28/03/2024 - Edição 540

Poder

Lira truca compra de votos do Bolsolão, mas Delegado Waldir pede ‘seis’

Publicado em 26/11/2021 12:00 -

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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), desafiou, em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada no último dia 22, a qualquer parlamentar vir a público para dizer que "alguém ofereceu emendas em troca de votar uma matéria". Teve o pedido rapidamente atendido.

O site The Intercept Brasil publicou, no dia 20, uma entrevista exclusiva com o deputado federal Delegado Waldir (PSL-GO), ex-líder do PSL, confirmando que o governo Bolsonaro liberou emendas em votações importantes. A da Reforma da Previdência custou R$ 20 milhões em emendas para cada, por exemplo.

A coincidência foi percebida pelo repórter Guilherme Mazieiro, do Intercept, que entrevistou Waldir nos meses de outubro e novembro, em sua conta no Twitter. O ex-bolsonarista afirmou a ele que votos para a eleição do próprio Lira para o comando da Câmara foram vendidos a R$ 10 milhões em emendas do orçamento secreto para cada deputado. E que ele mesmo recebeu a oferta.

Delegado Waldir é mais um dos nomes da longa lista de ex-aliados que Bolsonaro foi deixando pelo caminho e que tem voltado para assombrá-lo. Ficou famoso o áudio de uma reunião, em outubro de 2019, em que ele aparece chamando o presidente de "vagabundo" e dizendo que iria implodi-lo.

A gravação foi divulgada por Daniel "Surra de Gato Morto" Silveira (PSL-RJ), que ficou famoso por rasgar uma homenagem a Marielle Franco e ser preso por ameaçar ministros do STF. Naquele momento, Waldir estava revoltado pois o presidente estaria articulando sua destituição como líder do partido pelo qual se elegeu.

Congressistas mandaram bilhões de reais aos seus redutos eleitorais, sem transparência ou possibilidade de controle público, através das emendas de relator. O "orçamento secreto", que funciona como um Bolsolão, o mensalão de Jair, foi revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo, em uma série de reportagens a partir de maio deste ano.

Entre as revelações, estava a compra, através dessas emendas, de tratores e equipamentos agrícolas superfaturados, sob a suspeita de que parte dos recursos voltaria aos parlamentares. Após ações movidas por partidos de oposição, o plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou liminar suspendendo a farra. O que irritou Lira e Bolsonaro.

Os deputados poderiam ter usado a mesma criatividade com a qual montaram e abastecem essa estrutura de pagamentos para encontrar formas de bancar os R$ 400 do Auxílio Brasil sem passar pela PEC dos Precatórios – um calote em dívidas públicas que dá uma banana até para aposentados. Mas a proposta não nasceu para matar a fome dos mais pobres e sim garantir até R$ 30 bilhões a mais no orçamento a fim de deputados gastarem, na forma de emendas, em seus redutos nas eleições.

Num ciclo vicioso de sacanagem, o governo empenhou R$ 3,3 bilhões em emendas do orçamento secreto às vésperas da votação da PEC na Câmara. Ou seja, deputados receberam dinheiro (a conta teria sido de até R$ 15 milhões por cabeça em emendas) para aprovar um projeto para que recebam ainda mais dinheiro.

Quem tem definido a destinação dos recursos é o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que atende aliados e ignora adversários. Isso aumenta o seu poder diretamente sobre os deputados e reduz a influência dos partidos. A relatora do caso, ministra Rosa Weber, explicou como funciona o esquema de compra de fidelidade da base no Congresso Nacional:

"Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as despesas", afirmou a ministra.

Por conta da reportagem do Intercept, o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) entrou com uma representação contra Lira e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, pedindo apuração da prática de improbidade administrativa e de crime de responsabilidade.

"Estamos diante de um dos maiores esquemas de compra de votos no parlamento da história da República. Um esquema que corrompe a liberdade de voto no parlamento e a separação dos poderes prevista na Constituição", afirma Valente.

Quem são os articuladores do Centrão nos bastidores do orçamento secreto

“A articulação do governo está nas mãos de profissionais”, costuma me dizer um político com acesso direto ao gabinete de Jair Bolsonaro, sob a condição de não ter o nome revelado. O que ele quer dizer é que quem comanda e organiza o governo é o Centrão, nome dado ao ajuntamento de políticos de direita que vendem apoio ao governo do momento.

Sem receio de se expor, quem me falou a mesma coisa foi o deputado bolsonarista Delegado Waldir, do PSL de Goiás. “Quem tem esse controle [sobre quem recebe orçamento secreto e quanto] é o assessor de orçamento, o [presidente da Câmara Arthur] Lira e o [presidente do Senado, Rodrigo] Pacheco. Ninguém mais tem”, me disse na entrevista que acusou o governo de comprar votos com emendas.

