26/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro agride nossa história para acudir Hang

Publicado em 17/12/2021 12:00 -

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Na hora do aperto, a tendência do ser humano é a de procurar a sua turma. Foi o que fez o dono da Havan, Luciano Hang, quando uma equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, interditou a construção de uma de suas lojas na cidade gaúcha de Rio Grande, em dezembro de 2019. Alegou-se que havia no local material de interesse arqueológico. O empresário tocou o telefone para o amigo presidente. E Bolsonaro reagiu à moda Bolsonaro.

"Ripei todo mundo" no Iphan, contou o capitão num encontro com empresários, na Fiesp. A plateia caiu na gargalhada. E aplaudiu. Os dicionários trazem muitos significados para o verbo ripar. Entre eles "espancar", "ofender", "humilhar", "aviltar". Foi exatamente o que fez Bolsonaro. Espancou a autoridade do Iphan. Ofendeu o interesse público. Aviltou os mais elementares princípios republicanos.

"O Iphan não dá mais dor de cabeça para a gente", disse Bolsonaro aos empresários, com o sentimento de dever cumprido. Voltando-se para o ministro Ciro Nogueira, da Casa Civil, o presidente piorou o soneto com uma emenda inusitada:

"Quando eu ripei o cara do Iphan o que teve… —me desculpa aqui prezado Ciro— o que teve de político querendo uma indicação não estava no gibi. Daí eu vi realmente o que pode fazer o Iphan, tem um poder de barganha extraordinário. Vocês sabem o que acontece!"

Bolsonaro insinuou que servidores do Iphan criam dificuldades para vender facilidades. A insinuação vira aleivosia quando chega desacompanhada de nomes e CPFs. Transforma-se em prevaricação quando o orador deixa de mencionar as providências que adotou para punir os funcionários indignos.

Deve-se lamentar, de resto, que Bolsonaro não tenha esboçado essa tipo de preocupação quando entregou o orçamento secreto, a Casa Civil, a Secretaria de Governo e vários cofres de segundo escalão ao centrão. Ou quando contraiu matrimônio com o partido do ex-preso do mensalão Valdemar Costa Neto.

O contrário do antibolsonarismo primário é um pro-bolsonarismo inocente, que aceita todas as presunções de Bolsonaro a seu próprio respeito. O capitão já afirmou certa vez: "Eu sou a Constituição". Alguém que diz algo assim imagina que é o próprio Estado.

Não é a hipocrisia do presidente patriota que espanta. O que assusta mesmo é a sensação de que Bolsonaro não está sendo cínico. Ele acredita mesmo que a sua missão especial no mundo da Terra plana lhe dá o direito de tratar a coisa pública como se fosse coisa sua. Ou dos seus amigos. Ou dos seus filhos.

MPF pede afastamento de presidenta do Iphan

O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, pediu à Justiça o afastamento imediato – em caráter liminar – da presidenta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Larissa Rodrigues Peixoto Dutra.

A solicitação do MPF-RJ ocorre um dia depois da fala de Bolsonaro.

Segundo o MPF, não há dúvida razoável sobre o desvio de finalidade na nomeação e na posse da atual presidenta do Iphan.

“No caso em julgamento, sequer buscaram os agentes do ato ocultar a verdadeira motivação na nomeação e posse da ré Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, qual seja, a de ‘não dar mais dor de cabeça’ para o Presidente da República e seu círculo de ‘pessoas conhecidas’”, avalia o órgão.

O caso tramitará na 28ª Vara Cível da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

Mendonça vai analisar ação contra Bolsonaro por falas sobre Hang e Iphan

Recém-empossado no STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro André Mendonça assumiu a relatoria de uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro (PL). Apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o documento pede que Bolsonaro seja investigado por prevaricação e advocacia administrativa, devido ao caso Iphan.

Como o ano de atividades do Judiciário se encerra hoje (17), o novo ministro do STF só deverá tomar decisão sobre a questão a partir de fevereiro de 2022. Mendonça, que entra no lugar do ex-ministro Marco Aurélio Mello, assumiu a relatoria de cerca de mil processos que estavam com o antigo decano.

Na notícia-crime, Randolfe argumentou que a fala de Bolsonaro foi uma "demonstração patrimonialista do Presidente, que parece não ver qualquer diferença entre seus interesses pessoais —beneficiar seus amigos empresários— e o interesse público dos brasileiros". O crime de prevaricação, segundo Randolfe, se tornou "um hobby" do chefe do Executivo.

"Há uma série de irregularidades aparentes no bojo desse cenário da troca no comando do Iphan, praticadas sobretudo pelo mandatário máximo da República, que não pode ficar impune. Aliás, parece que é justamente por estar quase certo dessa impunidade, que o Presidente alardeia a prática de atos irregulares", afirma Randolfe.

Na ação, o senador também cita a reunião ministerial ocorrida em abril de 2020 que foi filmada e divulgada pelos veículos de imprensa. Na ocasião, o presidente havia criticado a atuação do Iphan, dizendo que o órgão "para qualquer obra no Brasil".


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