08/05/2024 - Edição 540

Poder

Cidades campeãs de verbas secretas são ligadas a líderes do Congresso

Publicado em 17/12/2021 12:00 -

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Falta quase tudo em Mombaça, no sertão cearense. Com uma economia baseada na agricultura familiar, o município do semiárido enfrenta problemas de infraestrutura e de abastecimento de água. Mas não precisava ser assim: Mombaça está a apenas 79 km de Tauá, uma das campeãs nacionais das emendas de relator (código RP-9), verbas que estão na base do esquema do orçamento secreto revelado pelo Estadão. A União já empenhou R$ 151,4 milhões dessas verbas para Tauá, mas só R$ 2,9 milhões para Mombaça. É como se o governo destinasse R$ 2.606,14 para cada morador de Tauá, mas apenas R$ 67,12 para os vizinhos.

Ao contrário do que disseram líderes do Congresso ao Supremo Tribunal Federal (STF), a distribuição do orçamento secreto não prioriza serviços essenciais, mas a conveniência política de alguns parlamentares. Cidades que são base eleitoral de aliados do Palácio do Planalto ou de parlamentares em posições influentes no Congresso recebem centenas de milhões de reais, enquanto municípios próximos ou vizinhos ficam à míngua. Juntas, as três cidades campeãs em verbas do orçamento secreto que não são capitais estaduais receberam empenhos nominais de pouco mais de R$ 493,8 milhões em 2020 e 2021. É mais que os 1.940 municípios da base da pirâmide, somados.

As cidades que não são capitais mais beneficiadas pelas emendas até agora são Petrolina (PE), R$ 195,6 milhões; Tauá (CE), R$ 151,5 milhões, e Santana (AP), R$ 146,6 milhões. Em comum, todas têm em suas proximidades lugares que receberam pouco ou mesmo nada das emendas de relator. São ainda redutos eleitorais do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE); do relator-geral do orçamento de 2020, Domingos Neto (PSD-CE); e do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O princípio da igualdade, essência da Constituição, não é levado em conta na distribuição dos repasses.

A partir de terça-feira, o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar decisão da ministra Rosa Weber que decidiu liberar os repasses do orçamento secreto. Ela aceitou a versão dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de que a suspensão dos recursos, que tinha sido aprovada por 8 a 2 pelo plenário em novembro, era um “potencial” risco aos serviços de Saúde e Educação. Não há garantia alguma de que esse dinheiro vá para áreas essenciais. A distribuição das emendas não atende critérios técnicos, muito pelo contrário.

Ao liberar os repasses no dia 6, Rosa Weber citou dados levantados a pedido da cúpula do Congresso ao afirmar que as emendas de relator beneficiaram 86,9% dos municípios brasileiros – o que, para a ministra, seria suficiente para demonstrar o “equilíbrio” na distribuição das verbas. Não é bem assim. Na verdade, dos 5.570 municípios, mais da metade (2.564) receberam valores irrisórios, de menos de R$ 1 milhão. Juntos, esses 2,5 mil municípios da parte de baixo da tabela tiveram pouco mais de R$ 1 bilhão empenhados – os demais municípios ficaram com os R$ 29 bilhões restantes.

Mombaça e Tauá diferem no recebimento das verbas, mas têm condições econômicas e sociais parecidas. Mombaça, de 43 mil habitantes, e Tauá, de 58 mil, têm Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio, uma com 0,604 e a outra com 0,633. Pouco mais da metade da população dos dois municípios ganha até meio salário mínimo.

O prefeito de Mombaça, Orlando Filho (MDB), trabalha para desenvolver as cadeias produtivas do gado leiteiro e do mel. Ele diz que o trabalho poderia ser mais efetivo com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Regional e do Ministério da Agricultura. “Eu não gosto muito de falar de problemas e de dificuldades, porque aqui tem todas, tá entendendo? Tem falta de dinheiro, o povo é carente, a gente faz da tripa o coração para conseguir entregar a melhor estrutura para os produtores (rurais)”, disse. “Mas, obviamente, se tivesse uma máquina perfuratriz, por exemplo, ajudaria a solucionar o problema de falta de água.”

