29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Anistia aponta retrocesso nos direitos humanos sob Bolsonaro

Publicado em 31/03/2022 12:00 -

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O ano de 2021 foi mais um no "período prolongado de instabilidade e crise" que o Brasil vem atravessando, e foi marcado por milhares de mortes evitáveis na pandemia, agravamento das desigualdades e da fome, aumento das taxas de evasão escolar, violência policial e recorde de desmatamento.

O retrato sombrio está no relatório mundial da Anistia Internacional, que analisou a situação dos direitos humanos e individuais no ano passado em 154 países, divulgado no último dia 29.

O panorama global também é negativo: apesar da esperança de que 2021 representasse o ano em que o mundo superaria a pandemia de forma equitativa, o que se viu foi grande desigualdade na distribuição de vacinas. Além disso, alguns líderes nacionais usara a pandemia como desculpa para restringir a liberdade de expressão.

A secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard, resume o tom no prefácio do relatório: "2021 deveria ter sido um ano de cura e recuperação. Em vez disso, tornou-se uma incubadora de mais desigualdades e instabilidade."

No capítulo dedicado ao Brasil, a organização destaca que o governo federal não se comprometeu com a coordenação de respostas efetivas para a gestão da pandemia e, como consequência, "os grupos que sofrem discriminação histórica foram afetados de modo desproporcional pela emergência sanitária, que agravou a crise econômica e social, tornando suas condições de vida mais precárias".

"No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro respondeu à pandemia de Covid-19 com um misto de negação, negligência, oportunismo e desprezo pelos direitos humanos", aponta o relatório.

O relatório cita que, segundo o grupo Alerta, uma coalizão de ONGs, 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas até março de 2021, e lembrou que em janeiro pessoas morreram no Amazonas em decorrência da falta de oxigênio nos hospitais. As maiores taxas de mortalidade por covid-19 foram entre pessoas negras e as que vivem em situação da pobreza.

O presidente Jair Bolsonaro, segundo a entidade, "continuou promovendo iniciativas contrárias às necessidades da maioria da população e prejudiciais ao meio ambiente e à justiça climática". E suas declarações, "que muitas vezes aviltavam defensores e ativistas de direitos humanos, também minaram a Constituição e a independência do Judiciário".

Fome e evasão escolar em alta

Outro problema grave de 2021 apontado pela Anistia Internacional foi o aumento da insegurança alimentar no país: segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, a insegurança alimentar cresceu 54% desde 2018, e, em 2021, 19 milhões de pessoas, ou 9% da população, estavam em insegurança alimentar grave, quando há situação de fome.

A pobreza extrema, por sua vez, cresceu com a redução do auxílio emergencial, e atingia de forma mais grave as mulheres negras: 38% e 12,3% viviam em situação de pobreza ou de pobreza extrema, respectivamente, segundo dados citados no documento.

Na educação, o relatório chama a atenção para o aumento das taxas de evasão escolar em 2021, associado aos problemas do ensino remoto adotado durante a pandemia, como falta de acesso à internet e de equipamentos adequados. No ano passado, o Exame Nacional do Ensino Médio, de ingresso em instituições do ensino superior, registrou o menor número de candidatos em 13 anos.

A imprensa, os movimentos sociais e as ONGs passaram mais um ano sob ataque constante de Bolsonaro, e o presidente por diversas vezes tentou debilitar o Supremo Tribunal Federal e lançou dúvidas sobre o sistema eleitoral, aponta o documento.

Violência e recorde de desmatamento

A violência também chamou a atenção da Anistia Internacional, que mencionou a operação policial na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, em maio, que resultou na morte de 27 moradores e um policial, e a chacina no Complexo do Salgueiro, também no Rio, em novembro, que deixou nove mortos.

Um momento negativo para o combate à impunidade policial foi a absolvição, em agosto, de cinco policiais acusados de matar 13 pessoas na favela Nova Brasília, no Rio de Janeiro, em 1994, segundo o relatório. Além disso, o Brasil foi o quarto país com o maior número de assassinatos de líderes ambientais e defensores do direito à terra no mundo.

Além disso, 80 pessoas transgênero foram mortas no país apenas no primeiro semestre de 2021, e o número de estupros no primeiro semestre foi 8,3% maior do que no mesmo período de 2020. Foram registrados 666 feminicídios de janeiro a junho de 2021, o maior número no período desde 2017, início dos registros.

A Anistia Internacional destacou, por fim, que o Brasil também teve má resultados ambientais. Em agosto, a Amazônia brasileira teve a maior taxa de desmatamento para o mês de agosto em 10 anos, e houve aumento de incêndios na região amazônica e outros biomas.

"O que é chocante é que, para qualquer direção em que você olhe, houve retrocesso em relação ao cumprimento das obrigações de direitos humanos no Brasil", afirmou ao jornal Folha de S.Paulo a diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck. "A imagem do Brasil em 2021 é a de um país que emergiu como local de negligência, de violações de direitos humanos e de destruição do meio ambiente (…) É uma fotografia do pior que o Brasil é capaz de produzir."

STF derruba decreto de Bolsonaro que esvaziou órgão antitortura

O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou, por unanimidade, os trechos do Decreto 9.831/2019 como inconstitucionais. Editado pelo presidente Jair Bolsonaro, o decreto alterou a composição do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).

Com as mudanças, o órgão teve os 11 cargos de peritos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos remanejados para o Ministério da Economia. Os ocupantes do MNPCT foram exonerados e a participação no mecanismo passou a ser considerada “prestação de serviço público relevante, não remunerada”.

O relator do caso, ministro Dias Toffoli, afirmou que as mudanças impactavam nas ações do órgão votou por julgar como inconstitucionais as alterações. Toffoli afirmou que o chefe do Executivo não pode desmontar uma política pública e que a medida caracteriza abuso do poder regulamentar e contraria a separação dos Poderes.

“Na espécie, a violação se mostra especialmente grave, diante do potencial desmonte de órgão cuja competência é a prevenção e o combate à tortura”, afirmou o relator.

Todos os ministros acompanharam a decisão, inclusive Kássio Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro ao Supremo. O STF determinou o reestabelecimento dos cargos dos peritos e a respectiva remuneração.

Em atividade desde 2013, o Mecanismo atua na preparação das vistorias e intervenções onde há denúncias de tortura, tratamento cruel e degradante, como penitenciárias, hospitais psiquiátricos e casas de recuperação de menores infratores. O Sistema foi criado como desdobramento da adesão do Brasil ao Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (OPCAT), da Organização das Nações Unidas (ONU).


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