25/04/2024 - Edição 540

Poder

O calvário de Sergio Moro como candidato está mal começando

Publicado em 07/01/2022 12:00 -

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Façam suas apostas, senhores. Quanto tempo mais de recepções hostis suportará o ex-juiz Sergio Moro em sua nova carreira de político à caça de votos para se eleger?

Faz parte do jogo ser xingado e aplaudido. Mas Moro nunca jogou na defensiva. Sob a toga, acostumou-se aos aplausos e a ser tratado como o herói número 1 do combate à corrupção.

Quis o destino… Ou melhor: ele mesmo quis estrear na política logo no momento em que dois dos seus concorrentes, os mais fortes, devotam-lhe um ódio que não conseguem esconder.

De um lado, Lula, que ficou 581 dias preso por obra e graça de Moro; do outro, Bolsonaro, que o forçou a pedir demissão quando ministro da Justiça e agora o chama de traidor.

Onde quer que vá, portanto, eleitores de Lula e de Bolsonaro o repelem. Aconteceu ontem (6) quando ele desembarcou na Paraíba em sua primeira viagem ao Nordeste como candidato.

Quem o insultou no aeroporto? Quem o chamou de juiz parcial e de traíra? Essa é fácil. Eleitor de Lula chamou-o de juiz parcial, eleitor de Bolsonaro, de traíra.

Moro tira votos de Bolsonaro, de Lula não. Bolsonaro não se envergonha de passar recibo por isso. Voltou a passá-lo em entrevista a um canal de televisão do Nordeste.

Ao lembrar das mensagens trocadas por Moro com procuradores da Lava Jato que levaram o Supremo Tribunal Federal a anular as condenações de Lula, Bolsonaro tascou:

“Quando estourou isso, todo mundo queria a cabeça dele. Peguei ele pelo braço e entrei quase que de mão dada em uma formatura da Marinha. Fui num jogo do Flamengo com ele do meu lado.”

“O que ele queria era um ministério para trabalhar para ele. O propósito de poder dele já estava definido bem lá atrás. Ele enganou enquanto pôde.”

O Nordeste é a região que mais resiste à penetração de Moro. Em fevereiro, ele visitará mais três estados. Espera fazê-lo tendo crescido mais alguns pontos nas pesquisas de intenção de voto.

Para atacar Bolsonaro, Moro acabou se autoincriminando?

Deu na "Folha" dia destes: "Moro diz que Lava Jato combateu PT, mas recua _ Ex-ministro de Bolsonaro foi declarado parcial pelo STF em suas ações como juiz federal contra o ex-presidente Lula".

Com discurso de candidato de oposição que disputa uma vaga com Bolsonaro no segundo turno, o ex-juiz Sergio Moro partiu para o ataque contra o presidente em entrevista à rádio Capital FM, de Mato Grosso:

"Como é que a gente pode defender um governo desse? Com pessoas na fila dos ossos, um governo que foi negligente com as vacinas, um governo que desmantelou o combate à corrupção. Tudo isso por medo do quê? Do PT. Não".

E quando engatou uma segunda, querendo se vangloriar, Sergio Moro acabou falando o que todo mundo já sabia, mas pela primeira vez ele acabou confessando um possível crime contra o PT no processo de Lula.

"Tem gente que combateu o PT na história de uma maneira mais efetiva, muito mais eficaz. A Lava Jato".

Como assim? Quer dizer que o que movia o ex-juiz não era o combate à corrupção, mas o combate a um partido político?

Quem comandava a Lava Jato era ele, dando ordens aos procuradores e policiais federais como revelou o site The Intercept Brasil em matérias publicadas também por outros veículos de imprensa.

É papel de um juiz combater, perseguir, destruir uma pessoa ou uma instituição? Ou ele deve se ater aos autos de um processo, ouvindo acusação e defesa, para depois julgar com imparcialidade de acordo com as provas obtidas?