Na política local do Sertão dos Inhamuns, onde estão Tauá e Mombaça, Orlando Filho faz parte do grupo político oposto ao do relator do Orçamento de 2020, o deputado federal Domingos Neto (PSD-CE). Além de ser a terra natal do relator, Tauá é governada pela mãe dele, Patrícia Aguiar (PSD). “Os problemas são todos os imagináveis. Temos que usar a inteligência para tentar superar um por um”, diz Orlando Filho. Dos R$ 2,9 milhões recebidos por Mombaça até agora, a maior parte (R$ 2,5 milhões) foi para a Saúde.

Outros políticos com votos na região também reclamam de não conseguir resolver problemas em suas bases sem usar as emendas de relator. “No ano passado, os moradores de Canindé (CE) estavam reclamando de falta de água. Fui falar com o (então) presidente da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), o (coronel) Geovanne (Gomes da Silva). E ele me disse que não tinha como. Não tinha verba. E sugeriu que eu procurasse o relator-geral, Domingos Netto, que tinha R$ 100 milhões para obras”, diz o deputado Danilo Forte (PSDB-CE).

Em Catarina (CE), a apenas 48 km da cidade de Patrícia Aguiar e Domingos Neto, as emendas RP-9 levaram R$ 562 mil desde 2020, cerca de 262 vezes menos do que em Tauá. É como se cada morador de Catarina recebesse R$ 29,99 da União, ante R$ 2,6 mil de Tauá. O município de 18 mil habitantes também tem indicadores econômicos e sociais piores que Mombaça, com um IDH de 0.580, considerado baixo. Casos como este não seguem a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): no art. 86, ela determina que as transferências levem em conta os “indicadores socioeconômicos da população beneficiada”.

O topo do ranking de cidades com mais verba do RP-9 é de Petrolina (PE). A cidade é a terra natal e base política do senador Fernando Bezerra Coelho e tem por prefeito o filho dele, Miguel Coelho. Entre outras melhorias, o dinheiro do RP-9 foi usado na cidade para reformar o Centro de Convenções Nilo Coelho — o nome homenageia a memória do tio do líder governista, que governou Pernambuco de 1967 a 1971. Vizinhas a Petrolina, estão cidades bem menos afortunadas em termos de recursos da RP-9, como Afrânio (PE), com apenas 3,1 milhões empenhados; e Casa Nova (R$ 2,7 milhões).

Fecha a lista dos municípios com mais verbas das emendas de relator a cidades de Santana (AP), com R$ 146,6 milhões empenhados em 2020 e 2021, respectivamente. O município é parte da zona metropolitana de Macapá (AP), reduto político do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP), um dos congressistas que mais indicou verbas do orçamento secreto — em Macapá, os empenhos somam R$ 330,5 milhões, colocando-a à frente de outras capitais bem mais populosas, como Porto Alegre (RS) e Curitiba (PR).

Se o levantamento levasse em conta somente o ano de 2021, a cidade de Arapiraca (AL) também ficaria entre as campeãs, com R$ 69,9 milhões empenhados. A cidade é reduto eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).

Do outro lado do mapa do Brasil, Pouso Alegre (MG), de 154 mil habitantes e IDH alto, de 0774, aparece nominalmente como a cidade brasileira com mais recursos empenhados (isto é, reservados) das emendas de relator, excetuando as capitais de Estados. A cidade aparece como destinatária de empenhos na ordem de R$ 237,2 milhões, o que a colocaria no topo da lista das campeãs do RP-9. Na verdade, porém, a cidade não ficou com este volume de recursos. Ao menos R$ 132 milhões foram empenhados pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) foram para a compra de maquinário em uma empresa sediada na cidade, a XCMG, e acabaram lançados nas notas de empenho como sendo executados na cidade mineira. 

“No âmbito da Codevasf, os valores associados ao município de Pouso Alegre guardam relação com contratos firmados pela Companhia com empresa fabricante de máquinas (como motoniveladoras e pás-carregadeiras), sediada nesse município, para fornecimento de bens que são empregados em projetos e ações de desenvolvimento regional de diferentes unidades da federação”, disse a Codevasf, em nota. 

Mesmo excetuando as compras da estatal, a cidade de Pouso Alegre ainda figura em notas de empenho que somam R$ 105,1 milhões. É muito mais que a cidade vizinha de Poços de Caldas (MG), com apenas R$ 1,5 milhão. Como não transparência sobre qual político indicou o quê, não é possível saber quem destinou recursos para as duas cidades.

Um dos principais defensores da continuidade do orçamento secreto é o presidente do Senado. Ele é aliado do prefeito de Pouso Alegre, Rafael Simões (DEM), e esteve na cidade no dia 19 de novembro para o lançamento da pedra fundamental do novo hospital oncológico, que terá mais de 11 mil metros quadrados de área construída e 100 novos leitos – embora a obra ainda não tenha recebido recursos das emendas de relator. 

Ao Estadão, Pacheco negou ter direcionado verbas das emendas de relator para Pouso Alegre. “Eu sempre cuidei de ter proporção nisso (destinação das emendas). Como Minas são 853 municípios, eu tenho essa preocupação de não gerar distorções”, disse ele. “Aliás, a minha terra mesmo, que é Passos (MG), nunca foi privilegiada em relação a outros municípios”, disse o presidente do Senado. 

A reportagem procurou Domingos Neto, Davi Alcolumbre e Fernando Bezerra Coelho para comentários, mas não obteve resposta de nenhum dos parlamentares citados até a publicação desta reportagem.

Economista e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco explica que a concentração de recursos em poucas cidades se deve ao excesso de programações genéricas no Orçamento – isto é, quando a Lei Orçamentária não destina as verbas para um local específico, deixando que isso seja feito apenas na hora do empenho do dinheiro. “O orçamento é aprovado com programações genéricas e, depois, isso passa a ser disputado para saber quem serão aqueles que farão as indicações”, diz Castello Branco.

O problema já ocorria quando as verbas discricionárias (que podem ser usadas livremente) estavam sob poder do Executivo, mas se agravou com as emendas de relator. “O que acontece? Você distorce as políticas públicas ao liberar desse modo uma verba bilionária. O dinheiro passa a ser destinado com critérios meramente políticos, pessoais ou partidários.” A solução do problema, segundo ele, é minimizar a quantidade de “programações genéricas”. “A LDO já postula assim, mas isso tem sido letra morta, pois não há nenhum interesse do Legislativo nem do Executivo para que seja diferente.” 

Até o dia 5 de novembro, quando uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão dos pagamentos das emendas de relator, posteriormente revista por uma liminar concedida pela ministra Rosa Weber, o Executivo federal tinha empenhado R$ 30,7 bilhões na rubrica, nos Orçamentos de 2020 e 2021, dos quais R$ 12,1 bilhões já haviam sido pagos. Outros R$ 3,6 bilhões em restos a pagar, do exercício de 2020, também já tinham sido quitados.

Debate importante

O uso que os parlamentares brasileiros fazem de verbas públicas voltou a despertar a atenção quase duas décadas depois de um dos mais emblemáticos casos de corrupção política do país, a CPI dos Anões do Orçamento, em 1993. Naquela ocasião, ainda no início do processo de redemocratização, descobriu-se que deputados desviavam dinheiro para obras superfaturadas por meio das chamadas emendas parlamentares.

Hoje, a falta de transparência em relação ao uso de emendas, num orçamento cada vez mais ínfimo para os investimentos e políticas públicas bem planejadas, volta a gerar desconforto e será objeto de análise do Supremo Tribunal Federal (STF). Diferentemente da década de 90, o que suscita dúvidas, agora, são as chamadas emendas de relator, o que passou a ser chamado de orçamento secreto pela imprensa brasileira.

As maneiras encontradas pelos parlamentares para ter o controle de fatia relevante das verbas federais e beneficiar redutos e projetos eleitorais próprios mudaram ao longo do tempo, mas alguns questionamentos centrais permanecem: a que e a quem serve o orçamento e como a pulverização de recursos da União fragiliza a construção de projetos de real interesse público? Além disso, o que está por trás deste debate é a forma como o Executivo destina verbas para cooptar sua base aliada no Congresso.

Joia da coroa para parlamentares

Para entender por que as emendas de relator se tornaram a joia da coroa para deputados e senadores é preciso resgatar mudanças na Constituição que foram feitas pelo Congresso nos últimos anos.