Mas os profissionais não são apenas políticos como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, ou o presidente da Câmara, Arthur Lira, ambos do Progressistas. Essa estrutura só funciona porque há servidores qualificados a municiá-los. Trata-se de pessoal que já prestou serviços a figurões da política como Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Romero Jucá, ex-caciques do MDB.

A atuação desses assessores foi tema do programa semanal do Intercept no YouTube, o Cama de Gato, apresentado por Leandro Demori. Veja o programa aqui.

A especialista

Logo que assumiu a presidência da Câmara, Lira recorreu a uma velha conhecida do Centrão, a advogada Mariangela Fialek, para que o ajudasse a organizar acordos e coordenar o apadrinhamento das emendas secretas de relator. O relato é de um líder partidário aliado de Lira, na condição de não ter seu nome revelado. Tuca, como é conhecida, foi nomeada para ocupar um cargo de natureza especial da presidência da Câmara um mês após Lira assumir o comando da casa, em março passado.

Por Fialek passam as informações que são omitidas da população e dos órgãos fiscalizadores, entre elas a relação de quais parlamentares e partidos usam o orçamento secreto, em que proporção e aonde direcionam os recursos negociados.

Entre políticos e servidores, acredita-se que estejam sob a posse de Fialek listas completas com a relação de beneficiados pelo orçamento secreto. Eu a procurei, por telefone e aplicativo de mensagens, pedindo uma entrevista. Ela não respondeu até o fechamento deste texto.

O caso do orçamento secreto foi revelado por uma série de reportagens do Estadão. No último sábado, o deputado bolsonarista Delegado Waldir, do PSL de Goiás, abriu o jogo em uma entrevista ao Intercept e acusou Lira e o governo de usarem os recursos para negociar votos e favorecer aliados. Segundo Waldir, o voto para eleição de Lira era negociado por ao menos R$ 10 milhões em emendas.

Como um dos beneficiados pelas emendas de relator, Waldir conhece Fialek. “Ela só faz a indicação [das emendas pedidas pelos deputados] para os ministérios, ela não faz o acompanhamento [da execução orçamentária]. Quem faz acompanhamento é a minha assessoria. Se eu tenho R$ 5  milhões, por exemplo, meu assessor técnico faz a indicação dos municípios [a que vou encaminhar os recursos] e manda a listagem para Tuca. E ela manda isso para os ministérios”, resumiu Waldir.

Para além da confiança que estabeleceu com políticos de alto escalão, Fialek é descrita por colegas de trabalho como uma pessoa de bom trato, competente e trabalhadora. O relato foi repetido por cinco assessores parlamentares de diferentes partidos de centro e dois deputados federais. Todos pediram que seus nomes não fossem revelados

Entre suas funções, ela é responsável por reunir as recomendações de emenda junto aos parlamentares e às assessorias das lideranças –  de nomeações para cargos à viabilização de projetos e outros assuntos cotidianos ao toma-lá-dá-cá do Centrão. Com os pedidos em mãos, ela organiza as demandas e informa Lira. São essas informações que ajudam o presidente – quem de fato detém o poder de selar acordos – a negociar com parlamentares.

O orçamento público é um mecanismo complexo e hostil a quem não o domina. Entendê-lo e manejá-lo exige profissionais altamente qualificados. Possui complexidades como vários tipos de execução de despesas, meios de pagamento, definição de rubricas e valores, além de uma burocracia e legislação próprias e que orientam o uso de dinheiro público. Não basta, portanto, definir acordos políticos. É preciso saber como executá-los nesse labirinto normativo, de forma a fazer o dinheiro fluir.

Fialek tem familiaridade com tudo isso. Em seu currículo, ela diz ter “longa experiência em processo legislativo”. Antes de ser chamada por Lira, ela atuou como chefe da Assessoria Especial de Relações Institucionais do Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte. A pasta é um dos principais veios para distribuição das emendas secretas.

Fialek conhece bem o funcionamento burocrático de Brasília. Além de passagens no Executivo e Parlamento, ela acumula no currículo nomeações aos conselhos fiscais da Pré-Sal Petróleo S.A., do BNDES Participações S.A. e ao conselho de administração da Brasilcap Capitalização S.A. São cargos em que o que pesa é a indicação política.

“Ela bota aqui: você tem direito a um trator. Ela é braço de articulação política. O presidente [da Câmara] tem que ter alguém de confiança, essa pessoa é ela”, me disse ironicamente um deputado quando o questionei sobre as atribuições de Fialek. O parlamentar pediu para não ser identificado por temer represálias.

De FHC a Bolsonaro

Como todo bom assessor político, Fialek trabalha para a direita ou esquerda. A carreira dela acumula passagens por ministérios do final do governo Fernando Henrique Cardoso e do início do governo Lula.