Ao perceber que avançou o sinal da sua autossuficiência e arrogância, Moro tentou recuar, mas já era tarde.

"A Lava Jato apenas descobriu os esquemas de corrupção e mostrou o que o PT verdadeiramente é".

Ficou pior a emenda do que o soneto. Revelou apenas o seu ódio ao PT em julgamentos parciais e seletivos, como o Supremo Tribunal Federal reconheceu ao anular os processos contra Lula.

"Moro escancara sua parcialidade e confessa que Lava Jato foi pra combater o PT. O projeto político sempre esteve claro, a toga foi só um trampolim. Ajudou a eleger um traste e a destruir o país e agora se apresenta como a solução. Juiz corrupto e cara de pau!", reagiu a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Se a Lava Jato se propunha a investigar todos os partidos políticos e suas relações com empreiteiras, por que só o PT precisava ser mostrado como é? Quem lhe deu esta tarefa que não consta do Código Penal?

Empolgado com a própria voz, o ex-juiz foi adiante em sua cantilena contra Bolsonaro, o presidente que ele ajudou a eleger e de quem depois virou seu ministro da Justiça, até o rumoroso rompimento entre os dois que ainda está sendo investigado pela Justiça.

Ao ser promovido a "herói nacional" pela mídia, no auge da Operação Lava Jato, onde assumiu plenos poderes para investigar, acusar e condenar os réus a seu livre talante, o juiz federal de primeira instância sonhou alto: para ele, o Ministério da Justiça era apenas o primeiro passo para chegar ao Supremo Tribunal Federal, como o próprio ex-aliado Bolsonaro revelou.

Defenestrado do governo, foi ganhar a vida nos Estados Unidos ao virar sócio de empresa multinacional que trabalha para a Odebrecht, uma das empresas que ele quase levou à falência, entrando por uma porta giratória que está sendo investigada pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União, que querem ver os contratos e os valores envolvidos no negócio.

Em 2018, o seu alvo era Lula, o candidato favorito nas pesquisas, que ele tirou da disputa eleitoral e mandou para a prisão. Agora, é Bolsonaro, a quem serviu quase dois anos sem notar nada de anormal no chefe.

Dirigindo-se aos eleitores, ele faz perguntas: "Agora vai apoiar o presidente atual pra quê? Por quê? Qual que é o motivo? Se é uma questão meramente política? O objetivo é ganhar eleições? Eu acho que tem que ser para servir e proteger a população brasileira, e o nosso projeto vai nessa linha".

Que "nosso projeto" é esse? Parece o Wanderley Luxemburgo falando. Até agora, Moro só disse que pretende criar um tribunal de exceção para julgar crimes de corrupção e montar uma força-tarefa para combater a miséria e a fome. Deve achar que o país é como um tribunal em que só ele manda e os outros obedecem, sua palavra é lei, não existem os outros Poderes.

Bolsonaro também achava isso e quebrou a cara. Ainda com pouco traquejo nas artes da política e da demagogia, o novato candidato se enrolou durante uma entrevista amistosa. Como será quando começarem os debates entre os candidatos?

De algoz implacável dos políticos em geral e do PT em particular, rapidamente ele resolveu assumir o papel de vítima, após as primeiras críticas que está recebendo da imprensa.

"Todo dia agora criam uma fake news contra mim", queixou-se, inconformado com reportagens sobre o senador Álvaro Dias, seu padrinho político, que recebeu doações do contrabandista e doleiro Alberto Youssef, o primeiro delator da Lava Jato _ sempre ele… _ para uma campanha eleitoral em 1998.

Moro alega que "ninguém sabia quem era Alberto Yousseff na época", embora ele já tivesse sido preso por contrabando. "Eu nem conhecia o senador Álvaro Dias", que já tinha sido governador do Paraná, acrescenta.

Em política, coincidências sempre são difíceis de explicar. Mas é bom já ir se acostumando. A campanha ainda nem começou.


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