"Sempre existiu emenda de relator-geral do orçamento. O que acontece é que, de uns tempos pra cá, elas ganharam importância. A questão é que essa forma de emendar o orçamento é pouco transparente", afirma o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) e especialista em finanças públicas.   

"A Constituição, no seu artigo 166, que trata do orçamento, diz que as emendas podem ser feitas com a anulação de uma despesa – então você anula uma despesa e pode colocar outra no lugar­ – ou corrigindo erros ou omissões. O problema é que essa questão de erros e omissões é muito abrangente desde a forma como vem sendo interpretada desde 1989, que foi o primeiro orçamento realizado depois da promulgação da Constituição", explicou à DW Brasil.

Assim como Salto, a economista Mariana Almeida, professora de planejamento e orçamento público do Insper, frisa que "o ciclo orçamentário, desde a Constituição, tem uma etapa que passa pelo relator". "Na Comissão Mista de Orçamento do Congresso já temos o relator. A Constituição dá ao relator o direito de revisão do orçamento proposto pelo Executivo", complementa a professora.

Segundo ela, quando começaram a surgir reportagens sobre como a base do presidente Jair Bolsonaro no Congresso estava se beneficiando com verbas orçamentárias por meio de emendas de relator sem a devida transparência – a primeira delas publicada no jornal O Estado de S.Paulo –, houve até uma dificuldade inicial de especialistas em compreender o que de fato estava ocorrendo na prática, uma vez que tais emendas são lícitas e legais.

"Essa ideia de orçamento secreto ganhou força por conta do perfil do atual governo, pela desorganização do processo orçamentário em geral e por um conjunto de normas não seguidas", enfatiza Almeida. A professora afirma que o Brasil tem evitado, há décadas, fazer um debate profundo sobre as emendas parlamentares e sobre qual é o papel do Legislativo na definição orçamentária.

"Na minha opinião não deveria haver emenda nenhuma, nem impositiva. O Legislativo poderia revisitar o orçamento num processo de debate, discussão e ajuste, mas num acordo com o Executivo. Essa ideia de que o parlamentar tem poder de escolha de um pedaço para ele, não cabe. Quem vai executar é o Executivo. Vejo isso tudo como um desvio anterior. Eles [os parlamentares] foram colocando emendas, e nós fomos aceitando, normalizando algo que não é normal. E as fatias de emendas têm crescido num orçamento super justo, onde já há pouco espaço para investimento. Um pedaço importante da verba pública brasileira está pulverizada sem visão estratégica para isso", afirma.

O diretor do IFI concorda. "No fim das contas, neste ano tem cerca de R$ 17 bilhões [de emendas de relator no orçamento]. Isso deveria ser gasto ou não? Como se dá a barganha entre o Executivo e o Legislativo, que é algo típico do processo de checks and balances entre os poderes? Essa discussão é importante e não pode ser deixada de lado", considera.

Executivo, Legislativo e Judiciário, sustenta Salto, precisam encontrar uma saída para o atual problema, pois, da forma como as emendas de relator estão sendo utilizadas, ou elas não são identificadas ou é bastante complexo identificar o destino e o uso deste dinheiro. "Seria importante se a gente encontrasse uma solução em direção a uma maior transparência."

De acordo com Salto, em 2016 o Congresso modificou a Constituição (Emenda 86) para tornar as emendas individuais (que cada parlamentar apresenta) impositivas, ou seja, quase que obrigatórias. Foi uma maneira que deputados e senadores encontraram para ter mais voz no destino do dinheiro, uma vez que o Executivo não era obrigado a pagar essas emendas e acabava contingenciando esses gastos.

"Isso foi uma resposta a uma demanda do próprio Legislativo que não queria ter incertezas. O Executivo só pode agora cortar emendas se ele cortar também as despesas discricionárias dele próprio. Foi um avanço no sentido de que você tornou as despesas parlamentares quase que obrigatórias", elucida o diretor do IFI.

Teto de gastos

Outro marco importante neste debate é o teto de gastos, que foi estabelecido também por outra mudança constitucional em 2016. O teto de gastos, explica Salto, deixou a estratégia do Congresso de sempre reestimar as previsões orçamentárias com os dias contados.