Até ser nomeada para trabalhar com Rogério Marinho, ela passou por cargos-chave da articulação política de diferentes vertentes políticas. Trabalhou em cargos de confiança no gabinete do senador Romero Jucá, do MDB de Roraima, na Secretaria de Governo de Michel Temer, do MDB, e em um escritório de representação do governador paulista João Doria, do PSDB, em Brasília.

Durante o trabalho com Jucá, o nome da advogada alçou as manchetes dos noticiários em razão das investigações da Lava Jato sobre o político. A apuração apontou que Fialek enviou um e-mail do gabinete do senador para executivos da Odebrecht, em que apresentava um rascunho de alterações sobre uma medida provisória. A informação foi divulgada por delatores premiados da empreiteira, e não houve acusação criminal contra Fialek.

O nome da assessora também passou pelos bastidores da CPI da pandemia, no Senado. O relator da investigação, senador Renan Calheiros, do MDB de Alagoas, relacionou a servidora em uma lista para solicitar à Receita Federal, seus dados cadastrais, participações societárias nos últimos dez anos. No ofício, Calheiros pedia que a Receita Federal fizesse gráficos dos relacionamentos societários dela e das demais pessoas.

Na relação de pessoas, estavam nomes de pessoas indiciadas pela CPI, como o dono da Precisa, Francisco Maximiano, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, do PP do Paraná, e do coronel da reserva Marcelo Bento Pires, ex-assessor do Ministério da Saúde. Também estavam no rol figuras próximas a Bolsonaro, como o advogado do presidente, Frederik Wassef, e um colega dele com bom trânsito junto à família, Willer Tomaz.

O ofício foi tornado sem efeito “por erro material” após pressão de senadores e colegas parlamentares de Fialek, segundo me relatou uma fonte que acompanhou a situação. Com o recuo, o nome não foi mais listado por Calheiros. Perguntei à assessoria do senador porque o nome dela saiu do radar, mas tudo que ouvi foi que “não se lembravam do motivo”.

O homem de Cunha e Geddel

Para efetivar os acordos prometidos no Congresso, o Centrão precisa sincronizar a atuação em dois ministérios que ele já controla: a Casa Civil e a Segov, Secretaria de Governo, ambos ligados à Presidência da República. A Segov é coordenada pela ministra Flávia Arruda, do PL do Distrito Federal, e a Casa Civil por Ciro Nogueira, senador pelo Piauí e presidente nacional do Progressistas. Ambos têm como missão a articulação política do Palácio do Planalto junto ao Congresso e aos demais ministérios.

Nesse caso, os número dois de cada uma das pastas têm funções decisivas para destravar o orçamento secreto. Quem assessora Arruda é mais um velho conhecido do centrão: Carlos Henrique Sobral. Também da velha guarda do MDB, Sobral fez parte das assessorias de figurões como Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima.

Sob responsabilidade dele está o direcionamento das emendas que foram orientadas pelo Congresso e serão repassadas para que os ministérios as empenhe (empenhar é o termo técnico para a reserva de dinheiro no orçamento) e siga as fases para acompanhamento e execução do recurso.

Sobral foi assessor de ex-ministro Geddel no extinto ministério da Integração Nacional, no governo Lula. Dali, ele seguiu para o gabinete de Eduardo Cunha, então líder do MDB na Câmara, e depois o acompanhou à presidência da casa. Já no governo Temer, voltou para o Executivo, como chefe de gabinete de Geddel, na Segov.

Com o bom trânsito político, Sobral também teve assento nos conselhos fiscais do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial e também do Serviço Social do Comércio.

Ao contrário de Fialek, Sobral já circulava pelo governo Bolsonaro. Ele atuou como assessor do médico negacionista Osmar Terra, deputado federal pelo MDB, quando ele era ministro da Cidadania e depois quando se tornou assessor especial do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Já na Casa Civil, o secretário-executivo é Jônathas de Castro. O Estadão revelou que o gabinete dele foi utilizado como quartel-general durante a reta final da campanha de Lira à presidência da Câmara. Castro é apontado por dois assessores parlamentares com quem conversei como um dos principais responsáveis por distribuir aos ministérios os pedidos de emenda de relator que o Planalto recebe do Congresso. Com mais poder que ele, só Ciro Nogueira, que se desdobra para paparicar o subordinado. Segundo reportagem do Metrópoles, Nogueira nomeou a esposa de Castro, Ana Carolina Argolo, a um cargo com salário mensal de R$ 13 mil no Ministério de Minas e Energia, em setembro deste ano.

Castro conhece bem a máquina pública. Desde 2010, passou por funções de confiança nos ministérios da Economia, Desenvolvimento Regional e órgãos ligados a Presidência da República. No governo Bolsonaro, era um dos homens de confiança do general Luiz Eduardo Ramos, que esteve à frente da Segov na negociação de emendas por votos, como Waldir já havia apontado ao Intercept.

O Intercept enviou perguntas a Sobral e Castro via assessoria de imprensa da Presidência da República. Não recebeu respostas até o fechamento desta reportagem.


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