19/04/2024 - Edição 540

Brasil

Governo ignora crise interna e vende na ONU ‘direito à moradia adequada’

Publicado em 24/02/2022 12:00 -

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O governo de Jair Bolsonaro vai patrocinar uma resolução na ONU, sugerindo a garantia ao "direito à moraria adequada". O projeto será submetido à votação no Conselho de Direitos Humanos e conta com a assinatura de países como Alemanha e Finlândia.

O Conselho abre seus trabalhos no ano de 2022 na próxima segunda-feira (28) e a chefe da delegação brasileira será a ministra Damares Alves. A reunião ocorre dias depois que chuvas e o descaso em Petrópolis (RJ) deixaram mais de 200 mortos. Mas, na ONU, o Brasil tenta vender uma imagem de que existe no país uma defesa de políticas habitacionais.

De acordo com a reportagem do UOL, nove equipamentos que foram instalados em 2016 pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) para acompanhar em tempo real deslizamentos de terra estão parados desde janeiro de 2018 por falta de verba do governo federal para a manutenção.

No último dia 18, em visita a Petrópolis, Bolsonaro disse que não seria possível prevenir todas as tragédias. "As medidas preventivas são previstas no Orçamento. Ele é limitado, existem os orçamentos federal, estaduais e municipais. Agora, na questão emergencial, o tratamento é diferente. Muitas vezes nós não temos como prever tudo que possa acontecer nestes 8,5 milhões de quilômetros quadrados (do Brasil)", disse.

O dinheiro destinado pelo governo federal para Defesa Civil também se manteve num dos patamares mais baixos em mais de dez anos, num total de R$ 633 milhões em 2021.

Já estudos revelam que, nos últimos anos, projetos habitacionais do governo federal foram alvos de duros cortes.

Um trabalho realizado pelo Dieese, Fundação Friedrich Ebert Stiftung Brasil e o sindicato global ICM – Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira, revelou que o programa Casa Verde Amarela, lançado em 2020, encerrou completamente os subsídios para a Faixa 1, o que atingiu a população de menor renda familiar e a mais representativa dentro do déficit habitacional.

Segundo o estudo, os cortes de orçamento "praticamente encerram o esforço de reduzir o déficit habitacional da população mais pobre ".

"Dada a conjuntura econômica extremamente difícil do Brasil, na qual não existe qualquer estratégia de desenvolvimento para o pós-pandemia, dois problemas se colocam para o tema: a perda de oportunidade de execução de políticas anticíclicas por parte do governo no setor da construção, que geraria postos de trabalho de forma rápida, com importantes encadeamentos setoriais e que atuaria sobre questões estratégicas para o país (infraestrutura e habitação); e, o crescente empobrecimento da população brasileira, que certamente impactará negativamente nos indicadores de déficit habitacional e na ausência de adequabilidade de moradias, o que por sua vez exigirá investimentos posteriores ainda maiores para a resolução do problema", avaliou o estudo.

Em alguns casos, os cortes de orçamento chegaram a 98%, enquanto projeções da empresa de gestão TCP Partners indicam que o déficit habitacional no país deve chegar a 6,102 milhões de moradias em falta, em 2021. O volume representa um aumento no déficit de 225 mil unidades, em comparação aos dados de 2019.

Político lamentar Petrópolis após dilapidar proteção ambiental é cinismo

Um rosário de parlamentares e governantes correu para lamentar a tragédia em Petrópolis em declarações nas TVs e redes sociais loco após as chuvas da última terça (15). Afinal de contas, estamos a poucos meses da eleição. Mas, nos últimos três anos, muitos agiram como engenheiros do caos. Ao invés de ajudar a reduzir o impacto da bomba das mudanças climáticas, aumentaram seu poder de destruição ao suprimir parte das leis e normas ambientais que nos garantem alguma proteção. Tudo para facilitar a vida da parte anacrônica do agronegócio, do extrativismo, da construção civil.

Tragédias como a de Petrópolis, com sua dolorosa quantidade de mortos, desabrigados e desalojados, é o tipo de evento extremo que cientistas têm em mente ao alertar para as mudanças climáticas. As secas que atingiram as cabeceiras dos grandes rios brasileiros no ano passado, baixando o nível dos reservatórios e elevando a conta de energia elétrica também.

Os registros históricos de chuvas e de secas, citados por governantes para justificar o caos, não valem mais para efeito de comparação porque o clima mudou. E isso deveria ser levado em conta no planejamento, se planejamento houvesse.

Ao comentar a tragédia de Petrópolis, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não chovia tão forte assim na região há 90 anos e que, portanto, não havia muito o que fazer para evitar uma "catástrofe". Isso remeteu a outra declaração dada por ele: em maio do ano passado, disse que a seca que colocou as hidrelétricas em risco era "a pior crise hidrológica da história" e, diante disso, sentenciou "vai ter dor de cabeça".

O discurso de que nada poderia ser feito diante "desastres naturais" é típico de governos que não querem ou não sabem investir em planejamento urbano e contenção de encostas, no caso de chuvas, e planejamento hídrico, no caso de secas.

Ironicamente, os únicos planos que realmente avançaram nos últimos anos foram os de afrouxamento das leis ambientais pelas mãos de deputados e senadores no Congresso (ajudando a esquentar terras públicas roubadas, por exemplo) e de retalhamento de portarias e instruções normativas no Ministério do Meio Ambiente. Sem contar, é claro, o grande projeto de enfraquecimento de instituições de fiscalização, monitoramento e controle, como o Ibama e o ICMBio.

A morte quase absoluta das políticas ambiental e climática do Brasil é talvez um dos mais graves defeitos deste governo, e dos mais prejudiciais ao país no longo prazo. E todos os que se debruçam sobre o assunto, de cientistas a organizações da sociedade civil, passando por políticos racionais, técnicos do governo e diplomatas até agropecuaristas, industriais e investidores responsáveis sabem que a reeleição de Jair em 2022 lhe dará um salvo-conduto para aprofundar essa ação predatória sobre as regras ambientais e sobre o clima.

É vergonhoso admitir para o mundo, mas grileiros de terra e invasores de territórios indígenas são a base de apoio do presidente do Brasil. Tanto que não é segredo que ele tem abertamente dito a eles que podem ficar tranquilos que seu governo garante a impunidade diante do desmatamento.

O que muitos chamam de inferno é apenas um aperitivo de nosso novo normal. Já adentramos uma nova era de extinção em massa de uma série de espécies no planeta. Talvez menos a nossa. Pois, ao final, os ricos comprarão sua proteção ambiental e herdarão a Terra.

E o que restará para a população pobre, como as famílias que estão chorando seus mortos em Petrópolis, no Sul da Bahia, em Minas Gerais e em São Paulo – vidas levadas pela lama e pela falta de planejamento neste verão? O consolo cínico de que Deus quis assim porque suas mortes não poderiam ter sido evitadas.


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