29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Com o objetivo de criminalizar movimentos sociais, Bolsonaro quer classificá-los como ‘foras da lei’

Publicado em 31/03/2022 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Com o objetivo de criminalizar movimentos sociais, principalmente os que lutam por terra e moradia, o governo Jair Bolsonaro quer alterar a Lei Antiterrorismo para incluir "ações violentas com fins políticos ou ideológicos". Ironicamente, muitos dos governantes e policiais que irão interpretar o que significam essas ações são os mesmos que deveriam ser enquadrados na lei pelo terrorismo que praticam.

Na verdade, o que acontece por aqui é exatamente o oposto do que o governo quer dar a entender: o Brasil segue adotando o terrorismo de Estado contra a sua própria população, abrindo uma guerra contra negros e pobres nas periferias das grandes cidades e no interior do país. A chegada de figuras como Jair Bolsonaro, que defende a impunidade para policiais que matam, empoderou quem atira primeiro e pergunta depois.

Evaldo Rosa dos Santos foi executado diante de sua família após o carro em que estavam ser metralhado por militares, em Guadalupe, no Rio de Janeiro, em 7 de abril de 2019. Sua esposa, seu filho de sete anos, uma afilhada, de 13, e seu sogro assistiram à sua morte. Todos iam a um chá de bebê. Luciano Macedo, um catador de recicláveis que tentou ajudá-los, também foi morto.

Já em 6 de maio do ano passado, 27 moradores e um policial civil foram mortos em uma ação violenta no que ficou conhecida como a Chacina do Jacarezinho. O Departamento Geral de Polícia Especializada chegou a afirmar em coletiva à imprensa: "Não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, homicida e traficante". O Ministério Público afirma que houve sim execução e manipulação da cena do crime.

Isso fora o rosário de crianças negras mortas por balas perdidas e balas achadas em bairros pobres de grandes cidades brasileiras. João Pedro, Ágatha, Marcus Vinícius…

A mudança na lei, caso aprovada, deveria ser usada para colocar no banco dos réus presidentes, governadores e comandantes policiais. Pois terrorismo de Estado ocorre em ações em favelas e comunidades pobres, territórios indígenas, acampamentos de sem-terra ou de sem-teto, em que a polícia age, sob ordens dos governos, como se estivessem em guerra aberta contra sua própria população, muitas vezes atendendo a interesses políticos, ideológicos e econômicos.

Com o agravante de que a maioria dos mortos nas periferias das grandes cidades são jovens negros. E a lei 13.260/2016 define, entre as razões do terrorismo, a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social.

E quem estava naquele fatídico 13 de junho de 2013, quando a polícia não fez selfies mas, pelo contrário, lançou bombas de gás, espancou, cegou, sangrou, feriu manifestantes e jornalistas que estavam no protesto pacífico pela redução da tarifa do transporte público sabe que aquilo foi terrorismo de Estado em seu grau mais puro. Se aquela violência institucional não foi motivada por discriminação com o objetivo de terror social, então nada mais o é.

Em vez de aceitar e promover o debate público e a dignidade dos participantes, governos vão renovando seu estoque de gás lacrimogênio, lançando mão de caveirões e bombas.

A Lei Antiterrorismo nasceu grávida da criminalização de movimentos sociais

Apesar de o Brasil já contar com instrumentos legais para punir atos terroristas, o Congresso Nacional aprovou a lei antiterrorismo proposta pela gestão Dilma Rousseff para atender a uma demanda de uma organização internacional que coordena políticas de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos terroristas.

E, apesar das promessas de parlamentares, organizações e movimentos sociais, além de relatores especiais das Nações Unidas, profetizaram que a legislação poderia ser alterada para criminalizar ações públicas na luta por direitos. O que acontece agora.

No texto aprovado em 2016, a tipificação de terrorismo ficou como atos de sabotagem, de violência ou potencialmente violentos por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Na época, a Câmara dos Deputados, além de retirar a questão do "extremismo político" como elemento caracterizador do terrorismo, retomou um artigo introduzido pela casa – mas que havia sido derrubado pelo Senado Federal – para tentar mitigar o risco de criminalização dos movimentos sociais pelo Estado:

"O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei."

Mesmo assim, ficou o fantasma de que a interpretação da lei ainda pode levar à criminalização de movimentos e organizações sociais. Vale lembrar que, mesmo sem a lei, pessoas são mantidas presas com acusações ridículas por participarem de manifestações.

Agora, a gestão Bolsonaro dá um empurrãozinho para que mudanças ocorram no texto no trâmite do Congresso, para a alegria de sua base, principalmente o naco anacrônico do agronegócio.

Com a mudança, manifestações e atos podem ser considerados violentos e tachados de terroristas por conta de ações de infiltrados ou de meia dúzia de pessoas que não estão alinhadas ao que pensam as outras milhares que participam de forma pacífica. Ou simplesmente porque o governo de plantão construiu assim sua narrativa. Sim, só em um país que deu muito errado espancar lixeira é terrorismo.

Essa lei não trata de liberdade de expressão e da participação política. É sobre a quem pertence o país. A todos e todas que nele vivem ou a um pequeno grupo que tem muito dinheiro ou está alinhado com o administrador público de plantão.

Já se passaram décadas. Mas a frase da ditadura civil-militar ainda é paradigmática para entender o país e seus governos, Justiça e parlamento: Brasil: ame-o [do nosso jeito] ou deixe-o.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *