28/03/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro quer vingança por Anvisa liberar vacina para proteger crianças

Publicado em 17/12/2021 12:00 -

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Chegou a notícia que muitos pais e mães, pelo menos os responsáveis, esperavam ansiosamente: a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) liberou, na quinta (16), a vacina da Pfizer contra a covid-19 para crianças de cinco a 11 anos. Quem não gostou nada foi Jair Bolsonaro, que defende a liberdade do coronavírus no Brasil.

Tanto que prometeu, em live, divulgar a seus apoiadores os nomes dos diretores da agência que participaram da liberação do imunizante. Isso não é uma ação de transparência, mas uma intimidação visando ao assédio e à violência. Vale lembrar que a Anvisa recebeu ameaças de morte de pessoas contrárias à vacinação de crianças enquanto analisava os dados da Pfizer.

"Eu pedi, extraoficialmente, o nome das pessoas que aprovaram a vacina para crianças a partir de cinco anos, queremos divulgar o nome dessas pessoas para que todo mundo tome conhecimento quem são essas pessoas e obviamente forme seu juízo", afirmou Jair. Forme o seu juízo de quê? De como atacá-las?

Isso é vingança contra a Anvisa, que cumpriu o seu papel de colocar a ciência e a saúde pública acima dos desejos do presidente da República. Para uma pessoa insegura e autoritária como Bolsonaro, deve ter ficado um gosto amargo na boca ao constatar, mais uma vez, que sua vontade nem sempre é lei no governo federal. O que nos lembrar que, apesar dos sequestros de instituições por Jair, algumas ainda funcionam.

Apesar de permanecerem assintomáticas ou desenvolverem versões mais brandas da covid-19, crianças não são imunes e serão protegidas pela vacina. Mais do que isso: vão ajudar a reduzir a transmissão do vírus uma vez que os imunizantes reduzem a chance de transmitir a doença.

O presidente, para excitar sua base, tanto os terraplanistas biológicos quanto aqueles que defendem a liberdade de contaminar e ser contaminado, tem defendido o direito a não se imunizar como se esse absurdo fosse uma defesa da dignidade humana. A saúde pública? Dane-se.

Está sendo assim com as crianças da mesma forma que foi com os adolescentes.

Em setembro, o Dr. Jair Bolsonaro, especialista em imunologia pela Universidade do WhatsApp, já havia pressionado o ministro da Saúde a interromper a vacinação de jovens entre 12 e 18 anos. Como demonstra mais amor pelo cargo do que pela medicina, Marcelo Queiroga o atendeu. O STF, contudo, garantiu que ela continuasse.

Bolsonaro baseou sua posição sobre a suspensão da vacinação de adolescentes em declarações sobre efeitos colaterais que circulam nas redes sociais dos seus apoiadores que defendem remédios contra vermes e ozônio no reto para tratar a covid-19. Já Queiroga citou a morte de um jovem em São Paulo, mesmo sem saber a causa do óbito, disseminando um receio desnecessário e irresponsável.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) não contraindica vacinas em adolescentes, ao contrário do que chegou a dizer Bolsonaro, apenas não recomenda como prioridade por outro motivo. Ela defende que antes de vacinar grupos menos vulneráveis, o imunizante chegue a quem mais precise, dentro e fora dos países. Especialistas apontam que os riscos de não vacinar os mais jovens é maior do que os efeitos colaterais.

As pesquisas de intenção de voto tanto do Ipec (ex-Ibope) quanto do Datafolha confirmam que o presidente, apesar de estar distante de Lula, segue com uma base sólida na casa dos vinte e poucos por cento. Não é muito, mas talvez seja o suficiente para levá-lo ao segundo turno.

Esse grupo envolve os seus seguidores mais fiéis e os sócios de sua gestão, grupo para quem governou e com quem se comunicou nos últimos três anos. É esse grupo que ele atende com comportamentos negacionistas como atacar a imunização de crianças, rifando a saúde de um povo em nome de sua reeleição.

Em tempo: na live desta quinta, ele voltou a dizer que a vacina é experimental, o que não é verdade. Experimental é seu governo.

Organizou-se em Brasília um complô antivacina

Armou-se uma conspiração antivacina no circuito Alvorada-Supremo-Saúde. No palácio residencial, Bolsonaro, o chefão do conluio antissanitário, usou a sua live semanal para questionar a aprovação da vacina infantil pela Anvisa. Na Suprema Corte, Nunes Marques, o ministro que Bolsonaro define como "10% de mim dentro do Supremo", forçou a suspensão do julgamento sobre a obrigatoriedade do comprovante de vacina para viajantes. No Ministério da Saúde, Marcelo Queiroga, um cardiologista que prefere perder a vida do que a liberdade, demora a recolocar no ar o Conecte-seSUS, aplicativo que guarda os comprovantes de vacinação.

