25/04/2024 - Edição 540

Mato Grosso do Sul

Ameaçada de despejo, comunidade Guarani e Kaiowá luta por demarcação em Naviraí (MS)

Publicado em 15/04/2022 12:00 -

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A comunidade Guarani e Kaiowá do tekoha Mboreviry, em Naviraí (MS), está ameaçada por um pedido de reintegração de posse. A ação foi movida por uma empresa do grupo Petrópolis, um dos principais fabricantes de cerveja do Brasil, que tem interesse no local. O espaço é ocupado por 37 famílias indígenas, que vivem numa área de mata na zona urbana da cidade localizada perto da divisa entre Mato Grosso do Sul e Paraná. Os Kaiowá e Guarani reivindicam a demarcação da área como terra de ocupação tradicional indígena.

O local, com o qual as lideranças indígenas relatam que nunca perderam o vínculo e o qual nunca deixaram de frequentar, foi retomado pela comunidade indígena em outubro do ano passado. Pouco depois, em dezembro, a empresa ingressou na justiça estadual com uma reintegração de posse contra a comunidade indígena do Tekoha Mboreviry.

O Ministério Público Estadual (MPE), chamado a se manifestar, emitiu um parecer indicando que o caso deveria ser analisado pela justiça federal, por envolver povos indígenas. Em fevereiro deste ano, o processo foi transferido para a instância federal, onde tramita atualmente. Uma decisão judicial determinando o despejo da comunidade pode ser emitida a qualquer momento.

A comunidade protocolou um pedido para que o juiz suspenda o despejo, com base em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Em março, o ministro Luís Roberto Barroso decidiu estender até junho de 2022 o período de suspensão dos despejos no país, em razão da vulnerabilidade das famílias em meio à crise sanitária causada pela pandemia da Covid-19.

Além disso, em 2020, o ministro Edson Fachin suspendeu todos os processos que tratem de disputas possessórias envolvendo povos indígenas, impedindo decisões de despejo contra comunidades indígenas. A decisão vigora até que o julgamento de repercussão geral sobre demarcações de terras indígenas seja concluído pela Suprema Corte ou até o final da pandemia, caso ela persista até depois do julgamento.

“Dizem que não existe indígenas aqui em Naviraí. Mas nós existimos. Nós estávamos em vários lugares, em aluguéis, em beiras de córregos. A gente nunca deixou esse território Guarani Kaiowá”

Terra tradicional

Além de buscar evitar o despejo, a comunidade do tekoha Mboreviry luta para que o território seja demarcado como terra indígena, explica o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Mato Grosso do Sul Anderson Santos.

“Uma empresa do grupo Petrópolis instalou nessa área um barracão utilizado para a distribuição de cerveja. Os indígenas reivindicam o território como de ocupação tradicional. No início, houve até uma confusão, provocada por não indígenas, de reconhecer a demanda como se fosse de moradia, mas que depois foi superada. Os indígenas deixaram claro que esta é uma demanda por território”, relata Anderson, que atua como advogado da comunidade Guarani e Kaiowá no processo de reintegração de posse.

“Dizem que não existe indígenas aqui em Naviraí. Mas nós existimos. Nós estávamos em vários lugares, em aluguéis, em beiras de córregos. A gente nunca deixou esse território Guarani Kaiowá”, afirma uma das lideranças do tekoha.

A pedido do Ministério Público Federal (MPF), um antropólogo do órgão produziu um laudo avaliando a demanda dos indígenas pelo reconhecimento da tradicionalidade da área ocupada.

“O laudo indica que de fato há vários indícios de que eles estão dentro de um território tradicional, com indícios de ancestralidade, inclusive com um cemitério antigo do povo deles”, explica o advogado.

“O processo de ocupação da área próxima ao Córrego Touro se deu como se os índios nunca estivessem estado ali, afinal, foram os bairros circundantes que avançaram junto a eles”

A retomada

Em outubro de 2021, a comunidade indígena resolveu retomar e voltar a ocupar de forma permanente a área de mata localizada nas margens do córrego Touro. O tekoha, inclusive, foi batizado com o nome em Guarani do curso d’água, que cruza a cidade e é circundado por uma das únicas áreas verdes que restam na zona urbana de Naviraí – e um dos poucos espaços remanescentes capazes de viabilizar a ocupação tradicional Kaiowá e Guarani na cidade.

O laudo técnico produzido pelo MPF indica que a relação dos Guarani e Kaiowá com a região é ancestral. O estudo aponta que, à medida que a cidade e as ocupações de não indígenas avançaram sobre o território, os indígenas foram se estabelecendo em outras regiões da cidade – sem, no entanto, perder o vínculo com a área reivindicada.

“O processo de ocupação da área próxima ao Córrego Touro se deu como se os índios nunca estivessem estado ali, afinal, foram os bairros circundantes que avançaram junto a eles”, afirma o parecer.

“Nas narrativas dos indígenas, contudo, a comunidade nunca deixou de estar presente, salvo por breves intervalos. Portanto, não haveria, neste sentido, o porquê de se falar em expulsão. A volta de um contingente maior, no entanto, chamou a atenção do poder local”, analisa o laudo técnico.

Até outubro, os indígenas encontravam-se dispersos pela cidade. A dificuldade de sobreviver na cidade e o progressivo distanciamento com a cultura tradicional, inclusive com o enfraquecimento do idioma Guarani, foram fatores determinantes para a decisão de fazer a retomada, explica Matias Benno, coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul.

“Uma das razões para a retomada é que alguns indígenas, que são de famílias que têm uma história vinculada a essa região e a esse território, estavam vivendo na periferia de Naviraí. São indígenas que foram desterritorializados e estavam pagando aluguel, numa situação de vulnerabilidade socioeconômica”, explica Matias.

“Além disso, eles estavam muito preocupados com as crianças, que estavam perdendo a cultura e o vínculo com a língua”, prossegue. Segundo as lideranças, as 37 famílias da comunidade são formadas por cerca de 120 pessoas, das quais aproximadamente 65 são crianças.

“Outra motivação para a retomada foi a de manter esse espaço de tradicionalidade, que estava sendo tomado. Ali, eles entendem que, diferente de outros locais da cidade, eles conseguem manter uma vida mais próxima da tradicional, por poder ter um contato com a natureza”, avalia o coordenador do regional.


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