19/03/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Um sabujo do bolsonarismo no STF

Publicado em 02/12/2021 12:00 - Victor Barone

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Com 47 votos a favor e 32 contrários no Senado, o ex-advogado-geral da União (AGU) – e pastor presbiteriano – André Mendonça teve indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF) aprovada por um placar mais apertado do que todos os indicados ao cargo pelo menos desde a redemocratização do país, em 1985.

Mendonça tem 49 anos. Ficará pelo menos 26 anos no Supremo. Como ministro da Justiça e advogado-geral da União, o que ele fez foi assustador. Colocou as leis e o aparato do estado em favor do governo, mesmo ao arrepio da lei e da ordem constitucional brasileira.

A AGU recomenda o uso da Justiça Militar para julgar quem ofenda as forças armadas e o governo. Ele tentou trazer de volta algo introduzido em 1969 no período do AI-5. Quis o retorno do uso abusivo da Justiça Militar para julgar civis, o que perdurou por toda a ditadura militar. Trazer de volta esta lógica é particularmente perigosa.

Em outro episódio, quando estava no Ministério da Justiça, a pasta perseguiu e fez um dossiê contra servidores públicos, professores, policiais federais, que seriam contra o governo. Isto foi revelado por Rubens Valente, do UOL. Naquele momento foi um escândalo e o governo deixou em banho maria para cair no esquecimento. Na época, ele era um dos candidatos à vaga do ministro Celso de Mello, em que Kassio Nunes acabou sendo indicado.  

Mendonça também abraçou o negacionismo bolsonarista enquanto esteve no Governo, em uma postura de subserviência que não é digna de um futuro ministro do STF, e de obscurantismo que o aproxima dos piores fundamentalismos religiosos.

Não podemos esquecer o que um candidato fez no passado quando ele pode ocupar um espaço de poder nos próximos 26 anos. Uma pessoa que tem esta falta de compromisso com as leis e a Constituição apenas para ficar de sabujo do presidente e conquistar um cargo, não tem princípios.  

Não é questão da religião de Mendonça. Em uma democracia, deve-se respeitar profundamente a todas. O importante é se a pessoa indicada tem valores aderentes à Constituição. Por tudo que fez nos últimos dois anos, Mendonça mostrou que não tem. No Supremo Tribunal Federal, será uma ameaça constante ao estado democrático de direito.

Por Míriam Leitão

André Mendonça celebrou a aprovação no Senado de sua indicação para o Supremo Tribunal Federal com uma frase simbólica: "É um passo para um homem, um salto para os evangélicos." Foi uma alusão ao comentário do primeiro ser humano a pisar na Lua, há 52 anos: "Este é um pequeno passo para o homem, mas um salto gigantesco para a humanidade", disse o astronauta americano Neil Armstrong ao pisar com o pé esquerdo a superfície lunar. Ao entrar no Supremo, provavelmente com o pé direito, o novo magistrado Mendonça se converterá automaticamente numa peça-chave da engrenagem eleitoral de Bolsonaro.

Em queda nas pesquisas, Bolsonaro precisa se segurar nas cercanias dos 25% e torcer pelo estilhaçamento da chamada terceira via para chegar ao segundo turno. Ao longo deste ano, Bolsonaro perdeu onze pontos percentual no eleitorado evangélico, que soma 26% da amostra populacional. Nesse nicho, Bolsonaro ainda prevalece sobre Lula. Mas sua vantagem é de apenas quatro pontos percentuais: 38% a 34% num cenário; 36% a 32% noutro. Se Bolsonaro conseguir chegar ao segundo turno, os evangélicos serão novamente um alvo preferencial da sua pregação.

Casado com o centrão, o presidente perdeu o mote do combate à corrupção. A inflação, o desemprego e a perspectiva de recessão o descredenciam para o debate econômico. O desastre sanitário escancara a inanição do seu discurso. Restarão o novo Bolsa Família de R$ 400 e a pauta conservadora dos costumes. Bolsonaro pintará Lula como um comunista defensor do aborto. Vai equiparar a volta do PT ao poder a um Apocalipse. E dirá que "ter 18% de mim dentro do Supremo" é muito pouco para proteger a família. Repetirá algo que já vem realçando em cultos evangélicos: o próximo presidente indicará mais dois ministros para o Supremo. Bolsonaro fará as contas: "Terei, então, 36% de mim dentro do Supremo" —quatro num colegiado de 11.

Lula já farejou os planos do adversário. Disse que o PT não pode dar de barato que os evangélicos se comportam "como gado". Defendeu que seu partido faça soar o bumbo da política social do seu antigo governo, que que incluía o Bolsa Família, agora capturado por Bolsonaro. Ironicamente, André Mendonça foi aprovado pela estreita margem de seis votos, com o apoio de parte da bancada do PT. Na sabatina, declarou: "Na vida a bíblia, no Supremo a Constituição." Depois de aprovado, cercado de evangélicos, falou em Deus e religião. Bolsonaro correu às redes sociais, o seu mundo da lua, para cultuar a si mesmo: "Meu compromisso de levar ao Supremo um terrivelmente evangélico foi concretizado."

