19/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Quem mandou matar Marielle achou que ninguém ia se importar Dani Monteiro

Publicado em 15/03/2022 12:00 -

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No dia da posse como parlamentar, a deputada estadual Dani Monteiro — mulher mais jovem a ocupar uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), na época com 27 anos — teve o vidro do seu carro pichado com ameaças no estacionamento da casa. Até hoje, ela não sabe quem tentou intimidá-la, mas tem clareza dos motivos da agressão: “a gente chega para ocupar um espaço na Alerj que historicamente nunca foi nosso. E a gente ainda chega no parlamento com a perspectiva de ser herdeira de Marielle, de ser semente”, conta Dani, que atuou como assessora parlamentar da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018 junto ao seu motorista Anderson do Carmo, no centro da cidade do Rio de Janeiro.

Hoje, Dani é presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj (CDH), onde, além de cobrar celeridade no inquérito que investiga o assassinato de Marielle e Anderson, também acompanha dezenas de outros casos de violação de diretos humanos na cidade do Rio de Janeiro. “O Brasil é um país de muita diversidade e essa diversidade entra em choque constantemente. Deve ser difícil pensar países no mundo que têm uma estruturação tão forte da rede de movimentos de defensores e defensoras de direitos humanos e, ao mesmo tempo, violam tantos direitos humanos”, conta. 

Para Dani, uma questão que merece destaque são as constantes denúncias que a CDH recebe relacionadas à atuação de grupos milicianos no estado. “A milícia no Rio de Janeiro é muito maior e muito mais forte do que a gente pensa. O deputado Marcelo Freixo, quando presidia a comissão, foi responsável por construir a CPI das milícias e a dizer: ‘milícia é máfia, não é segurança de bairro’. Agora a gente precisa avançar nessa perspectiva que a milícia não é só a máfia que tomou os territórios, mas é a própria forma, o modus operandi de como funcionam as relações constituídas na nossa sociedade”, relata.

Em entrevista à Agência Pública, além de falar da atuação da milícia, a parlamentar conta como conheceu Marielle Franco e sobre a relação com a ex-vereadora. Dani também comenta a participação feminina na política e da sua militância como mulher, jovem, negra e favelada. 

 

Dani, no seu primeiro dia na Alerj, o vidro do seu carro foi pichado com ameaças. Desde então, você sofreu mais alguma intimidação? Ou se sentiu ameaçada em algum momento? Na época, você registrou a ocorrência. Conseguiram identificar quem foi o autor?

Chegamos para ocupar um espaço na Alerj que historicamente nunca foi nosso. Eu falo nosso, de toda uma fatia da sociedade com componentes de fenótipos de ancestralidade, de cultura e história similares à minha. O Brasil de verdade não ocupa um espaço na política. Se não bastasse toda a carga histórica de todos esses séculos e de ocupação indevida desse espaço, a gente ainda chega no parlamento com a perspectiva de ser herdeira de Marielle, de ser semente. Eu mesma trabalhei no mandato da Mari — fui assessora dela. Existia todo um apelo de transformar o luto de um assassinato brutal, em luta. Foi nessa garra da firmeza no hoje, mas também carregado de todas as lutas do ontem, que a gente ocupa esse espaço. Então, eu imagino que incomode.

Não temos certeza se aquele episódio era alguma ameaça direta frente a esses símbolos e bandeiras que a gente traz para a Alerj ou se vinha da perspectiva do ódio, e, com certa razão, que a população tem da classe política. Quem poderia nos dizer isso, seria a Polícia Civil, porque não nos cabe investigar. Nos cabe relatar um episódio que aconteceu e que certamente, frente à conjuntura do que a gente estava assumindo naquele momento, fazia todo sentido. Até hoje a gente não sabe quem matou Marielle, quem deveria me dizer de fato é a polícia, e pouco andou. 

Daquele episódio em diante, entramos em diálogo com a Casa, com a mesa diretora e com a segurança interna da Casa e tentamos melhorar alguns processos para que, em episódios como esse, a gente tivesse mais elementos para ter mais conclusões. A partir dali adotamos o carro blindado e reforçamos os processos de segurança na agenda. De lá pra cá, outros episódios aconteceram. Não aqui no espaço físico da Alerj, mas na ocupação dos territórios. É onde você tem a certeza que a democracia não está efetivada. Principalmente nas áreas mais vulnerabilizadas.

Por exemplo, ao visitar uma favela de Petrópolis, já fomos intimidados com aquele controle territorial paramilitar, já tivemos o nosso carro acompanhado na estrada. A gente visita diversos municípios e na ida de um para o outro essa intimidação aconteceu. Alguns territórios têm dono, infelizmente, a ideia do voto de cabresto só acabou nos livros de história da escola. Na realidade, ele ainda existe, inclusive nos centros urbanos. 

Então, mesmo após três anos de atuação como parlamentar, você não se sente segura a ponto de andar sem medidas e aparatos de segurança, como o carro blindado, por exemplo?

Infelizmente não, porque o Rio de Janeiro é um estado tomado pelas milícias e a sensação de impunidade aqui é muito grande. Eu não estou fazendo uma diferenciação como se um setor fosse mais criminoso que os outros, mas a milícia tem um componente muito perigoso porque ela acessa, ela se conforma a partir da estrutura do próprio estado. Então, a sensação de legalidade dela é muito grande. As facções criminosas sabem que elas atuam na ilegalidade e são tratadas com tal. As milícias, muitas vezes, nos bairros, nos territórios, elas são a lei e a ordem.

Dani, no decorrer dos últimos três anos aconteceram diversas situações de violação de direitos humanos no estado do Rio de Janeiro. Algumas tiveram mais atenção da mídia, até por conta da gravidade – como é o caso das mortes que aconteceram durante a operação no Jacarezinho, a da modelo Ketlhen e do jovem Moïse. Como a comissão tem feito para acompanhar tantos casos sucessivos e para cobrar as autoridades quanto à resolução dos casos que vem denunciando e acompanhando?

O Brasil é um país de muita diversidade e essa diversidade entra em choque constantemente. É um país de muitas contradições. Por que eu estou falando isso? Porque deve ser difícil pensar países no mundo que têm uma estruturação tão forte da institucionalidade, da rede de movimentos de defensores e defensoras de direitos humanos e ao mesmo tempo violam tantos direitos humanos.

Os países do qual o Brasil figura de vizinhos de violação de direitos humanos são países onde muitas vezes há guerra civil, as democracias não existem, são estados com religiões autoritárias, autocracias. A diplomacia do Brasil é amplamente reconhecida no mundo, então o país sempre foi importante nos espaços de fóruns e debates internacionais. O país é consignatário de vários tratados de garantias de direitos humanos. Seja o mais estrito senso, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, seja quando a gente pensa em grupos, questões raciais e de gênero. O Brasil é muito entusiasta desses espaços. 

As pessoas pensam “ah, então, o Brasil é um país que reconhece os direitos humanos”, e na verdade, não. É um dos principais violadores. É uma contradição muito grande. A gente tem uma comissão muito importante e muito necessária, mas que muitas vezes encontra muitas barreiras no seu trabalho.

Por exemplo: a capacidade da gente direcionar os nossos atendimentos para assistência de saúde mental, assistência social no geral como programa de transferência de renda, até mesmo vaga em escola pública — o Estado do Rio é campeão no fechamento de turmas, turnos e escolas, nos últimos anos foram mais de 200 escolas fechadas. Ou seja, há falta de vislumbre do próprio Estado, sobre ele como garantidor dos direitos humanos.

Muitas vezes o melhor que a gente pode fazer é prestar solidariedade à família, estar junto e lutar, como é o caso do Moïse. A família acabou recebendo muito apoio e que bom, mas não muda a realidade. A gente está aqui lutando pra conseguir visibilizar na casa projetos de lei que tragam direitos para os imigrantes. 

O que a gente tenta é dar sequência à luta, às transformações sociais, porque, de fato, no dia a dia, o trabalho é extremamente oneroso e poucas vezes a gente se sente vitorioso, como é o caso do Jacarezinho. Mas como comemorar que a gente garantiu a prisão de 10 pessoas ao invés da execução delas? Será que é possível falar que a nossa atuação é fundamental, porque salvamos dez vidas e colocamos elas para serem punidas no rigor da lei? Frente ao massacre, à chacina, é um pouco difícil. 

No último 8 de Março, a poucos dias de completar quatro anos do assassinato de Marielle e Anderson, os parlamentares Daniel Silveira e Rodrigo Amorim publicaram uma fotografia mostrando o quadro com a placa de Marielle quebrada.  Você pode comentar como foi pra você se deparar com essa imagem?

É um desespero eleitoral. Nos machuca muito, mas é muito importante [porque] a gente se vê gigante, do tamanho que a gente é nesse processo. A brutalidade, a violação, a falta de empatia, a crueldade é muito grande, mas a figura é muito pequena. Qual é o grande feito do Rodrigo Amorim? Ter quebrado a placa da Mari na eleição. E o que ele está fazendo agora às portas do ano eleitoral? Postar uma foto ostentando a mesma placa. O Daniel da Silveira perdeu o mandato, foi preso pelo STF. O que esses dois fizeram ao longo desses anos que realmente trouxe impacto para a população, além de discurso de ódio, da morte? 

O Rodrigo Amorim é o principal padrinho do programa segurança presente. Que a ideia não é uma polícia de proximidade, de uma polícia cidadã — isso de fato, os países mais seguros do mundo o têm, o problema é que isso está garantindo o que? E que segurança é essa e pra quem? O brasileiro não tem o que comer. As pessoas estão pelas ruas vendendo coisas, pedindo dinheiro e o que adianta um policial presente do lado de uma pessoa em situação de rua. Nos falta assistência social, nos falta professores, nos falta médicos.

Ou seja, não é uma negação plena à segurança pública, embora haja obviamente uma crítica severa a como ela se aplica, mas nenhuma sociedade democrática, que garanta direitos e o exercício da cidadania, se pauta única e exclusivamente na segurança pública. Isso é controle da população.

Então, esse ser não é grande, muitas vezes ele é até grande porque a gente o faz grande. A nossa indignação com a quebra da placa da Marielle ajudou nessa visibilidade dele, porque ele sabe que a ampla maioria da sociedade reconhece o assassinato de Marielle como algo brutal. Mas há aquela turma do politicamente incorreto que vai fazer o discurso: “deixa pra lá, é mulher de bandido”, e é para essas pessoas que ele quer se comunicar. Ele quer conquistar esse eleitorado na marra. 

Quem matou Marielle achou que ninguém ia se importar. E hoje ela representa um símbolo de luta mundial por direitos humanos, por garantia de cidadania, pela luta dos oprimidos contra os opressores. Ela representa a força daqueles que vêm de baixo e de quem realmente constrói nosso cotidiano, a nossa sobrevivência, o nosso bem viver. É muito maior. A gente é muito maior. 

O assassinato da Marielle completa quatro anos. Para você que esteve tão próxima a ela, qual é o peso desta ausência? E, se possível, você pode falar um pouco sobre a amizade de vocês, antes de você trabalhar no mandato?

A Mari foi filiada ao PSOL quase desde o início. O primeiro congresso do partido aqui no estado foi na Maré, na favela dela, e ela foi uma das grandes articuladoras desse espaço, como ainda alguém que estava conhecendo o partido, como uma recém filiada, mas como alguém que era reconhecida no território que o congresso aconteceu. Então, quando eu me filiei ao PSOL eu ouvia falar dela. Eu ouvia falar da atuação dela coordenando a comissão de direitos humanos: “mulherão brava que chega colocando o dedo na cara”, eu ouvia isso, mas tive a oportunidade de conhecê-la mesmo no bojo da campanha de 2016. Saber que ela seria candidata a vereadora, pra mim, foi um enorme estímulo. 

Eu me filiei ao PSOL pela concordância com o programa político e a coerência do partido, a ética partidária. Pra mim, ter um programa que tinha a garantia do direito à cidade, das garantias dos direitos sociais, não os direitos individuais, mas os direitos coletivos que cada indivíduo tem numa sociedade. E aí, a Mari era a favelada da Maré, como diria a minha mãe: “poderia ser a minha irmã”, então foi a pororoca, o encontro rio com o mar.

Entrei para trabalhar de modo profissional em caráter de vínculo na campanha do Marcelo Freixo a prefeito em 2016. Eu era da equipe de mobilização e construía toda articulação e mobilização da campanha do Marcelo nas favelas e, concomitantemente, com muito orgulho, fazia jornada dupla de construir a campanha da Mari. Ele era o nosso candidato a prefeito, mas a minha vereadora era a Marielle Franco, e eu rodei essa cidade todos os dias de pré campanha e de campanha, fazendo a campanha dela.

Foi nesse bojo que eu conheci ela. Estava com ela todos os dias. Eu acompanhava a agenda, eu montava a agenda, eu panfletava onde ela estava. A gente construiu uma relação de confiança mútua. Quando ela foi eleita com 46.502 votos eu saí da minha casa bandeirando para todos os lugares. Eu vim pra Lapa, onde era o comitê, festejamos e foi um dos dias mais felizes. E logo após isso vem o convite para eu trabalhar na assessoria. Ela tinha muita preocupação de ter uma assessoria que representasse o projeto. Ela queria de fato gerar oportunidade e trazer outros políticos, por assim dizer. 

A CDH tem acompanhado a investigação do assassinato da Marielle? Vocês sabem como está o andamento do processo?

Quando a Mari foi executada, quem presidia a comissão era o Marcelo, que além de amigo pessoal, foi quem dividiu muitas trincheiras com ela. Coordenar a comissão, enquanto ele presidia, era uma relação que carecia de muita confiança, de muita troca. Havia ali um componente emocional e pessoal muito grande e obviamente componente político. A comissão atua em casos de violação de direitos humanos e aquela era uma grande violação, não só do direito humano à vida da Mari, mas do direito humano à democracia de todos nós cidadãos cariocas. Então, o Marcelo começou esse acompanhamento conversando com os delegados. 

No início teve muito depoimento, muita reconstrução. A comissão até atuou um pouco além do que normalmente ocorre, frente à proximidade do caso da vítima. Só que a investigação é fechada, a gente não tem vocação constitucional para ter acesso e ela tem a sua justificativa do sigilo imposto à investigação. 

É óbvio que existem conflitos de interesses enormes. Não foi um “que pega carteira na esquina” que encomendou um crime daquele tamanho. A gente não tem um acesso direto à investigação, a gente segue, de tempos em tempos, recorrendo e demandando a celeridade da investigação. De fato, a gente tem pouca capacidade de ajudar hoje, além de cobrar. 

Eu mesma sou depoente como assessora. Todos depuseram, inclusive porque uma das primeiras linhas investigativas, que é comum nos casos do Brasil, é que às vezes é fogo amigo da política. De lá pra cá, a gente já depôs outras vezes. Até em outra condição e para ajudar em outros elementos da investigação. A última vez foi pra tentar reconstruir como era a metodologia de agenda dela. Mas, nesse caso, que eu estou mais perto, eles não dão acesso. Ali eles vão me tratar como assessora da Mari, não como a deputada estadual presidenta da Comissão. Eu vou na condição de depoente. É sempre tudo muito fechado e o inquérito é muito grande e então é muito fácil se desonerar. Enfim, não temos acesso a nada e poucas informações são passadas. No geral, como boa parte das pessoas, a gente acompanha pelos jornais. 

Na última eleição, no Rio, dos 70 deputados estaduais que conseguiram o cargo, apenas 13 são mulheres. Na sua opinião, o que falta para que as mulheres ocupem mais esse espaço, principalmente quando se trata de mulher favelada? Quais são as dificuldades e como o ambiente político pode estimular a participação dessas mulheres?

É muito contraditório, porque a base dos movimentos sociais mais populares são liderados por mulheres. Se você pegar a história da formação das favelas na cidade do Rio, muitas delas tiveram mulheres como fundadoras da comunidade e lideranças. Esse local da mulher negra, das mulheres que são racializadas no geral tem toda uma cultura de liderança muito forte. 

Tem, por exemplo, uma comunidade na Praça Seca, em que, até hoje, a família da Percilia Teles atua. Ela foi uma parteira, fundadora da comunidade, ela chegou com a sua família e começou a receber outras famílias. A própria Maré, favela de onde a Marielle veio e umas das maiores favelas da nossa cidade com cerca de 140 mil habitantes, foi fundada por dona Orozina. O museu da Maré inclusive faz homenagem à ela. Ela também era parteira, cuidadora, curandeira e liderança. 

Então há uma preponderância muito forte das mulheres ocupando espaços de poder ou de liderança. No entanto, isso não se reflete nos espaços institucionais dos poderes constituídos, porque ao longo desse processo nós fomos empurradas para um processo de reprodução. Há o trabalho produtivo e há o reprodutivo, este que é aquele do cuidado, da assistência. Ele não é remunerado na nossa sociedade, muito pelo contrário, ele é rebaixado e é a porta de precarização de vários outros. 

Um assunto recorrente para a população fluminense nos últimos anos, na perspectiva da segurança pública, são as milícias. A CDH tem recebido denúncias relacionadas à atuação de grupos milicianos? 

Recebemos denúncias, sim. Trazendo exemplos mais amplos, a cidade de São Gonçalo é basicamente dominada pelo poder paramilitar. É fácil falar dela, porque você nem entra. No caso da chacina do Salgueiro, que aconteceu depois da do Jacarezinho, os requintes de crueldade e a impunidade são ainda maiores, o que a gente trouxe de lá são paredes, muros, portões pichados com: “a tropa do Tandera vem aí”. 

Dou esse exemplo, porque é mais fácil e mais amplo, mas a gente recebe denúncias todos os dias. Até porque, hoje a milícia é o maior poder paraestatal. A milícia hoje é maior que qualquer facção. Proporcionalmente é comum que a gente receba, embora, nessas regiões os moradores são mais fortemente levados a não denunciarem. Eles são coagidos. 

Na comunidade Rio das Pedras, o controle social é tão grande que os jovens não podem pintar o cabelo de loiro, eles não podem descolorir o cabelo. Funciona toda uma estrutura de gás, de aplicativo de transporte, a milícia tem Uber próprio. Em Belford Roxo, a Uber, empresa internacional, não funciona na cidade inteira. A Uber não aceita. Se você tentar pedir pra Belford Roxo, você não consegue. O controle é muito maior do que a gente às vezes imagina. Os tentáculos dessa estrutura dentro do estado, dentro da consciência das pessoas é muito grande. 

O pensamento “milicialesco” está em todo lugar, desde o dono do bar que fala “vou colocar a mesa aqui sim”, até o cara da banca que diz “você não vai colocar porque atrapalha o meu negócio” e aí chega o policial e quem dar um dinheirinho a coisa funciona primeiro. Tem milícia em todo lugar, ela só não é igual à do Rio da Pedras, mas tem milícia na Lapa, tem no Maracanã, tem na Tijuca, tem aqui no Centro. Se para você colocar um banquinha na rua, você precisa pagar informalmente à segurança privada, ao agente de segurança oficial, seja da guarda ou da polícia, o nome que se dá é milícia, que é controle territorial pelo uso ostensivo da força. Controle territorial que gera poder econômico e político. 

A milícia no Rio de Janeiro é muito maior e muito mais forte do que a gente pensa: é esse o contorno que a gente tenta dar aqui na Comissão. A Comissão é reconhecida como um polo de enfrentamento às milícias. O Deputado Marcelo Freixo, quando presidia a comissão, foi responsável por construir a CPI das milícias e a dizer “milícia é máfia, não é segurança de bairro”. E agora a gente precisa avançar nessa perspectiva que a milícia não é só máfia que tomou os territórios, mas é a própria forma, o modus operandi de como funcionam as relações constituídas na nossa sociedade. Se a gente não reconhecer isso, a gente vai ficar caçando só o Tandera, enquanto a coisa acontece aqui no Centro do Rio, debaixo das nossas barbas. 

Você está dizendo que a milícia está em diversos territórios do Rio, inclusive no centro. E dentro da Alerj, há presença da milícia?

Tem gente aí que responde processo, que está com inquérito nas costas. Eu não tenho prova que essas pessoas são milicianos e eu esperava que a Justiça trabalhasse um pouco melhor para tê-las. Mas tem pessoas que são notadamente pautadas como tal. Isso se percebe nas relações constituídas. 

Aqui, tudo é uma batalha. Teve uma batalha para que os deputados não entrassem armados no plenário, que historicamente é proibido, inclusive porque a Alerj antiga já foi palco de assassinato de deputado com arma de fogo, mas foi uma prática que foi voltando com naturalidade nessa legislatura. No dia a dia, a gente lida com milicianos de verdade até aqueles que gostam mais de falar, tem muito gogó — tipo esses que quebram placa. Aqui você tem as paquitas da milícia e os milicianos. Mas aqui o trato é no fino, é na elegância, ninguém vai chegar barbarizando, porque está dentro do poder legislativo. Mas o olhar diferente, o aperto de mão mais encorpado, a postura na tentativa de intimidar existe. Aí você também mantém a postura. Você olha no olho e fala: “eleita, eu fui também”.


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