29/03/2024 - Edição 540

Poder

Congresso quer manter errado o que fez com o orçamento secreto

Publicado em 26/11/2021 12:00 -

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De Jair Bolsonaro, diz-se com razão que ele só enfraquece a democracia desde que se elegeu presidente da República. E do Congresso comandado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), empenhado em desobedecer à ordem do Supremo Tribunal Federal de revelar o nome de deputados e senadores beneficiados pelo orçamento secreto da União? O que se dirá?

Orçamento secreto, por si só, é um atentado à Constituição que estabelece que “os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência devem ser observados pela administração pública direta e indireta no desempenho de suas funções.” Portanto, que história é essa de esconder quem recebeu dinheiro do orçamento e a que obras públicas ele foi destinado?

Disse a ministra Rosa Weber em decisão aprovada pela esmagadora maioria dos seus colegas de tribunal:

“Enquanto as emendas individuais e de bancada [ao Orçamento da União tal como se conhece] vinculam o autor da emenda ao beneficiário das despesas, tornando claras e verificáveis a origem e a destinação do dinheiro gasto, as emendas do relator [a parte secreta do orçamento] operam com base na lógica da ocultação dos efetivos requerentes da despesa”.

Pacheco esteve com Rosa. A conversa foi rápida e ele saiu de mãos abanando. As emendas do relator são controladas por Pacheco, presidente do Senado, e Lira, presidente da Câmara. O que eles pretendem é que o tribunal deixe por isso mesmo o que ficou para trás em troca da promessa de que daqui para frente tudo será diferente. Ou seja: que o que foi feito de errado, errado fique.

Alegam que não existia lei que os impedissem de fazer o que fizeram. Como não existia? A Constituição não vale? Só passaria a valer a partir da decisão de Rosa confirmada por seus pares? A decisão da ministra foi além com o apoio da maioria dos ministros. Ela suspendeu o pagamento de emendas com base no orçamento secreto. E deu um prazo de 30 dias para que tudo venha à luz.

Só às vésperas da votação na Câmara da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criou o Auxílio Brasil e aplicou o calote no pagamento de dívidas judiciais vencidas (precatórios), o governo prometeu liberar quase 1 bilhão de reais para deputados que votassem como ele queria. Sim, é sobre o uso escandaloso de dinheiro público para a compra de votos de deputados e senadores.

O mensalão do PT em 2005 foi por fora do Orçamento da União. O mensalão de Bolsonaro é por dentro. Transparência no pagamento de emendas poderá desarrumar a base de apoio do governo no Congresso, expondo deputados e senadores que venderam seus votos. Servirá também para que se investigue se o dinheiro liberado para obras foi de fato investido em obras.

Decisão judicial não se negocia, respeita-se e cumpre-se. A palavra outra vez está com o Supremo Tribunal Federal.

Ministros do Supremo enxergam 'PEC da Vingança' como 'chantagem'

Ministros do STF receberam como uma provocação o avanço na Câmara da proposta de emenda constitucional que antecipa de 75 anos para 70 anos a aposentadoria compulsória dos membros dos tribunais superiores e do TCU. Enxergaram o movimento como uma resposta à decisão do STF que travou a execução do chamado orçamento secreto. Um dos ministros enxergou na novidade um ânimo de "retaliação". Outro falou em "chantagem".

Apelidada de PEC da Vingança, a emenda foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça por 35 votos a 24. Se já estivesse em vigor, Bolsonaro empurraria para dentro do Supremo mais dois ministros, elevando sua cota para quatro. A proposta é da deputada bolsonarista Bia Kicis, que preside a CCJ. O Planalto monitorou a sessão da comissão, que durou mais de cinco horas. Para não prejudicar a votação na CCJ, o presidente da Câmara, Arthur Lira, atrasou o início dos trabalhos do plenário da Casa.

Antes de ser promulgada, a PEC terá de passar por uma comissão especial e prevalecer em votações de dois turnos nos plenários da Câmara e do Senado. A chance de passar é mínima, quase inexistente. Alega-se que a regra que antecipa em cinco anos a aposentadoria dos magistrados não se aplicaria à atual composição dos tribunais superiores. Não é o que está escrito no texto aprovado pela CCJ. O súbito interesse pela matéria não passou despercebido no Supremo.

Há duas semanas, Bolsonaro declarou: "Tenho 10% de mim dentro do Supremo." Referia-se ao ministro Nunes Marques. Com a provável aprovação de André Mendonça pelo Senado, o presidente passará a ter 18% da Corte. Se puder indicar os substitutos de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que têm 73 anos, Bolsonaro poderá proclamar: "Agora tenho 36% de mim dentro do Supremo." Rosa Weber é autora da liminar que travou as emendas secretas. Ela só fala nos autos. Seus colegas apostam que a pressão da Câmara converterá a ministra numa Rosa com mais espinhos.


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