25/04/2024 - Edição 540

Especial

‘Reformando’ a Reforma Trabalhista

Publicado em 12/01/2022 12:00 -

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Durante o trâmite da Reforma Trabalhista, o governo Michel Temer, sua base no Congresso Nacional e associações empresariais prometeram que ela removeria os "entraves" para que rios de leite e mel corressem pelas ruas das cidades brasileiras. E que brilhantes unicórnios vomitariam arco-íris perfumados sobre as contas bancárias dos mais pobres.

Claro que era cascata e, hoje, trabalhadores sentem na pele os resultados da precarização de proteções à sua saúde, segurança e dignidade feitas à toque de caixa e sem a devida discussão democrática.

Reportagem da Folha de S.Paulo, do último doa 10, diz que Geraldo Alckmin (sem partido), ex-governador e candidato a candidato a vice de Lula, manifestou preocupação com a proposta de revogação da reforma, pois isso estaria gerando apreensão no mercado. É fascinante que algo ainda gere apreensão no mercado após Bolsonaro, que ele ajudou a eleger, ter aloprado a economia em nome de seu projeto de poder.

O tema é central e não pode ser deixado de lado em nome de composições eleitorais porque diz respeito ao projeto de país que os candidatos apresentarão aos eleitores.

Se Lula quiser garantir qualidade de vida aos trabalhadores, precisará comprar brigas para tentar rever regras, como a possibilidade de terceirização ampla, uma vez eleito. Digo "tentar" porque isso dependerá do tamanho do apoio que terá no Congresso e de sua capacidade de negociar com o centrão. Convenhamos que é uma tarefa difícil porque a Câmara, pelo menos na atual legislatura, não é pró-trabalhador. Mas a expectativa de sua base é que ele, ao menos, não se omita de tentar.

O assunto da Reforma Trabalhista retorna, de tempos em tempos, quando o Congresso Nacional tenta aprovar um novo pacote de mudanças – como aquele escondido na forma de "jabuti" dentro da Medida Provisória 1045. Aprovada pela Câmara, acabou rejeitada pelo Senado em setembro do ano passado.

Desta vez, reapareceu em meio ao debate eleitoral. Após Lula ressaltar, no último dia 4, a importância da contrarreforma que vem sendo tocada pelo governo espanhol para reverter a precarização das regras trabalhistas ocorrida por lá, em 2012, e o PT colocar o tema como um dos desafios de um possível terceiro mandato do ex-presidente, os arquitetos da reforma vieram a público defender sua obra.

Justo. Quem pariu esse prédio desabando que venha a público defende-lo.

Temer, ex-presidente e ghost writer de Jair Bolsonaro, foi um deles. Foi desmentido em artigo publicado, também no último dia 10, por oito centrais sindicais, assinado pelos presidentes da CUT, da Força Sindical, da UGT, da CTB, da NCST, da CSB e da Pública, Central do Servidor e pelo secretário-geral da Intersindical. Nele, afirmam que a Reforma Trabalhista retirou direitos e gerou desemprego.

Durante meses, acompanhamos, no Congresso, um rolo-compressor de interesses econômicos atropelar a necessária discussão sobre a atualização na legislação em nome de um projeto que facilitou a precarização da proteção aos trabalhadores. Tentativas de aprofundar a discussão eram abortadas. Propostas para realizar uma Reforma Sindical, que fortalecesse os bons representantes e desidratasse os picaretas antes da Reforma Trabalhista, por exemplo, eram vistas com desdém.

Por outro lado, o projeto para enfraquecer as representações de trabalhadores passou com distinção e louvor.

Não havia espaço para o diálogo, apenas a pressa. Tanto que o Senado abriu mão de seu papel de casa revisora, aceitando aprovar o texto que veio da Câmara sem modificações. Engoliu a mentira de que o governo se empenharia para retirar pontos com os quais os senadores não concordavam.

Claro que toda legislação trabalhista precisa de revisão para se adaptar aos novos tempos. A própria CLT passou por várias desde que foi instituída – aquela história de que é o mesmo texto desde Getúlio Vargas não é verdade. Mas o que aconteceu no Brasil não foi um diálogo tripartite, entre patrões, empregados e governo, buscando a atualização e a simplificação das regras. Foi a entrega de uma encomenda, pagamento pelo apoio de parte do empresariado à troca de comando na República.

Tanto não foi uma atualização que os legisladores de 2017 se furtaram a aprovar medidas eficazes para garantir proteções à saúde e segurança de entregadores e motoristas por aplicativos, uma das mais vulneráveis categorias. Hoje, políticos dizem que não era possível prever que esse novo proletariado urbano explodiria em número. Mentira. O Congresso e o governo foram alertados, mas ignoraram. Porque o objetivo era outro.

