19/04/2024 - Edição 540

Poder

Nova internação de Bolsonaro mostra que atentado segue peça-chave da eleição

Publicado em 07/01/2022 12:00 -

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Após passar dias andando de jet ski e aglomerando com fãs no litoral de Santa Catarina, Jair Bolsonaro (PL) passou alguns dias internado em São Paulo, com obstrução intestinal. A primeira-dama Michelle, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) e o próprio presidente aproveitaram para lembrar a facada que ele levou em setembro de 2018, apontando que o uso político do atentado continuará sendo peça central de sua campanha eleitoral.

Antes de mais nada, desejamos a ele saúde. Bolsonaro precisa tê-la para ser derrotado nas urnas, através da democracia que ele tanto ataca, mesmo que não tenha demonstrado empatia pelos 620 mil mortos por covid-19 ou pelos 25 mortos durante as chuvas no sul da Bahia.

E viver muitos anos para poder responder pelos crimes dos quais é acusado. Tanto os de corrupção na Justiça brasileira quanto aqueles contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional.

A facada, recebida durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG), em 2018, deixou sequelas. Ao mesmo tempo, também deixou dividendos eleitorais que o então candidato à Presidência da República soube explorar muito bem para faltar a debates no segundo turno (mesmo que médicos tenham deixado claro, naquele momento, que ele poderia participar) e que, pelo visto, ele pretende colher também em 2022.

É reducionismo afirmar que Bolsonaro foi eleito só por conta do atentado, ignorando que Jair soube surfar uma onda antissistema e antipolítica, mesmo tendo sido parte do que há de mais fisiológico no parlamento brasileiro nas três décadas anteriores. Seu maior feito como deputado, aliás, foi ser o patriarca das rachadinhas da própria família e se tornar conhecido pela misoginia, como ao afirmar que há pessoas que merecem ser estupradas.

Também soube organizar uma guerrilha de ódio on-line, amplificada por seguidores fanáticos e financiada com recursos de empresários simpáticos a ele. E tido o apoio de parte do capital – que via (e ainda vê) a possibilidade de "domesticar" Bolsonaro em nome de suas pautas e interesses.

Sem contar que se beneficiou do fato de Lula, o candidato mais bem colocado nas pesquisas, ter sido retirado da disputa após ser condenado pelo juiz e futuro ministro da Justiça Sergio Moro – condenação que se mostrou enviesada e parcial a ponto de ter sido anulada pelo Supremo Tribunal Federal, neste ano, quando Inês já era morta.

O infortúnio da facada, contudo, permitiu a Bolsonaro ditar o próprio rumo e o ritmo da campanha de 2018 com o mais perfeito dos álibis.

Bolsonaro foi criticado por terceirizar gestão da crise na Bahia e tirar férias

O presidente trata a própria saúde com pouca transparência, o que ajuda a fomentar dúvidas a respeito de sua real condição clínica. Transparência não é postar fotos com roupa de hospital para ganhar cliques, mas garantir acesso à informação de interesse público. Indo na direção oposta, ele chegou a fazer uma guerra para mostrar o resultado de seus exames para covid-19 e decretar sigilo de 100 anos sobre sua carteira de vacinação para que ninguém saiba se foi ou não vacinado.

E isso não é à toa, mas parte da construção de uma narrativa.

A rapidez com a qual o bolsonarismo transformou a internação em um debate sobre o atentado ao presidente mostra como isso continuará sendo peça central da narrativa que adotará na campanha eleitoral deste ano. Vão vender a história de Jair Messias, um homem que ainda sofre as consequências de se dispor a trabalhar por seu povo – mesmo que ele tenha fugido do trabalho nos últimos três anos como o diabo foge da cruz.

O presidente mira, especialmente, o bolsonarismo-raiz – aqueles 15% da população que acreditam em absolutamente tudo o que ele diz. Esse grupo, que é capaz até de atender a um pedido de seu líder para ajudar em um golpe de Estado em 2022, precisa ser alimentado de tempos em tempos, principalmente quando Bolsonaro é alvo de críticas.

Para tanto, é fundamental tentar manter viva a conspiração de que Adélio Bispo (seu agressor, uma pessoa que as investigações da Polícia Federal provaram ter agido sozinho e ser mentalmente transtornado) é parte de um plano maquiavélico de partidos de esquerda para destruir Jair. Para tanto, o presidente vai torturar a PF até que ela grite o que ele deseja ouvir.

Não é a primeira, nem será a última vez que Bolsonaro usa sua condição de saúde para buscar empatia da população seguindo o padrão aprendido no atentado. Em julho do ano passado, por exemplo, passou dias soluçando sem parar. Ele realmente não estava bem, mas aproveitou a situação para abafar o impacto de denúncias de corrupção na compra de vacinas em seu governo publicizadas pela CPI da Covid. Expondo nas redes sociais a imagem de seu corpo em leito hospitalar e postando mensagens de caráter messiânico, apelou para a mesma estratégia de comunicação que adotou após o atentado de 2018.

Uma evidência de que essa estratégia já está funcionando em 2022 é a quantidade de postagens atacando quem critica o fato de ele estar usando o seu quadro clínico para tirar vantagem política. Isso aumenta a polarização, o que mantém o presidente em evidência e o beneficia.

Um fato é o quadro de Bolsonaro, que é mais sensível devido às cirurgias abdominais pelas quais passou. Outro é o oportunismo para usar o caso e tentar virar o jogo político, transformando o limão em limonada.

Após receber duras críticas por terceirizar a gestão da crise no Sul da Bahia a seus ministros e tirar férias bancadas com recursos públicos enquanto o Brasil fazia campanhas para doação de mantimentos às vítimas, ele voltou ao hospital devido a um mal-estar. Aproveita o problema pessoal para fazer mais um refresco.

Show da Facada

Depois que se recuperou da facada, Bolsonaro foi orientado pelos médicos a mastigar 15 vezes cada porção de comida que pusesse na boca, a fazer duas caminhadas diárias de meia hora, e a não pilotar motos para evitar bruscas torções na região do estômago.

Fez nada disso, e tudo sugere que não fará. A seu ver, manter viva a memória da facada ainda poderá render-lhe muitos votos. Na pior das hipóteses, a estratégia o ajudará a preservar os que restam. Mas como impedir que a memória da facada acabe perdendo força?

Dois inquéritos da Polícia Federal concluíram que Adélio Bispo, o esfaqueador de Juiz de Fora, agiu sozinho e é um perturbado mental. Por isso, a Justiça absolveu-o do crime e mandou que fosse trancafiado em um manicômio. É assim que ele está.

Os advogados do presidente, porém, deram um jeito de reabrir o caso. O delegado da Polícia Federal até então encarregado dos dois inquéritos foi promovido e despachado para o exterior. Outro delegado foi nomeado para comandar o novo inquérito.

Agora, o alvo serão os advogados de Adélio. Quer-se apurar se eles se ofereceram espontaneamente para defendê-lo, como dizem, ou se foram acionados por alguém – e quem foi? E se esse alguém é ligado a partidos ou a organizações de esquerda.

“Não está difícil desvendar esse caso”, garantiu Bolsonaro na saída do hospital. “Vai chegar em gente importante, com toda certeza. Não foi da cabeça dele que [Adélio] fez aquilo. Não há dúvida da tentativa de homicídio.”


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