Por Josias de Souza

NOIVINHA

Jair Bolsonaro firmou seu enlace com o PL, partido comandado com mãos de ferro pelo corrupto condenado Valdemar da Costa Neto, traindo parte do seu eleitorado que foi levado a acreditar no discurso anticorrupção e contra a “velha política”. O casamento com as velhas raposas da ala mais fisiológica do Congresso Nacional, no entanto, é apenas parte de uma vida política marcada pela promiscuidade partidária, buscando o controle das oito siglas por onde já passou por ser um puxador de votos da ultradireita. Noivinha do centrão durante os quase 30 anos como pífio deputado, Bolsonaro encontrará muitos problemas em sua relação com o PL.

A exemplo da “DR” que teve com Valdemar da Costa Neto durante a madrugada, quando se hospedou em um hotel de luxo em Dubai, as brigas conjugais devem prosseguir no casamento. Assim como Bolsonaro, Costa Neto não costuma honrar seus compromissos e não é aficionado pela fidelidade. Em diversos estados, o PL mantém flertes com partidos antipáticos a Bolsonaro, como o PSDB paulista, onde Costa Neto chegou a prometer apoio à candidatura de Rodrigo Garcia ao governo do Estado. O flerte com o tucano foi o principal motivo da DR com Bolsonaro. E embora Costa Neto tenha prometido abandonar o caso com o tucano, nos bastidores há ainda muito burburinho em largar o quase certo em São Paulo por uma incerta reeleição do presidente.

No Nordeste, muitos políticos do PL mantém laços estreitos inclusive com administrações progressistas – deixando claro que o PL cai nos braços que mais lhe convém, independente de propostas de governo ou acordos políticos.

Após turbulentas relações com os 8 partidos por onde passou, Bolsonaro se casa com o PL sabendo que tem um futuro incerto pela frente. E que pode ser traído e abandonado a qualquer momento, de acordo com o jogo político que se desenrola em torno das eleições presidenciais.

BRIGA NA LIXEIRA

Provável candidato do Podemos à Presidência, o ex-juiz Sergio Moro disse na quinta-feira (2) que o presidente Jair Bolsonaro celebrou a libertação de Lula, em 8 de novembro de 2019. O petista permaneceu 580 dias preso em Curitiba. “O que a gente sabia é que o Planalto, o presidente comemorou quando o Lula foi solto em 2019, porque ele entendia que aquilo beneficiava ele literalmente. Então, ele não trabalhou para manter a execução em segunda instância”, declarou Moro em entrevista à Rádio Jovem Pan Paraná. A afirmação de Moro contrasta com registros da fotojornalista Gabriela Biló, do jornal O Estado de S.Paulo. Naquele dia, ela fotografou Bolsonaro no momento em que ele teria recebido a notícia da libertação de Lula, durante um compromisso em Goiânia.

Bolsonaro usou parte de sua transmissão ao vivo nas redes sociais para rebater Moro. “Esse cara está mentindo descaradamente. Em vez de mostrar o que fez, fica apontando para os outros e mentindo”, disse Bolsonaro na live.

FRASES DA SEMANA

“É um passo para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil é um salto.” (André Mendonça, sobre a aprovação do seu nome para ministro do STF, parafraseando Neil Armstrong que ao pisar na Lua disse: “Um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”)

“Digo em alto e bom som: não vamos manter essa política de preços de aumento do gás e da gasolina que a Petrobras adotou por ter nivelado os preços pelo mercado internacional. Quem tem que lucrar com a Petrobras é o povo brasileiro”. (Lula)

“Me preparei para ser candidato a governador, mas surgiu esse fato federal”. (Geraldo Alckmin, em conversa com dirigentes de centrais sindicais sobre a possibilidade de ser candidato a vice de Lula na eleição do anjo que vem)

“Sim, é possível [uma aliança]. Eu tenho boas relações com Sergio Moro e tenho respeito por ele. Não haveria nenhuma razão para não manter boas relações com alguém que ajudou o Brasil”. (João Doria, governador de São Paulo, candidato do PSDB a presidente da República)

“Provamos que o Brasil tem jeito, a religião pode ser feita com muita verdade e ninguém precisa utilizar a boa-fé dos outros. Fé é uma coisa sagrada. Tenho fé em Deus que a gente pode consertar esse país. Não podemos perder a fé do povo”. (Lula, em encontro com evangélicos)

“Gente, aqui ninguém é criança. Se foi completamente vestido camuflado trocar tiro com a polícia no mangue, certamente coisa boa não estava fazendo”. (Cláudio Castro, governador do Rio, sobre a chacina policial que deixou 9 mortos no Complexo do Salgueiro)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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