Ao analisar o DNA da Reforma Trabalhista, vemos que ela nasceu baseada em demandas apresentadas por confederações empresariais e grandes empresas junto com posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. A esse pacote inicial, somaram-se dezenas de propostas de parlamentares e de seus patrocinadores.

No final, houve algumas boas alterações, outras inócuas e um pacotão de maldades.

Claro que uma Reforma Trabalhista não impacta a realidade sozinha, depende de uma série de outras variáveis. Uma delas, por exemplo, é ter como presidente uma pessoa que gera instabilidades política e econômica – neste caso, falando de Bolsonaro, não de Temer. Mas os envolvidos em sua aprovação martelaram, dia e noite, nos veículos de comunicação, o contrário. E essa promessa de melhoria rápida do cenário do emprego foi usada para enganar a população desesperada por conseguir um serviço.

Mais do que propaganda enganosa, a isso se dá o nome de chantagem. Das mais baixas.

Discute-se o estelionato eleitoral de Dilma Rousseff ao colocar em prática, no início de seu segundo governo, políticas econômicas que ela não havia prometido em campanha.

Porém, o estelionato político da Reforma Trabalhista é algo do qual raramente se fala. Esse tipo desequilíbrio na punição dos pecados, que se tornou comum por aqui, vai acabar matando a República. Se Bolsonaro não assassiná-la antes, claro.

Se depender de alguns setores, Lei Áurea seria revogada, diz Lula sobre reforma trabalhista

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e representantes das seis centrais sindicais brasileiras se reuniram no último dia 11 com representantes do governo e do Congresso da Espanha. O assunto foi o processo de revisão da reforma trabalhista no país com participação de partidos, lideranças de trabalhadores e empresariais.

O ministro José Luis Escrivá, da Inclusão, Migrações e Seguridade Social, apontou que a precarização das leis trabalhistas a partir de 2012 levou à redução da qualificação da força de trabalho. Desse modo, atrasou o desenvolvimento do país e a criação de empregos de qualidade. E já que a situação se assemelha ao que acontece no Brasil, depois da reforma trabalhista executada em 2017, o processo espanhol passou a inspirar propostas de revisão no Brasil.

Não é a primeira vez que Lula discute os impactos da legislação trabalhista no mundo do trabalho com dirigentes espanhóis. O ex-presidente já havia se encontrado com a vice-presidente do governo espanhol, Yolanda Díaz, em novembro. E também com as centrais sindicais espanholas, durante viagem a vários países da Europa em que defendeu a imagem do Brasil e ações globais contra as desigualdades. Lula lidera todas as pesquisa na disputa presidencial da eleição de 2022. Assim sua movimentação já incomoda a elite política e os setores da imprensa comercial que apoiaram o golpe de 2016 com objetivo de impor uma agenda neoliberal ao Brasil.

Os espanhóis, descreveram o debate público para a revisão e recuperação de direitos que tinham sido perdidos a partir de 2012, com o objetivo de atingir uma remuneração justa. O ministro Escrivá fez uma apresentação sobre “Políticas econômicas para uma sociedade mais justa e inclusiva” e sobre a reforma. “É uma mentira que a competitividade de um país seja conseguida reduzindo salários. Se consegue com salários melhores combinados com a qualificação da mão de obra”, disse. Mas também mencionou investimentos em saúde e educação, valorização do salário mínimo e uma garantia de uma renda mínima para as famílias da Espanha. O salário mínimo na Espanha aumentou 38% desde a chegada do primeiro-ministro Pedro Sánchez ao poder.

O ministro reforçou que a reforma espanhola contou com um amplo consenso construído pelo governo com a sociedade civil, sindicatos e empresários. E que o governo Lula no Brasil também serviu de inspiração para o Partido Socialista Operário Espanhol (Psoe).

Além de Escrivá, acompanharam a reunião o diretor de Securidade Social, Borja Suárez Corujo, os representantes das centrais espanholas Jesús Galego (UGT) e Cristina Faciaben (Comissões Obreras). Deputados e senadores do Psoe tamb

A comitiva brasileira acompanhou a reunião na sede da Fundação Perseu Abramo, em São Paulo. A deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) e o presidente da fundação, Aloizio Mercadante, acompanharam. Pelas centrais sindicais brasileiras participaram Sergio Nobre (CUT), Miguel Torres (Força Sindical), Ricardo Patah (UGT), René Vicente (CTB), Moacyr Roberto Tesch Auersvald (Nova Central Sindical) e Edson Carneiro Índio (Intersindical).

