25/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro rasga a fantasia

Publicado em 03/12/2021 12:00 -

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O presidente Jair Bolsonaro oficializou sua filiação ao PL, legenda que compõe o Centrão e é presidida pelo notório ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado pelo Supremo a 7 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito do escândalo do mensalão. Em discurso após o ato que selou seu ingresso no partido comandado por um corrupto condenado, Bolsonaro afirmou estar “em casa”. De fato, havia muitas razões para o presidente se sentir bem acolhido.

Com a filiação ao PL, Bolsonaro traiu de papel passado a confiança dos eleitores que acreditaram naquela espécie de cruzada “antipolítica”, “antissistema” ou outro engodo qualquer, que foi a tônica de sua campanha eleitoral em 2018. Foi justamente essa falácia moralizadora o que mais arrebanhou votos para Bolsonaro. Suas propostas de governo seguramente não foram, pois nunca existiram.

É compreensível, portanto, que muitos eleitores de Bolsonaro, quando confrontados com a real natureza indômita do “mito”, sintam cada vez mais o peso do arrependimento. As sondagens de intenção de voto e avaliação do governo realizadas por diferentes institutos de pesquisa revelam que a confiança no presidente da República e sua popularidade têm caído ao longo do mandato a níveis que, hoje, se aproximam do ponto de irreversibilidade, de acordo com estatísticos.

Ainda estão vivas na memória dos brasileiros as pesadas críticas que o então candidato Jair Bolsonaro fazia ao que chamou de “velha política”, um termo genérico que foi malandramente difundido durante a campanha presidencial passada para designar a associação entre atividade política e roubalheira, sendo o Centrão, no discurso de Bolsonaro e de seus apoiadores, a materialização desta liga do mal. Presente à cerimônia organizada pelo PL no dia 30 passado, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, estava tão à vontade que nem por um momento lembrou aquele Heleno que, há três anos, deixara sutilezas de lado ao associar o Centrão, que hoje manda no seu chefe e governa o País de facto, a um valhacouto de ladrões.

Outro que parece bastante confortável em torcer o idioma e as suas próprias balizas morais é o senador Flávio Bolsonaro, que seguiu o pai e também se filiou ao PL, a terceira legenda do parlamentar em apenas seis meses. “Ainda querem nos fazer crer que um ex-presidiário, preso por roubar o povo brasileiro, estará à frente (da campanha pela eleição presidencial)”, discursou o senador, sem corar a face por dizer o que disse ao lado de Valdemar Costa Neto, ele também um ex-presidiário.

Bolsonaro se filiou ao PL porque foi a legenda que aceitou recebê-lo – não de forma desinteressada, que fique claro. A rigor, o presidente poderia ter ingressado em qualquer outro partido, haja vista que consistência partidária nunca foi o seu forte. Ao longo de uma carreira política marcada pela passagem por nada menos que nove siglas, Bolsonaro sempre deixou claro que enxerga o ingresso em partidos políticos como mera formalidade legal para, de eleição em eleição, manter uma fonte de renda estável. Não vê os partidos como organizações da sociedade civil para a defesa de ideias e projetos de desenvolvimento do País. Para o presidente, tanto faz a sigla pela qual concorrerá à reeleição. Seu partido sempre foi e será o “Partido da Família Bolsonaro”.

Para o PL, o ingresso de Bolsonaro em seus quadros não determinará o futuro da legenda. Talvez o partido possa aumentar a sua base de parlamentares eleitos em 2022 e, com isso, o volume de recursos que recebe dos fundos partidário e eleitoral. O fato é que o PL continuará sendo o que sempre foi: um partido da situação, jamais da oposição. Seja qual for o resultado da eleição do ano que vem, uma coisa é certa: o PL não perderá. O partido estará na base do presidente eleito, seja quem for. Portanto, não hesitará em fazer campanha até para opositores de seu candidato oficial à reeleição, se isso for necessário para acomodar os interesses de Costa Neto, a grande estrela daquele festim de falsidades havido em Brasília.

Bolsonaro ganha verba e TV, mas perde discurso

A filiação de Bolsonaro ao PL abre para o presidente a perspectiva de compor uma coligação com outras duas legendas: PP e Republicanos. Com isso, Bolsonaro ganha em 2022 algo que não tinha em 2018: verba e tempo de propaganda na TV. Mas perde o discurso de candidato antissistema que o levou do baixo clero da Câmara para o Planalto. Disputará a reeleição como candidato do sistêmico centrão, tendo do seu lado o correligionário Valdemar Costa Neto, ex-preso do mensalão, e os aliados Ciro Nogueira e Arthur Lira, estrelas da fase do petrolão.

Confirmando-se a coligação, Bolsonaro terá algo como 2 minutos e 20 segundos de propaganda no rádio e na TV, afora as inserções de 30 segundos inseridas ao longo da programação das emissoras. Em 2018, ele dispunha de míseros oito segundos. Terá também acesso a uma caixa registradora estimada em pelo menos R$ 376 milhões, a soma dos recursos do fundo eleitoral dos seus aliados. O valor é 30 vezes superior aos R$ 12,8 milhões de que dispunham o PSL e o PRTB, partidos que compunham a aliança artesanal de 2018. A campanha do capitão recebeu R$ 500 mil das duas legendas.

Para se equiparar a Bolsonaro, Lula terá de coligar o seu PT ao PSB e ao PCdoB. Contaria, então, com praticamente o mesmo tempo de propaganda e uma cifra equivalente de fundo eleitoral. Recém-filiado ao Podemos, com apenas 27 segundos de propaganda, Sergio Moro passou a sonhar com o tempo de 1 minuto e 50 segundos do União Brasil, cruza do DEM com o PSL.

Bolsonaro atribui sua eleição de 2018 à indústria de empulhações montada pelo filho Carlos Bolsonaro nas redes sociais. Sua campanha foi vitaminada pela superexposição que obteve depois do episódio da facada. Cogitou filiar-se novamente a um partido nanico. Foi convencido de que precisa de uma vitrine eletrônica para expor as realizações do seu governo. O problema é que falta matéria-prima para o comercial.

Na sucessão passada, as siglas que agora sustentam Bolsonaro estavam na coligação do tucano Geraldo Alckmin. Campeão do horário eleitoral, com mais de cinco minutos de propaganda, Alckmin, hoje um quase ex-tucano saiu da campanha do tamanho de um filhote de pardal.


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