Em sua live de quinta-feira, Bolsonaro fundou um movimento muito parecido com o McCarthismo, organizado nos Estados Unidos para caçar comunistas. Bolsonaro disse ter requisitado à Anvisa os nomes dos diretores e dos técnicos que liberaram a vacina para crianças. Anunciou a intenção de divulgar a lista. É como se desejasse oferecer aos seus devotos a oportunidade de perseguir as bruxas vermelhas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

No Supremo, Nunes Marques pediu que fosse transferido do plenário virtual para o presencial o julgamento da decisão liminar do colega Luís Roberto Barroso que condicionou a entrada de estrangeiros no Brasil à apresentação de comprovante de vacina. Fez isso quando o placar estava em nove a zero. Seu pedido teve uma única serventia: adiar para 2022 a proclamação do resultado. Mais cedo, o ministro Queiroga havia condicionado a edição da portaria com as novas regras à publicação da íntegra da decisão do Supremo.

O mesmo Queiroga trata a golpes de barriga o restabelecimento do aplicativo ConecteSUS, que emite o certificado digital de vacinação dos brasileiros. Faz uma semana que o serviço foi retirado do ar por um ataque hacker. Quem entra no aplicativo nesta sexta-feira é informado de que precisa aguardar "até 10 dias úteis para que seu registro de vacina apareça."

Sumiu também a preocupação do governo com a transparência. Não há informação sobre a investigação que deveria identificar os hackers. Os responsáveis pelo circo desconsidera o fato de que mais de 90% dos brasileiros, responsáveis pelo financiamento da bilheteria, valorizam a vacina.

Associação de servidores da Anvisa repudia intimidação e vê 'método abertamente fascista'

A associação de servidores da Anvisa (Univisa) repudiou nesta sexta-feira (17) as intimidações do presidente Jair Bolsonaro ao corpo técnico do órgão.

Segundo apuração da jornalista Andréia Sadi (G1), houve um “impacto muito forte no moral” dos servidores que, até aqui, vinham trabalhando contra a pandemia com segurança, apesar do esforço contrário do presidente Bolsonaro, mas cientes de que estavam fazendo um trabalho técnico.

Em nota divulgada nas redes sociais, a Univisa diz que "repudia qualquer ameaça proferida contra o corpo técnico da Anvisa, bem como a quaisquer tentativas de intervenção sobre o posicionamento da autoridade sanitária que não advenham do debate estritamente científico e democrático. Além disso, a Associação se solidariza com aquelas e aqueles que, extenuados pela carga de trabalho imposta pela pandemia, veem-se ainda perturbados e constrangidos por ameaças".

Leia a íntegra:

Diante da aprovação do uso da vacina Comirnaty (Pfizer) para imunização contra Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos de idade, a Univisa vem a público para, mais uma vez, reconhecer o trabalho técnico e incansável realizado pelo corpo de servidores da agência. Ressalte-se a celeridade na tramitação e o rigor técnico da análise que, além dos especialistas em regulação e vigilância sanitária da Anvisa, contou com a participação especialistas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Recentemente, com os rumores de possível decisão nesse teor, diretores e servidores da Anvisa sofreram ameaças. Tendo como pano de fundo um discurso negacionista e anticientífico – antagônico à boa técnica e às boas práticas regulatórias – servidores públicos foram ameaçados pelo regular exercício do seu dever funcional. Algo extremamente incompatível com o regime democrático e que deveria inspirar a máxima atenção das autoridades competentes.

Nesse contexto, a intenção de se divulgar a identidade dos envolvidos na análise técnica não traz consigo qualquer interesse republicano. Antes, mostra-se como ameaça de retaliação que, não encontrando meios institucionais para fazê-lo, vale-se da incitação ao cidadão, método abertamente fascista e cujos resultados podem ser trágicos e violentos, colocando em risco a vida e a integridade física de servidores da Agência. Uma atitude que demonstra desprezo pelos princípios constitucionais da Administração Pública, pelas decisões técnicas da agência e pela vida dos seus servidores.

A Univisa repudia qualquer ameaça proferida contra o corpo técnico da Anvisa, bem como a quaisquer tentativas de intervenção sobre o posicionamento da autoridade sanitária que não advenham do debate estritamente científico e democrático. Além disso, a Associação se solidariza com aquelas e aqueles que, extenuados pela carga de trabalho imposta pela pandemia, veem-se ainda perturbados e constrangidos por ameaças.

Fato que se torna mais grave quando parte de autoridades que possuem o dever de zelar pela paz, pela saúde pública e pelo cumprimento das decisões da Administração.


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