Segundo Sérgio Nobre, Lula reforçou a necessidade de construção de uma mesa de negociação para o debate tripartite. E desse modo, tentar retomar algo parecido com o Fórum Nacional do Trabalho criado durante seu governo, em 2003. Na ocasião, o objetivo era discutir mudanças consensuais nas relações de trabalho e sindicais. Mas o colegiado acabou não prosperando.

Miguel Torres, da Força, afirmou que a criação de empregos de qualidade e a recuperação da renda estão no centro das discussões. O ex-presidente, como comentou Edson Carneiro Índio, da Intersindical, disse que para alguns setores da economia até a Lei Áurea seria revogada no Brasil. Pela CTB, Vicente destacou que Lula sugeriu às centrais sindicais a fecharem uma posição conjunta. Por exemplo, como já fizeram na década passada quando conduziram a proposta de política de valorização do salário mínimo.

A revisão da reforma trabalhista proposta pela Espanha propõe a limitação dos contratos temporários de trabalho, coíbe o abuso com terceirizações e com o trabalho intermitente. Além disso, reforça as negociações e determina a validade dos acordos coletivos até que estes sejam renovados.

Impactos negativos da reforma trabalhista

Os números oficiais mostram a ineficácia da reforma e diversos estudos também apontam seus resultados negativos. Em agosto de 2021, foram lançados dois volumes da obra O trabalho pós reforma trabalhista (2017), resultado de uma parceria do centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir). À época, José Dari Krein, do Instituto de Economia da Unicamp falou à RBA sobre o impacto das mudanças de 2017.

“Você afetou negativamente a renda do trabalho, o sistema de crédito. O que cresceu foram as ocupações informais e por conta própria. A desigualdade se acentuou. Também piorou o índice de Gini, ou seja, uma distribuição mais desigual do resultado do trabalho”, ressaltou.

Krein ressaltou ainda o histórico de desconstrução dos direitos trabalhistas no Brasil iniciado no anos 1990, prosseguindo com mais intensidade na reforma de Temer, que mudou formas de contratação e remuneração. As medidas ajudariam, segundo seus defensores, a formalizar contratos, dinamizar a economia, criar empregos e aumentar a produtividade. “Todas essas promessas não foram efetuadas”, lembrou.

Grupo criado pelo governo transfere culpa ao trabalhador e quer ampliar flexibilização, critica Dieese

Enquanto se ensaia o debate sobre a “reforma” trabalhista de 2017 e seus filhotes no atual governo, um grupo de estudos apresentou relatório em que propõe aprofundar a flexibilização da lei, basicamente com os mesmos argumentos. “O relatório culpa o trabalhador e a legislação por problemas do mercado de trabalho, como a rotatividade e a informalidade”, critica o Dieese, que elaborou nota técnica sobre as conclusões do chamado Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet), criado pelo Executivo em 2019.

Além disso, o grupo “fala do trabalho por aplicativo como futuro e defende que as relações entre trabalhadores e empresas nesse meio não sejam reguladas pelas leis trabalhistas”. As próprias empresas do setor se apresentam como meras intermediadoras, querendo dizer com isso que não há vínculo de emprego.

O Dieese refuta. “Na verdade, elas vetam a entrada de pessoas, impõem sanções, definem tempo mínimo de trabalho utilizando o aplicativo, definem como os procedimentos do trabalho devem ser feitos, criam regras que induzem os trabalhadores e trabalhadoras a se manterem conectados, estabelecem pressões relativas ao tempo de entrega, aplicam penalidades para recusa de tarefas, entre outros. As empresas detentoras do aplicativo ainda podem controlar os ganhos do trabalhador, ao alterar o valor pago por corridas, o que pode impor grande variação nos rendimentos”, afirma o instituto. “São elas que definem o custo da corrida e podem alterá-lo de forma automática”, acrescenta.

Poder patronal

O documento do Gaet, que basicamente reuniu defensores da flexibilização – centrais sindicais, por exemplo, não participaram – também traz sugestões de mudanças no FGTS e no seguro-desemprego. “O que se percebe é que a proposta está voltada unicamente para os incentivos ao trabalhador e em nenhum momento trata do empregador”, observa o Dieese.

Não se fala, por exemplo, em restringir o poder patronal de demitir individual ou coletivamente. Até mesmo porque os autores não são inclinados a apoiar intervenções do Estado no funcionamento do mercado, que deveria, na visão deles, ser livre ao máximo para operar a alocação de recursos. No entanto, inclusive nessa perspectiva, não consideram a possibilidade de onerar o empregador que utiliza da demissão como mecanismo de gestão de recursos humanos, por exemplo, por intermédio de uma taxação proporcional à rotatividade do estabelecimento, apesar
de reconhecerem que parte da informalidade e da rotatividade decorre de comportamentos abusivos”, sustenta ainda o instituto.

Confira aqui a íntegra da nota técnica.


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