"De nada adiantaria você reestimar despesas, o tanto que você quisesse, porque [o Legislativo]  não iria poder fixar essas despesas se o teto estivesse sendo descumprido, a partir desta reestimativa."

Segundo o economista, em 2019 outra mudança constitucional foi editada (Emenda 100) e também fixou percentuais da receita corrente líquida para as emendas de bancada. Neste mesmo ano foi criado um novo classificador de despesas que é o RP9 (despesa primária discricionária, decorrente de emendas de relator-geral, excluídas as de ordem técnica, consideradas no cálculo do resultado primário).

"Antes de 2019 não tinha esse carimbo. Então nem dá para saber quanto foi gasto [de emenda de relator] em 2016, 2017, 2018. Mas de 2019 pra cá isso ganhou um volume muito expressivo, de tal forma que é um orçamento significativo, que tem vários problemas, porque são emendas genéricas e não identificadas."

Sem fazer juízo de valor sobre as emendas, Salto observa que algumas delas podem até ser positivas para políticas públicas, mas o grande problema é que não há controle. "E mais do que isso: há demandas que vêm do próprio Executivo, como aconteceu neste ano, em que uma parte das emendas de relator foi para atender o Ministério de Desenvolvimento Regional. Então veja: você tem ali uma espécie de orçamento paralelo em que se acaba gerando um prejuízo ao processo orçamentário como concebido na Constituição."

Pressão por transparência

Com a decisão do STF, em caráter liminar, de obrigar o Legislativo a ser transparente com as emendas de relator, especificando qual parlamentar solicita a verba e para onde ela é destinada, o Congresso foi obrigado a agir para dar uma resposta à decisão judicial. Foi aprovado um projeto de resolução, mas os parlamentares alegam que não há como identificar quem solicita a emenda ao relator.

"O que o Congresso fez agora com essa resolução é dizer o seguinte: vamos continuar fazendo da mesma forma que estávamos fazendo, só que agora a gente está pondo no papel", diz Salto.

No último dia 9 de dezembro, o Executivo editou um decreto presidencial determinando que é preciso explicitar as solicitações que justificam as emendas de relator. Porém, não há nenhuma obrigatoriedade para que o parlamentar que demanda a verba seja identificado, como havia pedido o Supremo. O STF vai julgar, nos próximos dias, o mérito do caso.

"Nós já temos um encontro marcado, em 2023, com uma nova discussão fiscal. Porque o que está sendo feito agora com o teto, o regime de precatórios, tudo isso vai produzir efeitos em 2022", avisa Salto. Para o economista, o que de fato mobiliza "corações e mentes" é quanto vai sobrar em 2022, um ano eleitoral, para o governo gastar, e quais serão esses gastos.

"Agora, o grande desafio é como conciliar a necessidade posta pelo próprio processo democrático de participação dos agentes políticos no orçamento com o outro lado da história, que é a responsabilidade fiscal, a transparência, a impessoalidade, que são princípios constitucionais importantes", enfatiza Salto.

Na opinião de Almeida, a decisão do Supremo não ataca o cerne do problema. "O relator do orçamento desviou a natureza do seu trabalho. O trabalho do relator de orçamento não é premiar um ou outro parlamentar, uma ou outra bancada. É um outro olhar que o relator deve ter. Essa disputa de entregar para cada um já estava nas individuais e de bancada. Mas aí o relator começou a mexer um monte na lógica de distribuição de recursos, e a gente não enxerga para onde vai. Virou um banco de negociações que subverte totalmente a função do relator", analisa a economista.

A professora não acha que haverá intenção do Congresso em rever essas questões antes da eleição presidencial de 2022. O que resta, por ora, é o acompanhamento da execução orçamentária, que cabe aos órgãos de controle, em especial ao Tribunal de Contas da União. Em paralelo, a sociedade civil deveria criar instrumentos para entender melhor essa confusa linguagem orçamentária, cheia de códigos e classificações.

"É um assunto em que propositalmente não se tem muito interesse que os outros se aproximem. Tem muita armadilha no debate orçamentário", ressalta a economista. "É preciso restringir o papel do relator, deixar isso claro. Mas é pouquíssimo provável que o Congresso faça esse debate."


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