite um período de 60 a 90 dias, para que os estados e municípios tenham tempo para se reorganizar.Há ainda acusações de que decretar o “fim da pandemia” no Brasil seja uma medida política de Bolsonaro, que busca reeleger-se à presidência. Uma das pessoas que criticam essa precipitação é o médico sanitarista Gonzalo Vecina. “Essa foi uma medida exclusivamente eleitoreira, respondendo às necessidades eleitorais do presidente da República, que se afastou da decisão de governar o Brasil durante esses dois anos, redundando em 660 mil mortes”, disse ao UOL. Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde, também mostrou revolta com a decisão: “Um governo responsável por centenas de milhares de mortes, por milhões de pessoas que adoeceram […] é algo que não podemos mais tolerar”. Ele anunciou que o CNS deve manifestar-se a respeito nos próximos dias.

Empurrando com a barriga

Foi no mínimo estranho escutar Queiroga, em rádio e TV, anunciando o fim da situação de emergência por conta da pandemia de covid-19. Afinal de contas, em nenhum momento o governo Jair Bolsonaro tratou a pandemia como uma emergência.

Não teve pressa alguma para comprar vacinas. Pelo contrário, ignorou durante meses as insistentes ofertas de imunizantes da Pfizer, que poderiam ter chegado ainda em 2020 e salvado a vida de milhares de brasileiros. O presidente também chegou até a dar um chega-pra-lá no então ministro da Saúde Eduardo Pazuello por declarar que compraria doses da CoronaVac.

Em um dos lances mais sinistros da atual gestão, o presidente e o ministro Queiroga colocaram milhões de crianças em risco no final do ano passado. Criando uma falsa guerra pela "liberdade" de não se vacinar, Bolsonaro postergou o quanto pôde o início da imunização a partir dos cinco anos de idade, impondo inúteis consultas públicas, ameaçando a equipe da Anvisa, espalhando desinformação, atrasando a compra de doses.

Manaus ficou sem oxigênio nos hospitais em janeiro de 2021 e pacientes de covid-19 morreram sufocados. Suas famílias passaram a comprar cilindros individuais para tentar salvá-los, muitas vezes sem sucesso. O Palácio do Planalto, que, em uma emergência nacional, deveria monitorar de perto os insumos, não demonstrou pressa. Pelo contrário, enquanto os manauaras pediam oxigênio, o governo enviou cloroquina e ivermectina – remédios ineficazes para a doença.

O governo, seguindo a fina nata do negacionismo brasileiro, defendeu que a solução para a pandemia se daria através de uma imunidade de rebanho que viria a partir do momento em que a maioria da população contraísse o coronavírus. Foi alertado que isso seria, primeiro, impossível, por conta das mutações do vírus que permitem a reinfecção e, segundo, abominável, porque milhares de pessoas morreriam antes de chegar nessa imunidade. Questionado sobre isso, Bolsonaro disse que "a morte é o destino de todo mundo".

As medidas administrativas tomadas pelo governo federal só ocorreram depois de pressão popular, decisões judiciais ou iniciativas de outros governantes, ou seja, com atraso. Desde o fechamento de aeroportos, que foram a porta de entrada de entrada do coronavírus no Brasil, passando pela obrigatoriedade do uso de máscaras até a adoção de quarentenas e outras medidas de isolamentos social, as políticas vieram a passo de tartaruga. E trazendo com isso mortes e estendendo a crise.

Mesmo o auxílio emergencial, que salvou vidas e ajudou a economia, não foi iniciativa do governo. Pressionado, o ministro da Economia Paulo Guedes aceitou dar míseros R$ 200. O valor final, que chegou a R$ 1200 por família, foi graças à pressão do Congresso. Suspenso em 31 de dezembro de 2020, Bolsonaro demorou quatro meses para retornar com seu pagamento, deixando famílias pobres ao relento enquanto mais de 4,2 mil morriam por dia.

A Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional foi decretada pelo governo em 2020 para facilitar a compra de insumos de saúde, aplicar vacinas aprovadas em caráter emergencial pela Anvisa, permitir ações como o controle de fronteiras, entre outras medidas. Sem ela, o governo terá que publicar nova regra a fim de evitar o caos, uma vez que você não cancela uma pandemia por decreto.

Tudo para dar a Bolsonaro um discurso eleitoral de que ele venceu a covid-19, quando, na verdade, ele foi o principal aliado do coronavírus contra a população brasileira, tornando possível 662 mil mortos e outros tantos convivendo com sequelas. Todas as ações tomadas pelo presidente foram no sentido de evitar o impacto econômico da pandemia em sua popularidade.

O Brasil está vencendo o coronavírus apesar de Jair e não por causa dele. A única emergência do presidente é sua própria reeleição.


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