19/04/2024 - Edição 540

Brasil

Governo medíocre, PIB idem

Publicado em 03/12/2021 12:00 -

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Com a segunda queda trimestral consecutiva do PIB, o Brasil das planilhas de Excel finalmente se encontrou com o Brasil que disputa restos e ossos no tapa para alimentar os filhos. Esse segundo país sabe que estamos na lama há muito tempo, mas é difícil ouvir seus gritos quando escritórios com ar condicionado em Brasília ou na Faria Lima são hermeticamente fechados.

Após o IBGE divulgar, na quinta (2), a queda de 0,1% após outra queda de 0,4%, economistas discutiram longamente se entramos em recessão ou é "apenas" estagnação.

Do ponto de vista de uma das mulheres que corria atrás do caminhão de lixo em Fortaleza, isso importa menos do que se vai encontrar uma pelanca aproveitável. "O pão de cada dia quem me dá é o lixo. Todo dia, meus filhos e eu vamos para o lixo para comer." Sim, em termos de provimento social, o lixo é mais eficaz do que o Estado brasileiro para algumas pessoas.

Quando, há um ano, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional apontou que 19,1 milhões passavam fome em um universo de 116,8 milhões que não tiveram acesso pleno e permanente à comida, era o caso de parar tudo e focar nisso. O governo, pelo contrário, preferiu suspender o auxílio emergencial por 96 dias.

Naquele momento, parlamentares do centrão já avaliavam que Jair Bolsonaro precisaria do auxílio emergencial mais em 2022 do que neste ano a fim de viabilizar a sua reeleição. E é o que ele fez: deixou pessoas passarem fome com a interrupção do benefício em meio ao apogeu da pandemia, retomou com um valor que não comprava 25% da cesta básica em grandes cidades e agora se prepara para pagar, pelo menos, R$ 400 no ano eleitoral.

Sem um projeto para a geração de empregos de qualidade, o governo federal festeja uma queda na taxa de desemprego que, na verdade, reflete o avanço da vacinação – o que possibilita a retomada. Mas considerando que Jair sabotou a compra de vacinas, essa queda não é mérito dele.

Mas o vácuo de projeto econômico vai gerando monstros. A renda média dos trabalhadores recuou 4% no terceiro trimestre do ano em relação ao trimestre anterior, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada na quarta (30). Ao atingir R$ 2.459 chegou ao menor rendimento médio (descontado a inflação) desde o quarto trimestre de 2012.

É normal que uma retomada do mercado de trabalho ocorra primeiro com postos de trabalho precários. Mas o Brasil, que fez a promessa vazia de uma revolução com a Reforma Trabalhista de 2017, vai tornando permanente aquilo que seria passageiro. O otimismo de Paulo Guedes não é compartilhado pelos trabalhadores por conta própria, especializados em ganhar pouco e se virar para sobreviver, que são uma das grandes forças motrizes dessa retomada.

Se tudo isso já não fosse muito ruim, as micaretas golpistas promovidas pelo presidente da República para excitar seus fiéis e distrair a sociedade de seu governo incompetente ajudaram a trazer instabilidade política. A falta do tal projeto econômico reduziu a credibilidade. O negacionismo diante das mudanças climáticas fez com que o governo não se preparasse para a previsível seca nos reservatórios das usinas. O dólar subiu, a inflação galopou, os combustíveis explodiram, a energia elétrica está pela hora da morte.

Discute-se nos escritórios hermeticamente fechados, onde a vida sempre ocorre na faixa entre 17º e 21º Celsius, o que fazer diante da recessão e da estagnação diante da percepção de que o país foi largado à própria sorte pelo governo.

Juntam-se, assim, às dezenas de milhões que entenderam desde cedo, morrendo por covid, não conseguindo um emprego ou passando fome, que, sob Jair, é cada um por si e Deus acima de todos.

Governo medíocre, PIB idem

Com dois tombos em dois trimestres, inflação disparada e desemprego muito alto, o Brasil mantém um desempenho econômico desastroso, muito longe da ficção sustentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Sem nenhum grande avanço para celebrar, economistas discutem agora se o País voltou à recessão, com duas taxas trimestrais negativas, ou se está apenas estagnado, em contraste com a maior parte do mundo. A discussão pode ir longe, enquanto a economia mal se move. No período de julho a setembro o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,1% menor que nos meses de abril a junho, quando já havia diminuído 0,4% em relação ao volume dos primeiros três meses. Essa sequência, segundo analistas, caracteriza uma recessão técnica. Como as quedas foram pequenas, há quem prefira falar de “estabilidade”, mas isso em nada melhora o quadro.

Desmentindo o ministro Guedes e seus auxiliares, os dados internacionais mostram o Brasil em posição muito desvantajosa. O PIB cresceu nos três primeiros trimestres – 0,7%, 1,7% e 0,9% – no conjunto de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na União Europeia houve recuo de 0,1% nos primeiros três meses e avanços de 2% e 2,1% nos períodos seguintes. Na maior parte dos grandes emergentes os números também têm sido positivos. Além disso, o desemprego na OCDE já caiu para 5,8% e a inflação nos 12 meses até outubro ficou em média em 5,2%.

No Brasil, todos os principais indicadores são muito piores. Embora em queda, o desemprego ainda correspondeu no terceiro trimestre a 12,6% da força de trabalho, com 13,5 milhões de pessoas em busca de ocupação. A alta dos preços ao consumidor chegou a 10,73% nos 12 meses terminados em novembro, segundo a prévia da inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15). Enquanto os dados pioram no dia a dia, pioram também as projeções para o próximo ano e até para o seguinte, o primeiro do próximo período presidencial.

Não há surpresa, portanto, nos números muito ruins do terceiro trimestre, em parte já indicados pelas prévias do PIB publicadas mensalmente pelo Banco Central e pela Fundação Getúlio Vargas.

A maior parte da economia foi mal no período de julho a setembro. Só um dos três grandes setores produtivos, o de serviços, teve desempenho positivo no terceiro trimestre, com expansão real de 1,1%. A agropecuária produziu 8% menos que nos três meses anteriores, em parte por causa da base de comparação elevada, em parte por causa das más condições do tempo. O conjunto da indústria ficou estagnado, com variação zero. Isso é em parte atribuível a falhas no suprimento de insumos, um problema global e muito sério para a produção automobilística.

Mas a explicação geral tem de ser mais ampla, porque só um dos segmentos industriais, o da construção, teve resultado positivo, com avanço de 3,9%. Parte importante da resposta deve estar na demanda final. O consumo das famílias aumentou 0,9%, mas permaneceu muito contido, por causa do desemprego, da inflação e da perda de renda. Em quatro trimestres, o gasto com o consumo familiar aumentou só 2,1% enquanto o PIB cresceu 3,9%. O empobrecimento, um dado inegável, condena a maior parte da população a conter os gastos severamente, baixando os padrões de consumo e, em muitos casos, limitando as possibilidades de desenvolvimento dos filhos.

Desemprego, inflação, perda de renda, falhas nas ações anticíclicas e de ajuda emergencial mantêm o presente estagnado e o futuro incerto. A insegurança quanto aos próximos anos é agravada pelo risco de piora das contas públicas, ameaçadas pela irresponsabilidade presidencial e pelo rompimento com as boas normas de uso do dinheiro público, sujeito cada vez mais aos fins pessoais do presidente e ao apetite de seus apoiadores. Quase encerrado o ano, os sinais econômicos positivos permanecem escassos, enquanto as incertezas se acumulam, alimentadas também pelo temor de novas cepas de coronavírus, tanto mais perigosas quanto maior a carência de um governo sério e competente.


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