26/04/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

Não cabe um projeto militar de país

Publicado em 20/01/2022 12:00 -

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O fato de o ministro da saúde ter dirigido a Sociedade de Cardiologia não implica em uma conspiração médica para um projeto obscuro de país, ou que todos os médicos sejam ‘bolsonaristas’ e negacionistas.

O mesmo vale para as carreiras públicas. Há diversidade de pensamento no Incra, na Embrapa, no IBGE e no Ibama, como no Judiciário, sem que isso gere um projeto nacional de país exclusivo. Pode-se estender esse raciocínio, ainda que precário, para o caso das Forças Armadas.

Não, os militares não têm um ‘projeto de Brasil’, por algumas razões. Primeiro, porque apresentar projeto para o desenvolvimento do País não é sua atribuição constitucional. Segundo, porque essa matéria não está prevista na sua formação acadêmica nem na sua instrução diária. Por fim, porque os militares não reúnem as capacidades para formulação e liderança de um projeto de país.

Afinal, o Brasil tem 200 milhões de habitantes, um PIB acima do trilhão de dólares, um sistema financeiro colossal, agronegócios e mineração em escala global e um meio ambiente com importância planetária, tudo isso ligado por redes complexas de serviços e infraestrutura.

Naturalmente, há militares capazes de colaborar na proposição de políticas públicas. Assim como pode haver entre eles indivíduos e grupos que ambicionem poder, reconhecimento e renda acima do que promete a carreira militar.

Sendo 300 mil especialistas em ocupar territórios, muitos buscarão espaços no Legislativo, no Judiciário, no Executivo, na iniciativa privada, na academia, no sistema financeiro, entre outros. Mas, não estamos em 1889, nem em 1964.

Sendo assim, não cabe no universo militar uma visão única de país, um plano de poder consensual, um pensamento monolítico ideológico, que conduza a uma solução golpista por princípio.

Intrigante é que, tanto seus críticos quanto seus admiradores, cobram reiteradamente que se revele o tal projeto dos militares para o Brasil. Não existe, vale repetir, assim como não se poderia esperar que a Polícia Federal ou a Petrobrás, por exemplo, apresentem um projeto de país.

Por outro lado (é preciso admitir), a sociedade, as elites, imprensa e políticos brasileiros seguem enfeitiçados por uma cultura militarista que parece encantar a todos, como um fetiche nacional. Afinal, nossa República não nasceu de uma revolução iluminista. Não nasceu sequer como democracia.

Ao contrário, muitos dos nossos ‘revolucionários’ republicanos eram simpatizantes da monarquia e da escravidão. A rigor, o próprio Imperador era mais simpático à Abolição (e a proclamou) e à República do que os ‘republicanos’ que o deportaram.

Nossa República chega a ser incidental no nascedouro, porque a ideia inicial dos marechais era exigir do Rei um gabinete de ministros menos liberal. O movimento descambou para a troca do monarca por um militar-presidente logo na largada.

Os positivistas, fãs de Augusto Comte, aproveitaram para experimentar a ‘Ditadura’, substituindo aquela monarquia centralista e familiar, e antes que se instalasse alguma democracia liberal excessiva para a época.

Democracia que veio com o terceiro presidente (o primeiro civil), resistindo até hoje, entre bailes e boiadas. Contudo, o DNA militar segue no imaginário nacional, seja como fantasma, seja como utopia. Ironicamente, até mesmo dois dos símbolos da esquerda brasileira – Lamarca e Prestes – também foram militares.

Nesse contexto histórico, é urgente observar que nenhum setor da sociedade, à esquerda ou à direita (com destaque especial para a omissão do Legislativo), se dispõe a dialogar com os militares sobre os assuntos que lhes dizem respeito, como a Estratégia Nacional de Defesa, Soberania e, mais recentemente, as mudanças climáticas.

Felipe Sampaio – Advogado e Consultor


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